A abertura para discussão de assuntos ligados à comunidade LGBT é sempre bem-vinda, e esperamos que cada vez mais livros, filmes, novelas, peças de teatro e afins possam jogar novas luzes sobre temas conectados. Mas isso não quer dizer que tais obras não passarão por uma análise ou estarão isentas de críticas, correndo o risco de se mostrarem pífias.
"Por que toda mulher precisa de um gay em sua vida", livro escrito por Andrea Franco, é um desses exemplos. De cara, a premissa mostra-se frágil: qual a função de se analisar a existência das chamadas "amigas de gay", e suas relações com os gays? Essa é uma realidade já conferida anteriormente em outras situações, e que já envelheceu, deixando de ser um "fenômeno" social. Renderia no máximo uma reportagem, não um livro.
E de fato não rendeu. A autora inicia a obra expondo o assunto, apresentando as personagens – as mulheres heterossexuais e seus amigos gays – e descrevendo algumas evidências da suposta força dessa amizade. Em cerca de cinco páginas, o assunto está esgotado, e a partir daí o livro vai martelando as mesmas questões ao longo de quase 150 páginas, repetindo as mesmas ideias – equivocadas, aliás -, repletas de clichês e conclusões estereotipadas.
Estereótipos, inclusive, abundam no livro. Segundo a autora, todas as mulheres heterossexuais são iguais – ela descreve tal imagem inúmeras vezes -, todos os homens heterossexuais são iguais – também descritos várias vezes – e por fim, todos os gays masculinos são idênticos: bonitos, modernos, fashion, alegres ( nunca ficam tristes, ela diz), têm bom gosto para moda, sabem tudo sobre sexo, são excelentes conselheiros sentimentais, aceitam qualquer convite para sair, são animadíssimos sem pausa, e por aí vai – uma série assustadora de chavões e idealizações velhérrimas sobre o que é um gay.
Infelizmente, parece que a autora reduziu tais personagens a "exemplares" dignos de observação em um laboratório. Em nenhum momento ela considera a existência de um gay masculino que não entenda de moda e que passe por momentos de insegurança, para ficar em apenas dois exemplos. A imagem equivocada apresentada é tão disforme que chega a passar a ideia de que todos os gays masculinos são "seres iluminados", simplesmente porque enfrentaram opressões da sociedade, venceram, e agora sabem e sentem mais do que outros mortais.
Dessa forma, na tentativa de mostrar uma visão moderna sobre os gays e suas amigas, o livro acaba reforçando preconceitos e estereótipos milenares relacionados ao mundo gay. E até mesmo os depoimentos dos entrevistados – com raras exceções – surgem equivocados, transmitindo ideias também limitadas e absurdas, desconsiderando a pluralidade de pessoas e situações que existem no mundo.
O próprio título já mostra tal erro: quem disse que "toda mulher precisa de um gay em sua vida"? Tal afirmação é impositiva e reduz a força das mulheres, pressupondo que se não tiverem um amigo gay, estarão perdidas e sem rumo, e não terão sucesso em seus relacionamentos com namorados e maridos, já que dependem dos amigos gays para orientá-las. Por mais absurdo que pareça, essa é a mensagem do livro.
Enfim, ao término da obra fica a conclusão óbvia que já se anunciava desde as primeiras páginas: partiu-se do nada e chegou-se a lugar nenhum. Não ajuda a diminuir a questão do preconceito e da intolerância contra os gays – pelo contrário -, e não funciona como análise antropológica de nenhum grupo social. Nada se salvou. Esperamos que obras melhores venham por aí.
Serviço:
Por que toda mulher precisa de um gay em sua vida
De Andrea Franco
152 páginas
Editora Matrix
Preço: R$ 28