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Inimigos? Skinheads não homofóbicos revelam suas ideologias ao A Capa

DE FRENTE COM UM SKINHEAD
Originalmente, skinheads não são homofóbicos, racistas ou xenófobos, e suas ideias estão muito próximas dos partidos de esquerda

Em meados de fevereiro, São Paulo foi palco de um grande ato contra a homofobia, que teve a participação da ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário. Além dessa presença oficial, outro fato chamou a atenção: um enorme cartaz carregava os dizeres “Skinheads na luta contra a homofobia”. De que forma skinheads poderiam se envolver na luta contra a homofobia? Não seriam eles os responsáveis pelos recentes ataques contra gays na capital paulista?

O cartaz carregava a assinatura do grupo “RASH-SP-Antifascismo”. Na era digital, ninguém mais fica no anonimato. Pesquisamos, descobrimos o blog do grupo e fizemos contato com o moderador, que topou conversar com a reportagem da revista A Capa.

Skinhead comunista
Ricardo tem 29 anos e está há seis no coletivo RASH, que existe há oito anos no Brasil. À reportagem, ele conta que desde muito jovem se envolve com grupos “punks”. “Naquela época, o sinônimo de skinhead era ser careca [grupo intolerante com fortes raízes no Grande ABC paulista] e não existia isso de punk andar com skinhead. Não se tinha informação de que lá fora existia skinhead que não tinha nada a ver com racismo e nazismo”, explica.

O contato com outro tipo de skinhead se deu a partir de bandas que começaram a ter sua música divulgada no país. “Algumas bandas começaram a trazer música mais voltada para o estilo skinhead, e aí você começa a pesquisar a partir de fanzines, de cartas com o pessoal da Europa… Nesse meio tempo, soubemos que havia skinheads comunistas no Brasil.”

O RASH-SP se originou após a viagem de um amigo de Ricardo para a Itália, onde fez contatos com skinheads ligados a questões trabalhistas e contrários à opressão. Quando retornou ao Brasil, seis punks se juntaram e fundaram o grupo, que hoje é reconhecido pelas instâncias internacionais.

“O coletivo RASH surgiu em resposta às primeiras manifestações nazistas dentro do grupo skinhead. Por isso é importante dizer que a origem do grupo skinhead não tem nada a ver com o nazismo e o fascismo. São filhos da classe operária inglesa que já tinham um grupo, onde vestiam roupas parecidas e ouviam o mesmo som (punk rock, ska e reggae). Estes jovens se juntaram aos jovens negros que haviam migrado da Jamaica. Nessa época, fim dos anos 60, não havia politização, era uma coisa mais de moleque: beber, andar junto e curtir um som”, conta Ricardo.

Esses jovens cresceram e, na década de 80, reativaram a cultura skinhead, aproximando-se de questões políticas. “Foi nessa época que o partido nacionalista da Inglaterra começou a recrutar esses jovens e, entre eles, havia skinheads. A partir daí, eles tiveram o primeiro contato com a extrema direita. Foi por conta disso que os negros skinheads e o pessoal que não concordava com as ideias nazistas, que não são assumidas pelo partido nacionalista da Inglaterra, fundaram um grupo em resposta a estes jovens que se aliaram aos fascistas”, esclarece o integrante do RASH.
 

“A nossa luta é contra a homofobia”
A primeira manifestação do RASH contra a homofobia se deu nos anos 90 em Nova York. “A nossa luta é combater o machismo, a homofobia, o sexismo e toda a opressão que o capitalismo gera”, explica Ricardo. “O que é o skinhead? A palavra skinhead pra mim representa, acima de tudo, a classe operária. É também não alimentar nenhum tipo de preconceito.”

Com tantas posturas e revelações, Ricardo revela que o grupo já teve problemas com os Carecas do ABC. “Os Carecas só existem no Brasil. E pra gente o careca é uma praga tanto quanto os nazistas”, define.

Mas qual é a diferença entre os Carecas e os integrantes do RASH? “Tudo é diferente. Não somos nacionalistas e os carecas se dizem nacionalistas; nós somos internacionalistas, somos classistas; nós atuamos contra a xenofobia, o machismo e principalmente contra a homofobia, que nos últimos anos tomou uma proporção muito grande. Combatemos o preconceito dentro da cena e o careca é justamente o contrário: ele espalha o ódio”, explica.

Sempre que notícias a respeito de espancamentos homofóbicos caem na imprensa, inevitavelmente, pelo menos em um primeiro momento, a palavra skinhead é associada aos agressores. Ricardo diz que, para a mídia, é mais fácil associar o skinhead à agressão que explicar os fatos. “Nenhuma mídia que noticia que um jovem foi agredido por um skinhead vai dizer que há skinhead que não é homofóbico. Não tem por que a mídia noticiar que há negros skinheads e homossexuais. A palavra skinhead é pesada, mais atrativa e vende mais jornal”, constata o jovem.

Homossexuais em grupos skinheads?
Ricardo revela que ainda não há homossexuais, pelo menos assumidos, nos grupos brasileiros, mas que se houvesse, eles “certamente poderiam continuar no coletivo”. “Se você for para os Estados Unidos, Canadá ou Europa há grupos só de skinheads homossexuais e, se houvesse no Brasil, isso não representaria problema pra gente, pelo contrário, acredito que só fortaleceria a nossa luta contra a homofobia”, garante.

Por fim, Ricardo pontua que atualmente a principal luta do RASH é ir a público mostrar que não são homofóbicos e racistas, justificando a participação do grupo em atos públicos contra a homofobia. “Apesar de sermos skinheads, estamos inseridos na sociedade, e o fator maior que nos envolve é a consciência de classe e de luta. Por isso nós lutamos contra a homofobia e contra o machismo”, desmistifica.

Após a participação do RASH no Ato contra a Homofobia, em fevereiro, o grupo foi procurado pela imprensa e até mesmo pela Prefeitura de São Paulo, que negocia com eles uma participação em uma campanha municipal contra a homofobia. Ricardo adianta que a proposta ainda está em negociação. Mas, talvez, estejamos a caminho de uma ressignificação da palavra skinhead, pelo menos no Brasil.

*Matéria originalmente publicada na edição nº44 da revista A Capa – Abril de 2011.
 

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