Jovens, gays e soropositivos
Nas últimas pesquisas do Programa Nacional DST/AIDS dois dados chamaram a atenção: o aumento de contaminação por HIV entre jovens gays de 15 a 25 anos e entre homens na terceira idade. Em 2007 e 2008, as campanhas publicitárias focaram os grupos citados.
Para Deco Ribeiro, coordenador do Grupo E-Jovem de Campinas, voltado para as questões dos jovens gays, a comunicação entre pares é o que falta nas campanhas de prevenção ao HIV. "Não adianta colocar um ator. Seria interessante que jovens da vida real fossem lá dar o seu relato", opina.
Os temas que abordaremos a seguir relatam o que acontece para além das propagandas e como vivem jovens gays que, no auge da puberdade, contraem a Aids.
Difícil descoberta
"Pra mim foi normal. Eu chorei um pouco, mas depois superei, era mais uma prova de que não tinha que desistir. Tinha que batalhar na busca pelos meus objetivos", conta o cabeleireiro e maquiador Fabio Pinheiro, de 21 anos, sobre sua reação ao descobrir que era soropositivo aos 13 anos.
Fabio não desconfiava ser portador do vírus até fazer um exame de rotina. "Na época, eu era apenas uma criança, estava começando a minha vida e peguei logo uma bomba dessas que machuca, que faz a gente parar e pensar", analisa. Hoje, Fabio faz parte do grupo Rede Nacional de Jovens que Vivem Com HIV.
Já o estudante de Engenharia da Computação, Marcio, de 23 anos, conta que descobriu estar com HIV ao participar de uma campanha da sua cidade. "Tinha ido à faculdade num sábado com a minha irmã e estava rolando uma campanha aqui na cidade, aí eu fui fazer o exame e deu positivo. À noite, fui pra casa do meu namorado, mostrei o resultado, e ele ficou desesperado, me acusou de ter passado pra ele".
Marcio acreditava que, por estar namorando na época, tudo seria encarado de uma maneira melhor. "Só depois que a gente terminou que a ficha foi cair. Fiquei revoltado, senti ódio por ter confiado". Ele havia descoberto que contraiu o vírus de seu ex-namorado – que estava infectado há um ano e não sabia.
Segundo a educadora Diana Bastos, coordenadora desde 2001 do grupo de jovens com HIV da Ong carioca Grupo Pela Vidda, sentimento comum entre as pessoas que se descobrem portadoras do vírus é o de que a vida está acabada. "Os jovens chegam com a auto-estima muito baixa".
Tocar a vida
Diana conta que a reunião com jovens do Grupo Pela Vidda tem o objetivo de promover uma reinserção social dos meninos. "A idéia é formar uma rede e fortalecer a auto-estima das pessoas que estão na mesma situação".
"Não é a nossa intenção que eles fiquem presos ao trabalho dentro grupo. Queremos que eles se socializem e, normalmente, é isso que acontece. Depois que se forma essa rede, os jovens trocam telefones entre si, vão ao cinema, à boate, vão namorar… Então, a gente tem conseguido botar de novo no mercado", comemora a educadora.
Após ter ciência de que está com Aids, inúmeras mudanças surgem automaticamente. Entre elas, na vida amorosa. Questões do tipo "como lidar com o parceiro?", "Esconder?", "Contar logo de cara?", são freqüentes. Fabio, que passou por situações como essas, relata: "Muitas vezes eu escondia. Não queria me relacionar com medo de me expor. Outras vezes, eu contava. Alguns aceitavam, outros não. Achava que ninguém ia querer ficar comigo por eu ser soropositivo", diz o moço que hoje está casado.
