M. de 13 anos discute com o amigo A., de15, se deve ou não ir embora. Antes, decidem fazer as contas de quantos haviam beijado na noite. O mais velho 3. O mais novo “somente um hoje”. É quase meia noite de uma sexta e os dois estão no mais novo point da cidade de São Paulo: “a praça Trianon Bocage”. Para os moradores da região, o local até então se chamava Praça Alexandre de Gusmão. Antes habitada somente por michês, agora a praça também abriga os órfãos do Bar du Bocage. Ou melhor, da rua onde está localizado o bar, na esquina da Rebouças com a Alameda Itu.
Segundo relata o menor M, eles mudaram de local por obrigação. “A polícia chegou lá e mandou todo mundo sair. Ninguém mais poderia ficar na rua, mano. A gente veio para a praça”, explica. Nitidamente eles são jovens gays. Como os demais que ali estão (estimado em aproximadamente 400 pessoas) usam bastante preto, tênis all-star, calças justas e piercings.
Minutos antes, uma menina heterossexual tenta, em vão, ajudar uma amiga para tentar ficar em pé e ir embora. Se a garota bebeu de mais? “Aí, o que você acha?”, responde ela que volta e encosta a amiga em um banco. Do lado, outro amigo dela, em condições piores não consegue nem responder a seus chamados. Estão ali desde as 19 horas e sua preocupação era conseguir ir embora já que o último ônibus sairia dali alguns minutos.
Um rapaz jovem com seu namorado chega e tenta ajudar. “Compra água tônica”, sugere sem saber que no local não se vende o produto. Os quatros “tios” que vendem coisas só têm cervejas, refrigerantes, água, batidas, absinto, 51, chiboquinha (pinga com mel), Jurupinga (pinga adocicada) bomberinho (pinga com groselha e limão), Xixi de anjo, Tesão e Buceta Paulista. O drink mais caro custa R$ 5 a dose.
Uma das tias vende um drink chamado Chandele. Em uma garrafa de água havia misturado o Danone chandele, morango e “uma dosinha de vodka”. Ela relatava a um cliente que havia conhecido outra “balada”. “Fui ao Vitrine, mas achei o clima muito pesado lá. Muitas drogas sabe. Aqui é melhor, tem verde, natureza, espaço aberto… e não é tão pesado”. Se no local há o uso de drogas? “Tem sim. A galera usa de tudo aqui né? Maconha, pó… Mas a maioria só bebe. A energia é do bem”, relata a vendedora que comemorava o bom dia de venda. Ela se prepara para ir embora já que o “movimento estava caindo”. O que restava, água suja com gelo, ela joga fora no chão da praça.
Os menores M. e A. se despedem de dois meninos. M. que mora em Guarulhos lamenta não ter beijado seu paquera. “O menino que estou ficando não quis me beijar, o Juan sabe?”, relata ao amigo. “Ah, tá. Ele é uó!”, responde o amigo que mora em São Miguel. “Ele é louco. Fica beijando no rosto, no pescoço e não me beija na boca”, finaliza.
O que eles fazem ali? Encontram amigos. “Antigamente quando tinha Bocage o pessoal ficava lá, e vieram pra cá. Não pode ficar na rua lá. Foi maior confusão. Tinha muita briga de punk”, revela A. Mas o problema com os punks continuam. “Era meu colega que tava no meio lá que os meninos bateu. Alí agora, foi meu coleguinha que apanhou. Os meninos chegaram batendo nele. Mas ele também é mó folgado [sic]”, tenta justificar o menor.
Pouco depois, três carros da polícia chegam ao local. Os policiais descem e ficam conversando ao redor do carro. Quinze minutos mais tarde, deixam o local. Nada acontece e os adolescentes da praça Trianon Bocage voltam ao que estavam fazendo: beber, rolar na grama, paquerar, beijar a quatro, fumar, tocar violão, vomitar, conversar… Viver.
Um pouco acima da praça um porteiro de edifício comercial reclama. “Há quatros semanas eles começaram a se reunir ali em baixo, na praça. Agora, tenho que ficar aqui [do lado de fora sentado] para evitar que eles mijem, usem drogas ou transem aqui”, fala o porteiro apontando para um menino e uma menina que se pegam de forma bem quente com a mão um no órgão genital do outro.
Os garotos de programa que ficam na esquina da praça também reclamam. “O pessoal não gosta, né? Espantam a galera que vem aqui procurar pela gente”, revela um rapaz malhado, sem camiseta que logo depois encosta na janela de um carro importado.
O comportamento dos adolescentes da praça Trianon-Bocage não diferencia muito do comportamento dos jovens que freqüentam baladas. A diferença está no tipo e preços das bebidas. Lá, a pinga dá lugar a vodka importada. Na estrutura comprada, já que clubes são empresas privadas, a discrição prevalece. As quatros paredes de um clube escondem o que a sociedade não quer ou pode ver. Na praça, está tudo livre. Mas as (in)conseqüências, essas são quase as mesmas.
Na praça, perto de uma lixeira vazia, havia garrafas, copos, latas e flyers de clubes gays espalhados pelo local. Meninos e meninas urinam no chão e em prédios vizinhos, indiscriminadamente. Falta educação e responsabilidade aos adolescentes ao fazer uso de um bem público que é bem cuidado. Se não derem uma maneirada no comportamento vão acabar ficando sem lugar para ir.
O que falta também é a presença do Estado para criar um ambiente onde esses jovens adolescentes possam se encontrar, trocar experiência, descobrir suas sexualidades com estrutura e orientação. Sem medo também de que na próxima sexta a polícia chegue e mande todos embora.
Essa matéria provavelmente continua quando a liga das senhoras dos jardins ou algum outro moralista sem cuidado fizer sua primeira reclamação as autoridades, que lamentavelmente, vão expulsa-los sem se preocupar para onde irão, fazendo como sempre têm feito, jogando toda a sujeira para baixo do tapete.