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Livro aborda homossexualidade na TV brasileira; Leia entrevista

O selo Edições GLS está lançando o livro "A TV no armário – A identidade gay nos programas e telejornais brasileiros" (134 p., R$ 31,90), escrito pelo jornalista Irineu Ramos, membro do Centro de Estudos e Pesquisa em Comportamento e Sexualidade (CEPCoS), organização não governamental ligada às questões de gênero e sexo.

Desde 2003, Ramos vem se especializando na análise sobre mídia, gênero e sexualidade. O interesse pelo assunto surgiu ainda quando o jornalista era estudante de mestrado – sua dissertação focou na cobertura pela imprensa da 11ª Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, em 2007.

Em seu livro de estreia, o jornalista mergulha na programação das emissoras para mostrar que a TV e os jornais ainda se equivocam na abordagem da diversidade sexual. Ramos faz também um breve histórico do movimento homossexual no mundo, além de examinar a representação dos gays nos programas humorísticos brasileiros.

Nesta entrevista ao site A Capa, Irineu Ramos ressalta a visão preconceituosa da mídia em relação aos homossexuais e profetiza sobre o seu futuro: "Em algum momento a TV brasileira vai atingir uma plenitude em relação aos gêneros e identidades sexuais."

Como surgiu a ideia de escrever sobre TV e homossexualidade?
Como jornalista e historiador, sempre me preocupei com a forma com que as minorias eram interpretadas pelos meios de comunicação. Me refiro a minorias no sentido amplo e não apenas as sexuais. Me preocupava como o negro era retratado na mídia, o idoso, a criança, o obeso, enfim, seres humanos que não estavam enquadrados no padrão hegemônico da sociedade e, por isso, interpretados de uma forma um pouco distante do real.

Já com relação ao tratamento dados às minorias sexuais e de gêneros, me incomodava ver como as reportagens restringiam as pessoas à sua orientação sexual. O indivíduo não é feito apenas de sexo. Valores como caráter, dignidade, honestidade e muitos outros eram deixados de lado quando se tratavam de gays. Isso me fez pesquisar a origem desta visão preconceituosa nos meios de comunicação, a TV em especial, o que resultou na edição de A TV Sai do Armário.

Quais pontos da sua pesquisa você pode destacar?
Um dos principais pontos da minha pesquisa mostra que a dificuldade de focar a identidade gay em matérias jornalísticas é tanta que para ser editada uma reportagem busca-se sempre um contraponto confortável e socialmente aceito. Então, por exemplo, durante a Parada Gay de São Paulo, as reportagens cujo tema envolvia os gays eram, na verdade, sobre economia (aumento nas vendas no varejo com a chegada dos turistas); turismo (lotação dos hotéis); lazer (boates lotadas) e praticamente nada sobre questão da homossexualidade. Por outro lado, mostro que há jornalistas empenhados em garantir o espaço das minorias sexuais longe do glamour do mundo fashion que outros teimam em retratar.

Qual é a sua avaliação da TV brasileira em relação à abordagem de temas gays?
Em minha pesquisa pude constatar que os meios de comunicação – a TV em especial – têm uma grande dificuldade para retratar a temática gay. E isso decorre do fato das redações verem a identidade gay de forma ainda caricata e pouco respeitosa. Tratar de forma equivocada as diferenças sexuais atinge não somente o próprio gay. Atinge pais e irmãos de gays e vai além: afeta as novas famílias, hoje compostas de duas mães ou de dois pais, numa cadeia social imensa. Essa dimensão numérica das partes envolvidas ainda não chegou no coração das redações.

Houve, no entanto, algum tipo de abertura para a discussão desse assunto?
Sim, houve sim. Destaco principalmente a atuação do jornalista Caco Barcellos, da Rede Globo de Televisão, e sua equipe no quadro Profissão Repórter, quando ainda fazia parte do Fantástico. O Caco é um exemplo de profissional a ser seguido. Na área da propaganda, destaco a campanha da pomada Nebacetin, que incluiu um casal composto por dois pais numa propaganda que falava das novas famílias. Tanto a agência que a criou quanto o cliente estão de parabéns.

Você também analisou os programas humorísticos. Que relação você faz entre preconceito e humor?
O preconceito nos programas humorísticos está diretamente ligado aos estereótipos. Então, nesse tipo de programação, o estereótipo do gay é daquele personagem que tem piti o tempo todo; que não pode ver um homem másculo sem associá-lo à virilidade; que deve ser obrigatoriamente afeminado (o que numa análise mais ampla acaba sendo uma discriminação à mulher); que tem uma inteligência limitada e uma malícia aguçada. Já quando o foco é a lésbica, está sempre associada a uma figura masculinizada, bruta e de pouca higiene.

Usar do deboche contra os diferentes como forma de humor é bastante comum na nossa programação televisiva. Só que ninguém ainda parou para perguntar para os debochados o que eles acham disso? E o que eles pensam daqueles que o debocham? Às vezes convém às programações colocarem-se no lugar do outro para sentir o que ser objeto desse tipo de quadro humorístico. Nossos profissionais de criação têm talento suficiente para inserir mais inteligência nos quadros humorísticos ao invés de alimentar a sociedade com mais preconceito.

Outra análise que você faz em seu livro é sobre a cobertura dos jornais durante a Parada Gay de SP. O que você descobriu?
Como disse, os telejornais têm dificuldade de abordar o tema gay e insegurança em elaborar pautas e concluir as edições envolvendo este assunto. Para não ousar, preferem se restringir ao universo das visões heterocentradas quando enfocam as diferenças sexuais. Ou seja, criam uma zona de conforto que não contribui em nada com a diversidade sexual.

Recentemente, um dos programas de maior audiência da televisão brasileira, o Big Brother, contou com a participação de 3 homossexuais assumidos. O reality, no entanto, lidera o ranking da baixaria na TV. Qual é a sua avaliação?
Eu creio que a concepção do BBB 10 foi uma ideia genial que descambou para uma prática desastrosa. Uma lésbica e dois gays assumidos juntos, num mesmo ambiente, acabaram sendo demais para a audiência e para os produtores que não sabiam o que fazer com eles. Tanto que, apesar de assumidos, nenhum deles pode manifestar seus desejos. Você por acaso viu algum deles falar de afeto ou trocar afeto? Para os gays isso não é permitido. Já para os ditos heterossexuais da casa não faltaram ocasiões para o afeto, carinho e… sabe-se lá, sexo! Incluir os gays e a lésbica nesta edição serviu para diminuir a pressão dos grupos gays organizados que pediam visibilidade na telinha. Mas durante os 3 meses de duração, o programa mostrou que os gays não têm direito ao afeto e, em muitas ocasiões, ao respeito. No BBB 10 os gays entraram solitários e saíram na solidão.

É possível fazer um ranking dos programas que melhor abordam o tema da homossexualidade? E daqueles que o público deveria ignorar?
Ranquear uma programação é estar prisioneiro de um conceito cartesiano de ver a mídia e essa, talvez, seja uma forma de discriminação. Então, prefiro devolver para o leitor essa responsabilidade sugerindo um critério básico na hora de assistir a programação na TV: desconfie dos programas que os faz rir compulsivamente. De um modo geral, o riso é construído com a desqualificação do outro. E se você fosse esse outro?

Antes de apoiar opiniões de entrevistados que se baseiam em valores morais e religiosos, vá além e pense em questões éticas. Valores morais e religiosos só servem para aprisionar as pessoas e separá-las. Valores éticos respeitam o próximo. Pense nisso.

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