Para encerrarmos com chave de ouro a série de entrevistas sobre a Caminhada Lésbica, conversamos com Lurdinha Rodrigues, representante da Liga Brasileira de Lésbicas e personagem fundamental na organização da manifestação deste ano.
Lurdinha nos conta um pouco sobre como tudo começou, sobre as dificuldades de se organizar um evento desta proporção e, claro, a respeito da importância da Caminhada na conquista de direitos e visibilidade.
Confira a entrevista exclusiva:
Dykerama.com – Conte um pouco da história da Caminhada. Quando ela começou e por que é separada da Parada do Orgulho GLBT?
Lurdinha Rodrigues: A primeira caminhada a gente nunca esquece!
Em 2003, enquanto organizávamos o V SENALE – Seminário Nacional de Lésbicas, em São Paulo, o Grupo Umas e Outras trocava e-mails em sua lista sobre a I Marcha Lésbica que acontecia no México. Algumas meninas tiveram a brilhante idéia de tentar reproduzir algo do tipo aqui em SP, levando em conta que a visibilidade lésbica era muito pequena na Parada LGBT. E foi assim, de forma espontânea, criativa e muito participativa que surgiu a idéia de realizar a I Caminhada de Lésbicas e Bissexuais de SP. Registro aqui a contribuição de mulheres como Laura Bacellar e Valéria Melki, que deram uma contribuição fantástica tanto para a criação do Grupo Umas e Outras quanto para a idéia e realização da I Caminhada em São Paulo.
A idéia deu certo, as mulheres gostaram e pediram mais. Tanto que estamos na 6ª versão da Caminhada Lésbica e a cada ano a participação contagia mais. Hoje já se organizam caminhadas e marchas lésbicas em diversas capitais, como Brasília, Porto Alegre, Belo Horizonte e muitas outras. O objetivo é quebrar a invisibilidade de mulheres lésbicas e bissexuais na sociedade, no movimento e na própria Parada LGBT. Afirmamos nossa diferença para exigir a igualdade de direitos.
Dykerama.com – Como é a organização da Caminhada? Quem organiza? Quais são as maiores dificuldades?
Lurdinha: Até 2005, o Grupo Umas e Outras, do qual participava, em parceria com o MOLECA-Movimento de Lésbicas de Campinas, era responsável pela organização da Caminhada. A partir de 2006, sua realização foi oferecida para a LBL-Liga Brasileira de Lésbicas.
Em 2007, decidimos fazer uma caminhada com autonomia e parceria com o movimento social, especialmente o movimento feminista. Deu certo! Foi evento contagiante, de afirmação do direito de ser lésbica.
Este ano, o movimento fala por si só. O interesse das meninas é crescente e estamos todas no maior tesão, digo tensão. A expectativa é maravilhosa. Um dado interessante é que as reuniões tem tido em torno de 20 participantes, coisa não muito comum em organização das caminhadas. São jovens, feministas, aguerridas, super alegres e despojadas. E acima de tudo, solidárias.
Penso que uma dificuldade é a falta de recursos, mas com o engajamento de parceiros como o CRP-SP, o Sindicato dos Enfermeiros, a CADS, as Católicas-CDD, a própria Associação da Parada, e o site Dykerama que tem dado um apoio imenso na divulgação. Esta falta de recursos temos superado dia-a-dia, com o apoio na confecção dos materiais, com os inúmeros pedidos para ajudar na divulgação, com o trabalho militante de dezenas de meninas. A LBL é responsável pela realização, mas conta com a colaboração de grupos e mulheres lésbicas na organização. Temos tido a presença de integrantes das bandas, cantora, e da fuzarca feminista, além de colaboradoras interessadas em dar sua contribuição para que este evento seja um sucesso de visibilidade lésbica.
Dykerama.com – “Ser lésbica é um direito. Nem Igreja, nem Mercado, nosso corpo nos pertence. Por um Estado laico de fato!”. Qual a importância deste tema? É proposital o alinhamento com o tema da Parada deste ano?
Lurdinha: Este tema reflete a situação que as mulheres em geral e as lésbicas em particular tem enfrentado no cotidiano de suas vidas. Tanto o mercado, quanto as igrejas tentam controlar e dirigir o nosso corpo, nossa sexualidade. O capitalismo vive da mercadoria, e tentam transformar o nosso corpo em produtos cujos valores são determinados pelo mundo masculino e machista; bem como as igrejas vivem dos dogmas, da moralidade a custa do controle da vida e da sexualidade das mulheres. Nunca se investiu tanto contra a autonomia das mulheres sobre seu corpo. As estratégias das igrejas, especialmente da igreja católica tem sido nesta direção e a isto dizemos NÃO.
Por isto afirmamos a defesa do Estado Laico de fato, onde os governos garantam políticas públicas considerando todas as pessoas sem discriminação por sexo, orientação sexual, raça, religião.
Desde o ano passado decidimos relacionar o tema da caminhada ao tema da parada. Nossa proposta é romper com a invisibilidade, mas ressaltando a necessidade de ações conjuntas contra a discriminação que sofremos – lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.
Dykerama.com – Você acredita que lésbicas e bissexuais tem a mesma visibilidade dos gays masculinos? Se não, qual é diferença, e por que?
Lurdinha: Antes de ser gay, ele é visto como menino e, portanto, conviveu com a educação sexista em que meninos são educados para a sociabilidade, para o publico, a inserção nos espaços de poder, entre outras coisas. Enquanto as meninas são educadas em nossa sociedade para a submissão, os espaços domésticos e principalmente para servir ao homem, constituir família, para a procriação.
Portanto, ser homem ou mulher, seja heterossexual, gay ou lésbica faz toda a diferença nesta sociedade machista. Não por acaso, os grupos organizados de lésbicas surgem no interior do movimento feminista e este vem se constituindo como um importante parceiro das Caminhadas Lésbicas. As bandeiras feministas tem tido cada vez mais presença nas caminhadas e no movimento lésbico e por outro lado as reivindicações lésbicas estão presentes nas manifestações do 8 de março e nas atividades do movimento feminista.
Dykerama.com – Por que é importante as meninas comparecerem à Caminhada?
Lurdinha: É um momento único das lésbicas na rua, todas as tribos, idades, cores, sabores. Venha provar, acho que vão gostar.
Dykerama.com – O que podemos esperar da Caminhada deste ano?
Lurdinha: Tudo indica que será um momento de celebração da diversidade, da lesbianidade, do direito ao amor, livre de preconceitos. Teremos momentos políticos e também de festa, música, dança, encontros, tambores, risos, beijos e muita alegria. Cheguem junto, venha celebrar o amor e a diversidade.