Em 1984 a MTV norte-americana realizava a primeira edição do Video Music Awards (VMA). Como atração final, foi anunciado o show de Madonna, que na época vivenciava a sua primeira ascensão no mundo da musica pop. A cantora, que se tornaria rainha da música pop tempos depois, escandalizou ao apresentar vestidada de noiva a canção "Like a virgin". No fim de sua performance, Madonna rolou pelo chão e suas partes íntimas ficaram à mostra. Causou furor e, dali em diante, sua carreira decolou. O resto de sua história dispensa comentários.
Se nos anos 80 Madonna chocou os setores conservadores da sociedade se apresentando com um símbolo mor da virgindade, no último domingo (28), durante a edição 2011 do VMA, o chute da cantora Lady Gaga aos seus detratores e cantoras "rivais" foi surgir travestida de Jo Calderone e questionar a todos: é homem? Mulher? Os dois? Afinal, o que deseja Lady Gaga?
Na contramão
Não é exagero afirmar que Lady Gaga, desde o seu surgimento, optou pela contramão da receita comercial do mainstream. Se pegarmos como exemplo o seu primeiro grande sucesso, "Just Dance", constatamos que a sua reverberação entre a atual geração está justamente nos valores impregnados na canção: "Jovens que querem apenas dançar".
Lady Gaga não inventou a roda, mas é inegável que o seu surgimento e ascensão está conectado diretamente com a sua época: tempo em que a bissexualidade está na boca de varias pessoas e a homossexualidade é tratada em letras de músicas. Cada vez mais a questão transgênero está por aí, em jovens que pregam a regra da não definição de orientação sexual e se guiam apenas pelo desejo carnal.
Não é uma revolução sexual identitária, mas com certeza estamos diante de uma/um artista que tem, como ninguém, subvertido a questão do gênero e trazendo de volta o debate da androginia, já tão fomentado por David Bowie, Marilyn Manson, Brian Molko, Jeffree Star e outros.
Jo Calderone
Ao surgir travestida de Jo Calderone, seu alter-ego masculino, Lady Gaga desbancou todas as expectativas que giravam em torno de sua aparição durante a premiação musical. A começar pela sessão de entrevista à mídia, quando chamada pelo nome de "Lady Gaga", Jo Calderone foi enfático ao dizer: "Gaga não está presente, vim em seu lugar". O que se escutou foram risos e deboches dos jornalistas presentes. Mais do que chamar à atenção seu alter-ego, Gaga arrancou do público reações "comuns" que as pessoas "diferentes" estão acostumadas a passar: escárnio, estranhamento e discriminação.
Alguns jornalistas, inclusive brasileiros, classificaram a atuação de Jo Calderone como "bizarra". Xeque mate. O último disco de Gaga carrega o título de "Born This Way" (Nascemos Desse Jeito – tradução livre). Cada sujeito é o que carrega e tem de conviver no meio de uma sociedade (brasileira, estadunidense, européia, hindu etc) conservadora que funciona no automático sob os símbolos da heterossexualidade e do higiênico.
A "bizarrice" de Jo Calderone não colocou apenas a mídia em xeque, mas também as cantoras concorrentes de Calderone, que este ano foram à apresentação com roupas inspiradas em Lady Gaga. Afinal, o que foi o figurino de Katy Perry? A própria não conseguia esconder o seu constrangimento de usar tais roupas… Ao se travestir de Jo Calderone, Lady Gaga revelou que não está nesta encruzilhada apenas para ser "diferente", mostrou que usa seu corpo como arte e manifesto e que as pessoas podem ser do jeito que elas quiserem. Para isso, basta se sentir a vontade na identidade escolhida.