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Leite Derramado

O novo livro de Chico Buarque trata da morte, do grande amor, da solidão que este ao partir pode nos trazer. De como podemos ficar impotentes frente ao fim de algo que julgávamos perfeito e infinito. Da coisa viva que nos completava. Acima de tudo, Leite Derramado, trata da decadência, não apenas do personagem principal, mas sim de tudo que nos cerca.

Eulálio d’Assumpção está enfermo em uma cama de hospital fétido e repleto de acompanhantes indesejáveis. Entramos em sua mente, em primeira pessoa ele nos conta toda a sua história, ou melhor, retrata a genealogia da família Assumpção. Do seu tataravô que tomava chá, uísque e fumava charutos com a família real. Chegamos ao seu pai, também Eulálio. Senador conservador e respeitado. Porém, envolvido com negócios escusos.

O pai é o começo do fim de uma família marcada pelos grandes negócios e relações. O narrador, o filho errante, é aquele que deve levar adiante a história aristocrática da família, mas não viverá mais do que sob a sombra do que o pai foi. Estará mais ligado ao amor por Matilde. Seu grande amor. Um dia ela parte e nunca mais volta. A arvore genealógica está rompida. Daí pra frente, ladeira abaixo.

Chico Buarque se mune de uma excelente alegoria, os Assumpção, para retratar a decadência humana e principalmente a deterioração dos valores. A falta de ideias. Antes se era preso por ser comunista e imprimir jornais proibidos, hoje à prisão é decorrência das drogas e de roubos baratos. Podemos fazer uma ligação com a carreira do autor. Grande musicista e um dos maiores compositores do Brasil se declarou desiludido com a música, não havia mais o que cantar.

Eulálio também se queixa de não ter mais o que contar a não ser histórias do passado. Do presente só a dor e a televisão que não cessa um minuto e não permite a reflexão. Tudo foi esvaziado por interesses mesquinhos e falta de conteúdo. Também já não há grandes moradas, apenas edifícios baseados em arte moderna, mas que se repete a cada a esquina. A originalidade foi perdida.  É o vazio total. Resta a nostalgia, muitas vezes pedante.

É certo que o tom do livro é um tanto amargo, mas pra lá de poético. De forma leve estamos vivendo as histórias de Eulálio, nos divertimos quando ele reclama que "hoje nem os entorpecentes prestam". São cem anos de vida contados em pouco mais de 100 páginas escritas por aquele que ainda é um dos maiores compositores da música brasileira e que, com certeza, hoje escreve livros que ficarão marcados como clássicos da literatura brasileira atual.

O Leite Derramado são as nossas historias que ficam em qualquer canto habitado por nós.

Em tempo: o livro anterior de Chico Buarque, Budapeste, logos estará nas telas de cinema do Brasil. Mestre é assim: aonde põem a mão, arrasa.

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