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Justiça paulista obriga que poder público forneça medicamento para processo transexualizador

Retomo minha coluna quinzenal com uma boa notícia para travestis e transexuais: o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo considerou ser dever do poder público o fornecimento de medicamento inibidor dos caracteres sexuais masculinos para mulher transexual no período pré-cirurgia.

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Para inaugurar a coluna em 2015, pretendo analisar esta decisão do Judiciário e relacioná-la com a luta de travestis e transexuais pelo direito a um processo transexualizador público, universal e gratuito.

Para conseguir o medicamento (Acetato de Leuprolide), em 2009 a interessada havia entrado com um mandado de segurança (036303-47.209.8.26.0309), que é um tipo de ação com tramitação prioritária na justiça, em face do Município de Jundiaí. Na ação, ela apresentou a prescrição do medicamento, o que, segundo os julgadores, era o bastante para conceder seu pedido.
 
Os desembargadores afirmaram, ainda, que todos os entes do poder público (União, Estados e Municípios) são responsáveis pela saúde dos cidadãos e das cidadãs, conforme determina o artigo 23, inciso II, da Constituição Federal, logo qualquer dos três pode ser acionado na justiça para fornecer medicamentos.
 
Para o desembargadores, não há problema ou privilégio algum em se conceder o pedido da mulher transexual, pois o fornecimento de medicação prescrita é sempre uma prioridade do poder público, que, com isso, está efetivando o direito à saúde das cidadãs e dos cidadãos.
 
A não concessão dos medicamentos pleiteados pela interessada põe em risco a efetividade da Constituição; nas palavras dos desembargadores, sob pena de tornarem-se letra morta, se dependentes tão somente do exame de oportunidade e conveniência do Executivo. Quer dizer, se fossemos esperar o Executivo garantir o fornecimento dos medicamentos, o direito a saúde seria mera promessa vazia do Estado.
 
É muito comum o Tribunal de Justiça paulista conceder medicamentos para os interessados que se valem do mandado de segurança, no entanto seu histórico insensível para com LGBT – como quando negou indenização a travesti barrada no banheiro feminino – faz com que esta decisão (de conceder medicamentos para transexual) seja recebida com uma certa dose de surpresa.
 
Acredito que esta seja uma boa janela de oportunidade para o movimento social de travestis e transexuais, que poderia, por meio do ajuizamento em massa de mandados de segurança, fazer pressão para que o Judiciário determine ao Executivo o oferecimento de um serviço de saúde completo e minimamente célere para o processo transexualizador. 
 
Apesar da existência de resoluções do Ministério da Saúde e do CFM regulamentando o processo transexualizador e apesar da dedicação dos agentes de saúde envolvidos, é vergonhosa a falta de estrutura e recursos mínimos para atender toda a população de travestis e transexuais que busca e precisa do serviço. 
 
No estado de São Paulo, por exemplo, quase toda a demanda por profissionais endocrinologistas e psicólogos é atendida pelo ASITT – Ambulatório de Saúde Integral de Travestis e Transexuais, que ocupa o CRT – Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids, localizado na capital, à rua Santa Cruz n. 81. A fila de espera apenas para receber os hormônios tem demorado meses, o que desestimula muitas pessoas, que acabam recorrendo a meios informais de administração de hormônios, como pílulas do dia seguinte, assumindo graves riscos para sua saúde. Quem pode, acaba pagando médico particular. Mas num mundo em que travestis e transexuais são reiteradamente discriminadas e têm negadas oportunidades de trabalho, já dá pra imaginar quantas realmente têm acesso a emprego decente que permita o pagamento de "luxos", como médico particular.

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A demanda por cirurgia, por sua vez, é direcionada para o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Para além das denúncias de tratamento patologizante, são realizadas apenas 12 cirurgias de transegenitalização por ano. Digo "para além das denúncias" de forma sucinta e sem me aprofundar intencionalmente: não é como se fosse permitido às e aos pacientes reclamar da qualidade do tratamento que lhes é dispensado quando a alternativa ao mesmo simplesmente inexiste.
 
Desde 2008 o processo transexualizador já é garantido no SUS. Passados 7 anos, já está na hora de começarmos a cobrar melhores condições de atendimento pelo Estado e o direito pode nos servir de aliado nessa empreitada. A adequação corporal de travestis e transexuais, ainda que não possa ser uma imposição a essas pessoas, deve ser garantida a todas e todos, caso contrário continuará sendo um privilégio de poucas e poucos ou de quem tem dinheiro.
 
Thales Coimbra é advogado especialista em direito LGBT (OAB/SP 346.804); graduou-se na Faculdade de Direito da USP, onde cursa hoje mestrado na área de filosofia do direito sobre discurso de ódio homofóbico; também fundou e atualmente coordena o Geds – Grupo de Estudos em Direito e Sexualidade da Faculdade de Direito da USP; e escreve quinzenalmente sobre Direitos no portal A Capa. www.rosancoimbra.com.br/direitolgbt
 

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