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Judiciário revoga indenização para pessoa que socorreu gays vítimas de skinheads no Metrô

Recentemente, o Tribunal de Justiça de São Paulo negou o pedido de indenização de Regicleidson da Silva Conceição, que alega ter intervindo em série de agressões físicas praticadas por skinheads contra gays no Metrô de São Paulo. 

O autor da ação pleiteia que a empresa responda legalmente pelos danos por ele sofridos na madrugada do dia 06 de maio de 2013, quando, entre as estações Sé e Liberdade da Linha 1 – Azul, tentou socorrer grupo de gays vítima do referido ataque.

Na ocasião, Regicleidson relata ter sido alvo de ofensas verbais, cotoveladas e golpes com uma tesoura por um grupo composto por três ou quatro agressores, que fugiram assim que o trem parou na estação seguinte. Os seguranças da empresa só teriam chegado 20 minutos depois para socorrer o rapaz e levá-lo ao hospital.

 
A ação de indenização, de número 1072387-36.2013.8.26.0100, na primeira instância, foi julgada de forma antecipada, isto é, sem o agendamento de audiência, apenas com base nas alegações e documentos apresentados pelas partes envolvidas. Na sentença de primeiro grau, o juiz condenou o Metrô a pagar R$ 7 mil para a vítima, mais 10% para seu advogado. Tanto ela quanto o Metrô, porém, entraram com recurso contra a decisão; para a vítima, o valor era abaixo do adequado; a empresa, por sua vez, não acreditava que devesse responder pela violência praticada por terceiros.
 
Na segunda instância, o desembargador Jovino de Sylos, que relatou o caso, reverteu a decisão. Para ele, o Metrô só responde pelos danos sofridos pelos transportados quando isso tem alguma relação direta com a atividade-fim da empresa, que é o transporte de pessoas. Além disso, o desembargador, apesar de não dizer explicitamente, parece levar em consideração também o fato de a vítima ter "entrado na briga", pois é mencionado o fato de que a vítima enfrentou os agressores. Em suas palavras: "Eu peguei na garganta dele. Queria que ele pedisse desculpas para os homossexuais”. Para completar, o Tribunal ainda condenou o autor da ação a pagar R$ 1.500,00 aos advogados do Metrô.
 
A decisão do Tribunal de Justiça até menciona precedentes do Superior Tribunal de Justiça, que é a Corte uniformizadora do direito civil brasileiro, para justificar sua visão estreita sobre quais as responsabilidades da empresa transportadora, mas isso em nada afasta a impressão sempre presente de que nossa sociedade apresenta uma tolerância seletiva quando o assunto são crimes de ódio por orientação sexual e identidade de gênero.
 
E digo isso de consciência tranquila, de forma fundamentada. Primeiro, porque a decisão da Corte paulista simplesmente ignora a responsabilidade objetiva do Metrô pelos danos ocorridos em suas dependências, sequer refutando este ponto que foi fundamental para a decisão do juiz de primeiro grau. Quer dizer, toda pessoa, enquanto consumidor e enquanto transportado, tem o direito de chegar de forma segura ao seu destino quando pega o Metrô, que, no caso concreto, não negou ter ocorrido a agressão. A segurança dos passageiros, inclusive em casos de ataque homofóbico, segundo essa corrente, faz parte dos deveres de quem transporta. 
 
Essa posição jurídica, porém, não foi refutada pelo desembargador, o que mostra certo descaso com a dor da vítima, que dificilmente será reparada pelos agressores, que raramente são capiturados nesses casos.
 
Situação muito parecida acontecia com clientes de banco vítimas de estelionatários. Há algum tempo, os bancos também não eram condenados pelos atos de terceiros, pois os juízes não consideravam obrigação do banco coibir fraudes, já que a atividade dos bancos não é de segurança, mas de administração de dinheiro. Com isso, as vítimas tinham suas indenizações negadas, enquanto golpistas e bancos lucravam com a situação. A situação de injustiça, porém, foi sendo alterada aos poucos graças à mudança de entendimento dos juízes, o que foi incorporado pelo Código de Defesa do Consumidor, que em 1990 determinou justamente que os bancos respondessem, sim, pelas fraudes, que poderiam ser evitadas com mais investimento em procedimentos de segurança para proteger seus clientes. 
 
Da mesma forma, o Metrô deveria ser responsabilizado pela falta de investimento em segurança. Afinal, como pode um grupo de skinheads praticar seus ataques a vontade e sair impunemente? Como pode a vítima ser resgatada apenas vinte minutos depois? Onde estavam esses seguranças? De que servem as câmeras nos vagões se não são usadas?
 
A questão, acredito, talvez nem seja a falta de equipamentos modernos de segurança. Isso existe. Às vezes, me parece, isso sim, que a segurança dos passageiros não importa muito para a empresa, pois quando lhe interessa política e financeiramente destaca montes de seus funcionários para reprimir manifestantes, especialmente dos movimentos sociais da periferia. Onde estão esses seguranças quando a população, especialmente a população marginalizada, realmente precisa deles? 
 
Considero grave também que em casos similares o posicionamento do Tribunal tenha sido diferente. Em 2012, por exemplo, o Metrô foi condenado pelo TJ-SP, no recurso de n. 0233069-55.2008.8.26.0100, a pagar indenização no valor de duzentos salários mínimos por sua "omissão no dever de fiscalizar" que permitiu que um palmeirense fosse espancado por membros da Gaviões da Fiel na área das catracas da estação Carrão, na linha 3 – Vermelha. Casos como esse geram grande prejuízo financeiro para a empresa, que passa a ver com seriedade questões relativas a segurança de seus usuários. Por que o mesmo não é exigido quando crimes de ódio estão em questão?
 
É papel do Judiciário não "limpar a barra" do Metrô, como aconteceu neste caso, mas justamente mostrar que ele responde pelas atrocidades que deixa ocorrer em suas dependências e pela omissão no rápido atendimento da vítima. Enquanto isso não for feito, continuará se esquivando de investir em segurança para todos, inclusive para prevenir e reprimir os crimes de ódio por orientação sexual e identidade de gênero.
 
 
Thales Coimbra é advogado especialista em direito LGBT (OAB/SP 346.804); graduou-se na Faculdade de Direito da USP, onde cursa hoje mestrado na área de filosofia do direito sobre discurso de ódio homofóbico; também fundou e atualmente coordena o Geds – Grupo de Estudos em Direito e Sexualidade da Faculdade de Direito da USP, que oferece assistência jurídica gratuita para travestis e transexuais de baixa renda na cidade de São Paulo; e trabalha no Centro de Referência em Direitos Humanos de Prevenção e Combate a Homofobia da Prefeitura de São Paulo; e escreve quinzenalmente sobre Direitos no portal A Capa. www.rosancoimbra.com.br/direitolgbt
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