Na semana passada, foram divulgados os resultados de um estudo internacional que representa um grande avanço na prevenção da Aids em todo o mundo.
O estudo, intitulado iPrEx (sigla para Iniciativa profilaxia pré-exposição), contou com a participação de 11 centros de pesquisa – no Brasil, ele foi realizado pela USP, Fiocruz e UFRJ.
O iPrEX mostrou que o uso da pílula Truvada, uma combinação de dois antirretrovirais já existentes – o tenofovir e o entricitabina – pode reduzir em até 73% o risco de se contrair o vírus HIV. 2.499 voluntários participaram do estudo, grupo composto por homens, travestis e transexuais, que tinham como parceiros sexuais pessoas do sexo masculino.
Os participantes foram avaliados por um período de três anos. Os voluntários foram divididos em dois grupos: o primeiro recebeu o antirretroviral e o segundo, placebo. Eles foram orientados a tomar uma dose diária do comprimido. Além disso, ambos os grupos foram aconselhados a adotar medidas preventivas e receberam preservativos, testes mensais para detecção do vírus e tratamento para DSTs.
No grupo que recebeu o antirretroviral, foi detectada redução geral de 44% no risco de infecção. Os pesquisadores levaram em conta, nesta avaliação, todos os voluntários deste grupo, independente de terem tomado diariamente a medicação, conforme a recomendação inicial. Para participantes com mais de 50% de adesão aos comprimidos a eficácia foi de 50%. Para os que relataram mais de 90% de adesão à medicação a proteção chegou a 73%.
O estudo concluiu que as intervenções de aconselhamento, redução de risco e distribuição de preservativos e gel tiveram impacto na redução do número de parceiros e aumento do uso de preservativos.
Em entrevista ao site A Capa, a médica infectologista Vivian Iida Avelino-Silva, do Centro de Pesquisas Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, comenta os resultados do estudo e alerta que, apesar dos números animadores, ainda não é hora de abandonar o uso do preservativo na hora de se prevenir contra o HIV.
Como foi conduzido o estudo do iPrEx no Brasil? Existe alguma particularidade em relação aos outros países onde ele foi realizado?
No Brasil, a pesquisa foi conduzida em 3 centros diferentes: USP, Fiocruz e UFRJ. A estratégia foi a mesma em todos os 11 centros e 6 países que desenvolveram o estudo. Entretanto, observamos que dentre os voluntários brasileiros houve uma participação muito regular, o que mostra grande comprometimento dos nossos participantes.
Como os senhores avaliam os resultados? Eles são encorajadores ou ainda merecem um aprofundamento?
Os resultados são bastante encorajadores, mas merecem aprofundamentos. São encorajadores porque nos abriram a possibilidade melhorar a prevenção do HIV através de uma nova intervenção que pode ser associada aos métodos já existentes de redução de risco. Melhorar a prevenção é muito importante. Durante muitos anos a prevenção se restringiu ao uso da camisinha. Recentemente, outros métodos como a circuncisão masculina, o gel com medicamento e as vacinas, todos associados à prevenção com camisinha, vêm sendo estudados com algum sucesso. Dessa vez, trata-se de um medicamento de uso diário. Mas não podemos nos esquecer de que mais estudos sobre segurança do medicamento continuarão a ser desenvolvidos e novos efeitos colaterais ainda podem ser detectados. Além disso, para outros grupos de pessoas (como mulheres, idosos e adolescentes) estudos específicos devem ser desenvolvidos para demonstrar eficácia. Não é hora de abandonar o uso de preservativos nem de comprar o medicamento sem orientação de um médico.
O Truvada poderá eventualmente ser comercializado para quem não é soropositivo ou transformado em medicamento para profilaxia?
O Truvada ainda está em processo de liberação para uso pelos órgãos regulatórios, mas já tem liberação para uso em pesquisas. O uso para profilaxia e a comercialização ainda não foram liberados. Isso pode ocorrer no futuro, mas ainda não temos previsão da data.
De que forma esse estudo poderá contribuir para a prevenção do HIV no futuro?
O estudo oferece uma medida que, associada ao uso do preservativo, aumenta a proteção contra a aquisição do vírus. Quando corretamente utilizada essa medida se demonstrou muito eficaz e pode no futuro ajudar a reduzir os novos casos da doença.
O iPrEx poderá levar à fabricação de uma vacina contra o vírus causador da Aids?
Tanto o iPrEx quanto as vacinas têm como objetivo prevenir a infecção por HIV em quem não é positivo, mas eles utilizam estratégias diferentes. O iPrEx não tem como objetivo a fabricação de uma vacina e, sim, a proteção através de um medicamento que bloqueia a multiplicação do vírus no corpo e com isso impede o estabelecimento da infecção.
Quais são os próximos passos da pesquisa?
Os próximos passos serão o acompanhamento dos nossos voluntários com o uso da medicação por mais 18 meses, associado sempre a recomendação de uso de preservativos e práticas de redução de risco. Além disso, há outros estudos avaliando o uso de medicações em grupos diferentes de pessoas, tais como mulheres com risco elevado de infecção pelo HIV. É importante ressaltar que, enquanto as medidas não se demonstram totalmente seguras e eficazes, cada pessoa deve discutir com seu médico as vantagens e desvantagens de usar o medicamento, e deve manter o uso de preservativos sempre.