Menu

Conteúdo, informação e notícias LGBTQIA+

in

Laura Bacellar, fundadora da editora Malagueta, fala sobre o seu projeto editorial lésbico

Laura Bacellar, antes de lançar a editora Malagueta, foi também uma das criadoras da Edições GLS, selo editorial do grupo Summus voltado ao público LGBT. Porém, há quatro anos ela deixou este projeto, atuando apenas no conselho editorial. Sobre a criação da Malagueta, Laura conta que a idéia surgiu "do cansaço de várias mulheres de não terem o que ler, de ficarem ciscando em livrarias tentando deduzir se tal lançamento era ou não uma obra com conteúdo lésbico". Na entrevista, ela fala também sobre a sua parceria com Franco Reinaudo, no livro ‘O Mercado GLS’, e sobre a ausência de uma revista voltada para o mundo lésbico. 

Na apresentação a respeito da editora Malagueta, vocês convocam as meninas lésbicas a escreverem, a distribuírem… enfim, chama à participação. Essa idéia do coletivo é um princípio da editora? 
É sim, e também corresponde perfeitamente a verdade. Enquanto trabalhei com as Edições GLS, notei que tem muita gente que não entende que um negócio só funciona se tiver clientes. Então, queria deixar isso bem claro para as eventuais leitoras da Malagueta. Se não houver lésbicas que achem a idéia legal e comprem os livros, não haverá editora. Há gays e lésbicas, não sei se por conta da discriminação que sofreram ao longo da vida, que acham que negócios GLS precisam doar, dar de presente, compensar todos os sofrimentos que a pessoa teve na vida. Claro que isso não é possível. Então estamos adotando essa postura de deixar o jogo bem claro para nossas leitoras. Não estamos começando essa editora para ficarmos biliardárias. Isso seria bom, claro (risos), mas não é esse o intuito, mas sim abrir espaço na cultura. Mas, se as mulheres não colaborarem, só a nossa vontade não será suficiente.

Como tem sido o retorno nesse início de projeto? 
As respostas que temos tido são de muita simpatia e de gente querendo ajudar. Estamos fazendo parcerias, divulgando entre as amigas das amigas, das conhecidas, e percorrendo os caminhos das recomendações boca-a-boca.

A sua saída da Edições GLS se deu por conta do projeto Malagueta?
Não, deixei de ser a editora responsável da GLS faz mais de quatro anos, estava apenas como membra do conselho editorial.

Hoje temos quatro revistas gays (A Capa, DOM, Junior e AIMÉ) no mercado. Na sua opinião, por que ainda não temos uma revista com editoria focada no mundo lésbico? 
É uma pergunta hiper válida. Já vi várias tentativas, mas ou elas não tiveram respaldo de profissionalismo, ou não tiveram fôlego financeiro, ou foram completamente equivocadas. Acompanhei o lançamento de uma revista para lésbicas na qual, por exemplo, toda a equipe era de homens heterossexuais. Chega a ser engraçado eles terem achado que as leitoras não iam notar essa ligeira discrepância de estilo e abordagem… Parece que está faltando alguém para conseguir reunir capacidade, conhecimento, capital e pique para fazer direito.

Como surgiu a parceria com o Franco Reinaudo no livro "O mercado GLS"?
O Franco é meu amigo faz mais de dez anos, fazíamos parte do mesmo grupo de empresários que começou a colaborar com a organização da Parada de São Paulo para que se tornasse mais simpática e aberta à população, lá em 1999 e 2000. Nesses anos, fizemos muita coisa juntos e percebemos que nossas idéias batem, que pensamos na mesma direção. Quando começamos a oferecer treinamento e consultoria para empresas através do Bureau de Negócios GLS, sentimos que era preciso criar um material de apoio que explicasse o básico, que destrinchasse os problemas mais comuns e desmontasse os mitos a respeito das minorias sexuais. Por isso, resolvemos escrever esse guia, que explica o caminho para a eliminação, ou pelo menos diminuição, do preconceito contra minorias sexuais e como nos tratar com o respeito que tanto queremos.

A Lúcia Facco é a única autora de vocês. Estão em fase de prospecção de novas autoras?
Sim, já temos três obras em andamento. Adoramos a Lúcia, mas ela não será nossa única autora.

Qual é a diferença do público gay e lésbico?
Há muitas diferenças que não sei se existem por conta da educação diferenciada que é dada aos meninos e às meninas ou devido às diferenças biológicas intrínsecas a homens e mulheres. Ou talvez uma soma dos dois fatores. Mas qualquer pessoa nota que os gays são, como os homens em geral, muito mais ligados no visual. Eles reparam em roupas, em aparência, em decoração, em artes visuais, sentem-se atraídos pelo que vêem. As mulheres, por outro lado, são muito mais ligadas no verbal: elas gostam de música, de preferência mpb (risos), de conversar olhando nos olhos uma da outra – nada de lugares muito escuros para as mulheres -, de poesia, de contatos com mais intimidade. As diferenças se estendem, mas na questão de livros elas se refletem num gosto mais pronunciado das mulheres por romances, pela adoração das mesmas autoras sempre, por cenários que sejam acolhedores. Enquanto os meninos são mais novidadeiros, arriscam estilos diferentes, fazem questão de capas arrojadas, se aborrecem com facilidade do que já conhecem.

Da onde surgiu a idéia da editora? E o nome?
A Malagueta surgiu do cansaço de várias mulheres de não terem o que ler, de ficarem ciscando em livrarias tentando deduzir se tal lançamento era ou não uma obra com conteúdo lésbico. Resolvemos facilitar a vida de leitoras como nós. O nome veio da vontade de lermos cenas apimentadas, com sexo descrito de maneira natural, simpática, sem preconceitos, sem véus encobrindo.

Pretendem abrir espaço para escritores homens que escrevam sobre mulheres lésbicas? A editora pretende també ficar somente no ramo da literatura lésbica ou há idéia de abrir espaço para história gays? 
A nossa idéia, pelo menos agora no início, é a de nos restringirmos a obras para lésbicas. Não temos nada contra homens que escrevam para nosso público, estamos comercializando alguns títulos de não-ficção das Edições GLS de homens como Claudio Picazio, Amílcar Torrão e Daniel Helminiak, mas acreditamos que é quase impossível um homem escrever literatura – um romance – com protagonistas lésbicas que sejam convincentes. Pelas questões todas que nos distinguem, não por preconceito. Posso estar enganada, mas ainda não me aconteceu de ler um texto de um homem e achar que era de uma mulher.

Sair da versão mobile