No Dia da Visibilidade Lésbica resolvi retomar minha coluna com a segunda parte do artigo “A Aids e as Lésbicas”, mas também para abraçar todas nós que, apesar de vivermos numa sociedade machista, heterossexista e androcêntrica, nos faz vitoriosas e guerreiras!
Retornei da XVII Conferência Internacional sobre Aids no México há quinze dias e neste período, após desarrumar as malas, matar as saudades da minha companheira e de casa, fiquei pensando nas coisas que escutei por lá e no meu compromisso com as respostas.
Na Conferência pouco ou quase nada se falou sobre Aids e lésbicas, me parece que este é um assunto de pouco interesse para os ativistas que estão na luta contra o HIV/Aids. Claro que isso tem certo sentido, afinal, não aparecemos nas estatísticas oficiais.
Por hora, cabe relatar que a única sessão que teve uma lésbica na Conferência foi a que falava sobre o HIV e a violência contra as mulheres. Na mesa havia ativistas que atuavam nos quatro cantos do mundo. A lésbica veio da África, de Zimbábue, e a coordenadora da mesa logo de cara já ressaltou sua coragem em trabalhar com esta população.
Patiente – esse era o nome dela – nos contava que seu trabalho no Zimbábue se dá não só com as lésbicas, mas também com mulheres bissexuais e transexuais e que lá essas mulheres lutam para viver, visto que há um grande índice de mulheres espancadas, assassinadas e violentadas pelo fato de serem lésbicas – muitas delas, inclusive, contraíram o vírus HIV.
Patiente falou também que naquele país, ser lésbica é sinônimo de ser “marcada para a morte”. O que nos aproxima, então, do Zimbábue?
Você deve estar pensando: “Pera lá, Irina, aqui no Brasil é difícil, nossos pais não aceitam, mas aqui nós não somos marcadas para morrer!” Foi o que também pensei num primeiro momento.
Mas ao retornar a um passado nem tão distante, encontrei nos arquivos do CFL – Coletivo de Feministas Lésbicas um trabalho que foi feito por Marisa Fernandes. Trata-se de um dossiê sobre assassinatos de lésbicas no Brasil, e detalhe: isso ocorreu há menos de 20 anos. Se analisarmos os arquivos do GGB – Grupo Gay da Bahia poderemos observar que ser lésbica em Anápolis, Goiás, é ser “marcada para morrer”, dado o alto número de assassinatos que já aconteceram nessa cidade.
E hoje, Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, me lembrei que a data não surgiu para comemorarmos, mas sim para darmos vozes a todas nós mulheres lésbicas contra a violência, contra a falta de políticas públicas, contra o Estado que insiste em não nos ver, contra a sociedade que quer normatizar nossa sexualidade. Por isso, por hoje, pelas lésbicas de Zimbábue, pelas nossas companheiras que foram assassinadas no Brasil, não se cale, grite, denuncie, viva e seja feliz.
Mas, voltando ao meu tema principal, as palavras de Patiente me fizeram refletir que nós lésbicas somos vulneráveis ao HIV por uma série de razões, que não necessariamente estão exclusivamente ligadas às nossas práticas sexuais.
Importante frisar que há um número significativo de lésbicas com vaginoses (desequilíbrio da flora vaginal) – alguns estudos nos remetem há algo em torno de 33% – e isso é porta de entrada a várias outras DSTs. Alguns outros estudos americanos, ao investigarem as floras vaginais das companheiras lésbicas, encontraram as mesmas bactérias, o que leva a crer que a excessiva troca de secreções durante as relações sexuais entre mulheres é um importante fator de risco às doenças sexualmente transmissíveis.
Nós lésbicas somos vulneráveis ao HIV por diversos fatores, pelo uso de drogas, em relações não consensuais, vítimas de violência sexual, como trabalhadoras do sexo, em relações eventuais com homens, enfim, há várias maneiras e por isso é preciso desmistificar o fato de que nossa lesbiandade é fator de proteção ao HIV e de que somente essa nossa condição nos tornará imunes ao vírus.
Portanto, lésbicas são sim vulneráveis ao HIV. Cuide-se e até a próxima!
* Irina é ativista e consultora do Programa Nacional de DST/Aids para o Projeto Chegou a Hora de Cuidar da Saúde para mulheres Lésbicas, Bissexuais e outras mulheres que fazem sexo com mulheres.