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Laís

Minhas queridas, resolvi deixar a timidez de lado e postar no blog um dos meus breves contos. Calma, calma, não se animem tanto. Não é um conto erótico! Mas garanto que passeando pelo site vocês poderão encontrar alguns contos nessa linha. Os meus são mais ‘comportados’ mesmo, com outra proposta. Espero que gostem e críticas são sempre bem-vindas!

Tudo começou do começo. Ou talvez ela ainda não soubesse que esse seria o começo. Era tarde demais pra tomar um café, então ela decidiu que procuraria qualquer fast-food vinte e quatro horas, qualquer lugar aberto, qualquer cadeira para se sentarem, qualquer desculpa para prolongar aquela noite, aquele momento. De fato as coisas ainda estavam confusas, mas não o bastante para voltar atrás. Ela tinha vinte e um anos, mas a aparência enganava. Seu olhar tão distante envelhecia aquele rosto que teria sido mais feliz se não tivesse esperado tantos anos. A espera. Foi ela a culpada de alguns anos de infelicidade na sua adolescência. Enganada, ela sempre achou que era assim que deveria ser.

A adolescência era um tempo infeliz. Não bastassem as cobranças, as festas de quinze anos, a viagem de formatura, as crises de identidade, a falsa identidade, o medo de não ser ela mesma e o medo de ser ela mesma, a vida em casa não era nada fácil. Sua mãe trabalhava demais, o pai só aparecia em datas específicas, sua relação com o irmão mais velho era completamente estranha, ela nunca sabia se gostavam um do outro ou se era apenas uma fachada instituída por motivos óbvios, do irmão caçula gostava sem dúvidas. Tinha admiração pela mãe, embora demonstrasse em raras oportunidades. Sempre pensava que se sua adolescência fosse um filme, seria um daqueles dramas, com poucos diálogos, porém, intensos, com muita coisa para ser resolvida e os créditos passando na tela antes mesmo dela sorrir e tocar aquela música confortante, com promessas de dias melhores.

Ela preferia pensar que tudo daria certo. Era uma garota otimista, ainda que infeliz. Contava com a idéia de que tudo aquilo era uma grande fase e que em algum momento passaria. O momento. Ela havia se enganado pensando que o tal momento já tinha chegado quando ela tinha se formado no segundo grau e todo aquele pesadelo ficará adormecido ali, nos corredores da escola. O momento dela era aquele, momento dado, naquela madrugada de sete de março, às três e cinqüenta.

Quando se espera tanto uma coisa, muitas vezes, ela foge aos olhos quando acontece. O momento se escapa facilmente, se dilui na espera. Também pudera, ela uma mulher, esperando que a vida começasse. Vivia em etapas, em grandes frações de vida, ela achava que se vivesse tudo muito certinho no momento certo, em blocos, uma hora chegaria a sua vez e ela começaria a ser feliz. Se passasse pela adolescência como deveria – ou como ela achava que deveria – ela ingressaria na universidade, arrumaria um emprego e pronto, fatalmente chegaria sua vez. Naquela noite muitos pensamentos cruzaram sua cabeça, lembrou das inúmeras vezes que em seu quarto viu o dia acordar, organizando em sua cabeça como deveriam ser seus próximos passos, onde dariam e quando terminariam.

O fim não era o fim, o final. Era o fim de mais uma etapa, até onde o fôlego agüentava. Pronto. Era infeliz, porém determinada. Construía um mundo em blocos e passava por eles, isso ela conseguia fazer bem e pensava que só assim chegaria ao fim de fato, sem saber direito o que seria isso. Pois bem. Ela tinha chegado até ali. Até aquela noite tão estranha, carregada de sensações que ela sempre soube que teria. Sempre?

Não era uma menina esquisita, daquelas que nunca tem amigos no colégio e quase nada se sabe dela. Tinha suas amigas, tirava boas notas, embora não fosse excelente aluna. Conversava com colegas de outras salas, vez ou outra se aliava a algum grupo de esportes ou teatro. Tinha um círculo social fora da escola e alguns rolos com meninos da sua rua, mesmo não sendo a mais bonita entre suas amigas. Era uma menina comum, sem nada de excepcional e isso a incomodava. Mas mantinha o pensamento de que uma hora isso mudaria, era tudo uma questão de fases e dar tempo ao tempo. Pensar no futuro era uma característica forte, seu defeito era viver nele. Não encontrando outra saída para ser mais feliz, prendia-se ao fato de que isso passaria, assim como as espinhas em seu rosto. Era normal, era assim mesmo. Vamos nessa. É claro que essa postura, tão bem construída por ela, tinha seus deslizes, tropeçava em si mesma e se perdia nesse mundo que ela construiu.

Pois bem. Lá estava ela, no que parecia ser o auge da sua vida. Entrar na casa dos vinte anos é de fato um dos auges da vida, ela não estava totalmente enganada. Uma nova vida, novas amizades, previsões de emprego, faculdade, estágio, independência. Lá estava ela, sentada em frente àquele rosto, que para ela era o rosto mais lindo que já tinha visto. Estava sentindo todas aquelas coisas bobas que as pessoas dizem que sentem, borboletas no estômago, mãos suadas. Hesitou. Não conseguia. Um passo de cada vez, pensou. Um café? Não. Tinha sempre a impressão de que não fazia as coisas muito certas. Estava mais desajeitada que o de costume. Depois de muita conversa, depois de pensar e repensar suas falas, cansou. Se levantaram, logo seria dia. Ela foi para seu carro, beijo, beijo, até mais, a gente se vê.

Não conseguiu falar para ela o turbilhão de sentimentos que já sentia há um tempo e que agora fazia todo sentido com aquele rosto na sua frente. Era um rosto lindo. Ela estava fixada pelos movimentos das mãos, pelos dedos, em como eles tocavam os cabelos, em como ela tirava e colocava aquele anel, como arrancava o esmalte das unhas, parecia que não queria deixar passar nada batido. Queria absorver tudo aquilo, as palavras, os gestos, os duzentos e setenta jeitos de sorrir. Pensou que talvez fosse velha demais para estar se sentindo tão boba daquela forma, pensou que era boba demais por achar que não deveria se sentir assim. Por quantas horas mais ela iria se afastar disso? Sua vida estava ali.

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