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João, do Rio

Tenho muita sorte de ser gay. Não ligar muito para o que os outros falam e ainda ter a liberdade de ter uns gostos meio estranhos e as coisas mais legais acontecerem comigo. Prova disso foi uma vez quando o escritório de A Capa era pelo centro.

Não lembro porque cargas dágua passei no Shopping Light. Talvez estivesse indo para a faculdade e quis comprar alguma besteira pela Americanas. Tava rolando uma feirinha de livros. Daquelas legais com descontos incríveis.

Comprei um que parecia interessante. Escritor carioca, texto urbano. Meio gay. E com um título pra lá de obsceno. "Porra", o nome do livro. Foi paixão a primeira leitura. Tive o prazer de o acaso me apresentar a João Ximenes Braga.

Personagens tipicamente cariocas. O estereótipo transplantado pras páginas da literatura e de uma maneira legal. Sem pieguice. Sem os falsos moralismos e os clichês presentes em outros livros do gênero. A história gira em torno de uma dessas barbies de pool parties e um pitboy meio gay enrustido e bebidas e drogas que eles usam e as merdas que cometem. Até rolou um texto/matéria aqui.

Algum tempo depois, quando estive no Rio e conheci Victor Barroco ao vivo ele me mostrou outro livro do João Ximenes. "Juízo". Demorei mais pra conseguir esse livro. Mas valeu a pena. Romance ficcional tão bem escrito que parece até vida real.

Dessa vez a narrativa aborda a proliferação e poderio dessas igrejas pentecostais. Um blogueiro protagonista se envolve com uma dessas igrejas e acaba descobrindo o que a gente imagina mesmo que seja a picaretagem de gente que fica por trás desses negócios obscuros. Ou você confia na idoneidade e bondade de criaturas como Silas Malafaia, R.R. Soares, Marcelo Crivela ou Jair Bolsonaro?

Mas o que eu agradeço muito de ser gay e não ter certos pudores e o que isso tem a ver com João Ximenes é que ano passado li um livro de contos dele. "A Mulher que Transou com o Cavalo". Apesar do título dantesco que pode dar margem a algum tipo de interpretação para a zoofilia ou algo assim, não tem nada a ver.

Nas histórias d"A Mulher que Transou com o Cavalo" os personagens de um conto vão aparecendo como coadjuvantes ou mencionados nos que vem a seguir. E isso invariavelmente faz do livro uma obra ágil. Tipos urbanos que vagam pela cidade e vez ou outra são protagonistas ou figurantes de suas vidas.

Tudo isso amarra a obra de um jeito impressionante. Caminhos se cruzam sem que um personagem se de conta da história do outro. Uma frase de um conto serve de fio narrativo de outra figura, outra persona criada com maestria e bem elaborada por Ximenes Braga.

E mais. O texto de João Ximenes é tão pulsante que o autor consegue transformar uma virose, daquelas acompanhadas por diarreias amarelas e cu ardendo na mais pura literatura. Logo que acabei esse livro meu irmão, que tinha terminado de ler "Fortaleza Digital" e fez várias críticas sobre o aspecto inverossímil dos personagens me pediu uma recomendação de leitura.

Eu, que quero que todo mundo tenha o mesmo gosto literário aprumado que eu, logo mandei ele ler João Ximenes Braga. Ele não quis. Pela vergonha do que uma provável senhora pode pensar se vê-lo lendo um livro com este título no metrô. Tudo muito hipotético, mas vai entender.

No começo do ano comprei e li o quarto livro do João Ximenes. Que eu nem sabia que existia até então não fosse o André Fischer comentar em seu blog. "A Dominatrix Gorda" é uma coletânea de crônicas escritas para "O Globo" onde João trabalhou por um bom tempo antes de largar o cotidiano das redações para dedicar-se a literatura. Coisa que diga-se, fez bem.

"A Dominatrix Gorda" é tão ricamente inspirado em coisas simples e fatos cotidianos que sua simplicidade serve de inspiração. Sex clubs, os relacionamentos em Nova York, a violência e a natureza carioca. Está tudo lá. E se esses dias tenho me focado em escrever um tanto, o João Ximenes Braga tem uma certa culpa nisso.

Agora, se você não gosta de ler, não curte autores nacionais ou qualquer que seja sua desculpa, não pense que está incólume ao talento deste nobre senhor das palavras. João Ximenes Braga faz parte do time dos seis roteiristas que junto com Gilberto Braga e Ricardo Linhares escrevem as linhas que mais tarde se transformam em cenas de "Insensato Coração".

João Ximenes é uma das mãos por trás do Roni, interpretado pelo lindinho do Leonardo Miggiorin. Sem falar que ele já traduziu até um livro da Madonna.

E é isso.

Ps.: Devo voltar a atualizar só na semana que vem. Quando as coisas estiverem um pouco mais tranquilas. Até lá.

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