Passei uma semana inteirinha pensando num assunto pra falar aqui hoje. Estou de mudança, com a casa e a cabeça de pernas pro ar, arrumando caixas e mais caixas, revirando mil pilhas de papéis (sou só eu ou toda jornalista guarda muitos e muitos papéis?). Dentre as caixas e papéis, lembranças diversas… Fotos de viagens, cartas de amigos que já não vejo mais, livros que nunca serão devolvidos, e até uma peça de roupa que lembra um momento especial. Fiquei flutuando pela casa com as minhas lembranças, levando-as de um lado para o outro, sem saber muito bem onde colocá-las.
Pode parecer loucura, mas desde que o HD do meu computador pifou e eu perdi quase todos os trabalhos que já tinha feito na vida, confesso que volta e meia me pego em questionamentos sobre minha memória. Será que um dia ela também pode sumir completamente?
Não sei se isso só acontece comigo, mas vocês já notaram como algumas cenas de nossas vidas ficam esquecidas e, de repente, surgem na memória sem pedir licença, como um filme visto há muito tempo… Acredito que são fatores diversos que nos levam a enterrar essas memórias. Às vezes são fatos que nos arrependemos e queremos esquecer, outras temos vergonha ou não aceitamos o que fizemos, ou então não demos a devida importância pro ocorrido no momento.
Por muito tempo, guardei uma cena na minha cabeça e lembrava dela quando pensava no meu primeiro beijo. Até que um dia, do nada, me veio à cabeça uma outra lembrança e eu tive certeza que o primeiro beijo era aquele, e não o outro que eu recordava. Hoje, confesso que não tenho muita certeza de qual dos dois foi o primeiro, só sei que não ouvi sinos tocarem muito menos vi estrelinhas em nenhum deles, mas isso não vem ao caso.
O que costumo notar é que as lembranças sobre as primeiras vivências da sexualidade sempre são turvas. Talvez por acontecerem num momento em que a personalidade ainda não está totalmente formada e o caráter não se definiu por completo, elas são carregadas de complexidades, dúvidas e receios, e por isso, dificilmente, são lembranças claras.
Durante a busca por um tema, perguntei a uma amiga como foi a descoberta de sua bissexualidade. “Eu tinha uns 9 anos, estava brincando com umas amigas, quando de repente elas começaram a ficar juntas, se esfregar, se beijar… Até que elas me puxaram, eu entrei na roda e me senti muito excitada, não consegui ver aquilo como algo proibido”, contou ela, revelando que só depois de muito tempo é que essa história clareou em sua cabeça. Por muito tempo ela sequer lembrou que essa cena existiu.
Isso já aconteceu muitas vezes comigo, como por exemplo quando me esforçava pra virar amiga de alguma mina que achava bonita e só mais tarde consegui entender que na verdade o que eu sentia não era simplesmente amizade. Apesar do florescer sexual feminino geralmente acontecer logo no início da adolescência, acredito que só mais tarde, com o amadurecimento da personalidade, é que a mulher se encontre capaz de compreender seus instintos. É como se num dado momento tudo fizesse sentido, como se a vida fosse vivida em partes disconexas, e de repente tudo se encaixasse como num quebra-cabeças.
Penso que nós, mulheres, deveríamos estimular mais nosso diálogo com nós mesmas, e essa é uma luta eterna! Somente quando conseguimos nos entender plenamente e nos libertar sexual e moralmente – se é que um dia conseguimos mesmo tudo isso – é que somos capazes de compreender nossa história e algumas ações do passado, que – equivocadas ou não – foram as responsáveis pelo que nos tornamos hoje.
E falando em estimular o diálogo, preciso de ajuda pra solucionar uma questão que me intriga há tempos. Por que quando perguntadas sobre a descoberta de sua bissexualidade, a maioria das meninas contam sobre sua primeira experiência homo, em vez de salientar o momento em que perceberam sua atração pelos dois gêneros? Entendo que seja mais comum começar a vida sexual como hétero, e depois perceber seu desejo por mulheres. Mas, então, o que diferencia a descoberta lésbica das bis? Em que momento percebemos que nossa orientação está voltada para um ou para ambos os gêneros?
Se você consegue responder essas perguntas e quiser me ajudar a entender um pouco mais sobre essa descoberta bissexual, me escreve (marcelamattos@gmail.com) contando um pouco da sua história. E continuamos falando sobre isso no próximo texto, ok? Até lá!