"Ele [parceiro de Fabio] aceita numa boa. Não há problemas, muito pelo contrário", revela o cabeleireiro. No entanto, nem sempre a história foi assim. "No começo, eu não queria me entregar, tinha medo de começar um relacionamento e depois sofrer como já tinha sofrido. Quando eu contei não tive a reação ruim que eu esperava. Ele é uma pessoa madura"
Marcio sofre também com as mesmas perturbações em relação a ter um novo companheiro. "Realmente, essa é a única coisa que é um problema, mas psicológico. É ter a necessidade de contar e o medo de não ser aceito. Esse é a principal dificuldade".
Com as relações familiares não há muito com o que se comemorar. Diana conta que jovens gays soropositivos muitas vezes mantêm isso em segredo. "Muitos deles ainda nem contaram à família que são gays", revela. "É claro que a família depois acaba sabendo, mas há o problema em dobro: ter que contar que é gay e ainda por cima que está com Aids".
Tal situação acontece com Marcio. Sua família sabe que ele é homossexual e soropositivo. "Assim como descobriram a minha homossexualidade, descobriram do HIV. Minha mãe mexeu na minha gaveta e descobriu os meus exames. Ela falou que sabia e que a única coisa que ela tinha medo tinha se concretizado", diz.
Na família do estudante, o assunto é tabu até hoje. "Assim como não falam da homossexualidade. Na verdade, é um assunto que para eles não existe porque é mais fácil não existir".
Com Fabio, o preconceito foi em dobro. "Com a minha família foi mais difícil. Até hoje sou recriminado por ser gay e soropositivo. Eles tentam mostrar pra mim que aceitam, mas sei que não gostam", conta.
O jovem cabeleireiro relata um exemplo latente do preconceito no convívio entre os parentes. "Uma vez dei um lanche meu para minha irmã morder e falaram: não morde não, aí eu perguntei: mas, por quê? e responderam: ah não, ela é criança. Aí fiz de conta que não sabia do que se tratava".
Colateral
Indagado a respeito sobre a atual geração de jovens que estão se infectando, Fabio afirma que "eles não têm noção das conseqüências da Aids. Não sabem o que isso vai acarretar em suas vidas, não sabem qual é o efeito colateral dos remédios, não têm noção do quanto a vida deles vai mudar".
Marcio acredita que a idéia da Aids não ser um grande problema também é passada por especialistas. "Hoje quando vou à médica ela sempre bate na questão de que não preciso me preocupar, pois se o nível baixar posso tomar remédios e voltar ao meu estado normal. Só que isso leva em consideração apenas a parte fisiológica. Ninguém analisa a parte psicológica, que é a pior".
Para ilustrar como é viver com os efeitos colaterais dos remédios, Fabio faz uma breve descrição dos sintomas. "Até o corpo se acostumar é horrível. O efeito colateral é imenso, você fica tonto, vomita. Quando toma os remédios para dormir, você transpira a noite inteira, acorda molhado, parece que está bêbado".
Fazendo acompanhamento semestral, Marcio ainda não precisa tomar os remédios, mas pontua que a cada seis meses é uma semana de tortura antes e depois do exame. "Nunca foi necessário porque a minha carga viral tem se mantido constante, então ainda não há necessidade de tratamento com soro anti-retroviral," explica.
Ao ser questionado se perdeu algo na vida por ter sido contaminado tão cedo com HIV, Fabio diz que não perdeu nada. "Só ganhei. Ganhei amizades verdadeiras e pessoas que me entendem. Por conta disso, tive pessoas que se aproximaram de mim". No entanto, faz questão de reforçar o uso de camisinha para os jovens leitores desta reportagem.
"Ande com muitas camisinhas no bolso, porque chega a hora do clima e, se não tem camisinha, acaba transando. A desculpa é sempre essa. Ninguém sai nu à rua, então a camisinha tem que ser a segunda roupa da pessoa. Gozar é maravilhoso, mas quando você faz desprotegido, passa a viver com aquele pensamento: estou ou não com HIV? Esse peso na consciência é a pior coisa que tem", declara.
A respeito de voltar no tempo e fazer diferente, Fabio é sincero ao assumir que "por questão de saúde e prec