O escândalo Andréia Albertine e Ronaldo fenômeno
Lendo artigos sobre o caso Andréia Albertine e Ronaldo, uma coisa nos chamou a atenção: a grande maioria dos textos tratava Andréia de O travesti, ao invés de A travesti, afinal de contas, ela utiliza um nome feminino.
Esse detalhe nos motivou a ler vários jornais e sites sobre o caso. Em uma pesquisa mais detalhada na Folha Online e no Estadão, de uns 20 artigos, somente um no Estadão online tratava Andréia por ela.
Começamos a prestar atenção nos detalhes, especificamente na linguagem e no conteúdo. Como Ronaldo é a estrela, seu nome sempre aparece primeiro: o escândalo de Ronaldo com travestis. Andréia sempre é coadjuvante, sempre ocupa o segundo lugar. Quando ele é apresentado, pois dispensa apresentações, é o atacante do Milan, tem uma profissão de prestígio. Andréia sempre é apresentada e classificada: ela é UM travesti (sic) e prostitutA, ambos socialmente estigmatizados, inclusive tratados como sinônimos.
O nome social Ronaldo fala por si só, é Ronaldo e ponto. Nenhum artigo menciona seu nome completo. Andréia quase nunca é citada como Andréia: primeiramente é apresentada equivocadamente como O travesti, depois os artigos se referem ao nome (masculino) de registro, para depois dizer que "ele é conhecido por" (sic) Andréia Albertine. Ao invés de utilizarem o nome pelo qual Andréia se apresenta em seu convívio social, as matérias utilizam o seu nome de registro. Além disso, seu nome quase sempre vem precedido do adjetivo "O" travesti, essa dobradinha é reforçada ao longo das notícias.
Muitos artigos têm tratado dos problemas que Ronaldo pode ter por conta do escândalo, mas até agora não vi nenhum falando sobre as escandalosas mazelas que afetam Andréia Albertine:
– A exposição pessoal de Andréia, por meio da exploração de seu nome de registro completo;
– O desrespeito à identidade de Andréia por utilizar o seu nome de nascimento ou constantemente referir-se a ela pelos pronomes ou artigos masculinos; e
– A agressão da mídia que repetitivamente utiliza O travesti junto ao seu nome de registro, categorizando Andréia, tentando desqualificá-la e ao seu discurso por ser travesti.
O termo travesti é carregado de conotações sociais negativas e a mídia, ao utilizar a expressão de modo preconceituoso e ao estereotipar Andréia Albertine, limita-se a reproduzir estigmas e preconceitos.
Além de todo oba-oba, não vimos sequer um artigo esclarecendo o que é ser travesti, explicando a necessidade da utilização do artigo feminino por se tratar de uma questão de respeito a uma identidade e ainda pior: não se questionam os preconceitos, discriminações, violências que as travestis passam ao longo de suas vidas, que muitas vezes são fatores que determinam a prostituição como principal saída.
A prostituição é uma profissão, as prostitutas são pessoas dignas, o que questionamos aqui é que cidadania temos quando a principal possibilidade de sobrevivência de uma pessoa se restringe sobretudo a uma única profissão.
A nossa sociedade fecha as portas e oportunidades para as travestis, simplesmente por viverem uma identidade de gênero distinta do que é considerado "socialmente correto".
Este ano comemoramos 20 anos da Constituição Federal de 1988 e 60 anos da Declaração dos Direitos Universal dos Direitos Humanos.
Estamos passando por um processo democrático de Conferências GLBTT nos âmbitos municipal, estadual e federal, com o tema: o caminho para garantir a cidadania de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais.
Acreditamos que neste momento de discussão sobre cidadania, esse tipo de exposição pessoal e desqualificação social a que Andréia está sendo submetida não pode passar batido, pois além de afetar diretamente esta pessoa, demonstra o quanto a sociedade está despreparada para lidar com as questões e reivindicações GLBTT.
Andréia Albertine é uma pessoa, um ser humano que tem uma história e, como todas as travestis, sofre com estigmas sociais e tem sua cidadania desrespeitada, isso sim deveria ser notícia.
*O artigo foi enviado para a redação do site A Capa pelos leitores.