O que era para ser uma reflexão sobre “Diversidade Sexual e Coisas do Gênero” e “O Eu feminino Hoje: Questões sobre a mulher na contemporaneidade” transformou-se num palco de discussões online que geraram comportamentos homofóbicos por parte dos alunos da Universidade Federal de Ouro Preto (MG).
Com o intuito de instigar maior reflexão sobre os direitos iguais para os homossexuais e os paradigmas da beleza feminina na universidade, além de chamar a atenção dos passantes para os debates que ocorriam no local, alunos do curso de Artes Cênicas realizaram algumas performances, no dia 13 de maio no Instituto de Ciências Exatas e Biológicas – ICEB, onde aconteceriam as mesas sobre os dois temas.
Para batalhar uma vaga dentro de uma república, os alunos da UFOP precisam andar com umas placas onde constam, na maioria das vezes, as seguintes informações: “Sou o bixo [apelido] e batalho vaga na [nome da república]”. Em uma das performances, os alunos de Artes Cênicas fizeram uma adaptação e andaram pelo ICEB com placas que diziam: “Sou bixa e batalho vaga contra a homofobia na UFOP”. Enquanto isso, dois homossexuais se beijavam, enquanto outro se travestia.
Para questionar os padrões de beleza impostos pela contemporaneidade, uma aluna expôs os seios e rabiscava seu corpo, evidenciando seus defeitos, semelhantes às marcações feitas por médicos antes da cirurgia plástica. Ao causar espanto nos transeuntes, a polícia foi chamada para interromper as performances, sob o argumento do “atentado ao pudor”.
“Rebuliço” no Orkut
A repercussão de tais performances terminou por ser, ironicamente, motivo de chacota pela comunidade acadêmica que presenciou o ocorrido. Um tópico aberto na comunidade “UFOP” do site de relacionamentos Orkut, intitulado “Rebuliço hoje no ICEB”, gerou uma onda de ofensas direcionadas aos estudantes de Artes Cênicas em geral, especialmente aos homossexuais e à garota que expôs seu corpo. Segundo os alunos participantes da discussão online, as performances foram ofensivas e agressivas ao mostrar um casal homossexual se beijando e uma menina sem roupa.
Os responsáveis pela organização dos debates, membros do Diretório Central de Estudantes (DCE), afirmam que as performances foram autorizadas pelo Pró-Reitor de administração André Lana. Mesmo assim, alunos chocados com as cenas que presenciaram chamaram a polícia acusando a aluna de atentando ao pudor. Segundo o Art. 233 do Código Penal. TJSP. RT 841/475, “Nas peças teatrais, a nudez é apenas uma parte integrante do espetáculo. O dolo do agente não é de chocar ninguém, mas de interpretar seu personagem. Mais que isso, tem-se aí uma verdadeira manifestação de um direito de expressão, protegido constitucionalmente. Logo, nesse caso, não há que se falar em crime”, o que significa que a intervenção policial desrespeitou um direito legal da artista.
Entre argumentos que envolveram a qualidade artística das performances, passando pela relevância de uma manifestação contra a homofobia, a necessidade ou não de uma aluna estar com os seios descobertos e pelos posicionamentos dos alunos homossexuais do curso de Artes Cênicas, o tópico da comunidade transformou-se em uma coleção de depoimentos de natureza intolerante, machista, preconceituosa e violentamente homofóbica. Palavras como “zoológico”, “animais”, “doença”, “viadagem”, “bixarada”, “vagabundos”, “baderna”, entre outras diversas, se repetiram entre as mais de 500 postagens do tópico, numa demonstração clara de como o preconceito está vivo e ativo nas universidades brasileiras. Entre as sugestões dos estudantes da UFOP para “resolver o problema” estava a remoção do Departamento de Artes Cênicas para um campus em outra cidade, e o jubilamento dos envolvidos nas performances.
Homofobia nas universidades
O caso exposto de repúdio aos homossexuais da UFOP, especialmente aos do curso de Artes Cênicas, faz eco com casos semelhantes em outras instituições federais, como o recente caso de homofobia na Universidade de São Paulo (USP), onde estudantes do curso de Farmácia distribuíram um fanzine através do qual convidavam alunos a “jogar merda” em gays em troca de convites para uma festa. A própria UFOP já registrou outros casos de homofobia, como em 2006, quando o professor Luciano Flávio de Oliveira foi chamado de “viado” e “bicha” por alunos em pleno restaurante universitário. Em 2008 o jornal O Globo publicou matéria de capa sobre homofobia nas universidades brasileiras, contando casos de agressão física e psicológica sofrida por alunos homossexuais.
Temas relacionados à homossexualidade estão garantindo um espaço expressivo na mídia. Há menos de um mês o programa Profissão Repórter, da Rede Globo, produziu uma edição inteira sobre questões relacionadas à diversidade sexual, que incluía o tema da intolerância dentro de casa, na faculdade e no trabalho. Também no mês de maio a Revista Veja fez uma matéria de capa sobre a homossexualidade, e apesar de seu discurso afirmar que hoje em dia há mais tolerância entre os jovens e que “nunca foi tão natural ser diferente quanto agora”, o que se vê dentro das universidades revela outra realidade.
O caso registrado na comunidade da UFOP no Orkut oferece mais uma ferramenta para se pensar a questão da homofobia nas universidades. Por ser o Orkut um site de relacionamentos público e aberto à visitação de quem estiver nele cadastrado, encontra-se no arquivo do fórum o registro de todas as manifestações preconceituosas direcionadas aos alunos homossexuais, com os nomes e fotos dos seus respectivos autores. O fórum pode ser acessado aqui.
Sob a conveniência do direito à opinião, liberdade de expressão continua sendo confundida com desrespeito e intolerância. Enquanto acontece a discussão ao redor da legislação que torna a homofobia um crime, enquanto o governo não se decide sobre o assunto, ainda será permitido que o preconceito se manifeste de forma agressiva, desrespeitosa e, algumas vezes, inclusive incitando a violência contra os homossexuais, como no caso da UFOP.
* Alan Villela é estudante de Artes Cênicas da UFOP (alanbergamota@hotmail.com); Ana Camila Esteves é jornalista (kamtelle@gmail.com).