Elas são mães e lésbicas e enfrentam duplo preconceito por exporem suas famílias à sociedade. Com muita coragem e otimismo, essas “super mães” deixaram para trás o conforto de viverem no armário para assumir de uma vez por todas seus relacionamentos ao lado de quem amam.
Foi o que aconteceu com a professora Alice Cavalcanti, 50, que têm três filhos: Rafael, 28, Miguel, 25, e Mariana, 23. Os três são filhos naturais de Alice, que manteve um relacionamento heterossexual por muitos anos. Mas o casamento se desfez e a professora resolveu apostar em uma nova realidade.
“Depois da separação me apaixonei pela minha atual companheira, com a qual já vivo há 10 anos. Para mim foi uma total surpresa! Jamais imaginaria que um dia me interessaria por alguma mulher”, conta Alice.
Fato superado, chegara a hora de contar sobre sua relacionamento homossexual aos filhos. “No início, meus filhos a viam como amiga, pois era assim que eu a apresentava. Depois de quatro anos de relacionamento, contei a verdade a eles. Eles disseram que já sabiam, que o pai havia dito isso a eles. Claro, da forma mais pejorativa possível”, relembra.
O que poderia ser um problema para Alice e sua companheira se transformou num grande aprendizado. A professora conta que, hoje, elas são respeitadas como mães de fato, inclusive pelos namorados dos filhos. “Eu sou de receber filhos e namoradas para o tradicional almoço de domingo (como, aliás, farei no Dia das Mães). Se há algum problema da parte deles ou de alguma namorada, eles não me escondem. Aparentemente não há nada de complicado”, diz. “Minha companheira gosta muito de meus filhos e sente-se meio mãe deles”.
Sentindo-se desamparada pelo Estado, como, aliás, muitos casais homossexuais, Alice reclama da falta de reconhecimento legal. “Sentimos falta de uma lei que reconheça nosso relacionamento e garanta nossos direitos. Me preocupo com questões de herança por causa dos meus filhos”, diz.
Diálogo aberto desde cedo
Ana Carla Lemos, 26, secretária e integrante do grupo ativista LUAS, de Recife (PE), é mãe de Gabriela, 6, e Eduarda, 9. Como no caso de Alice, suas duas filhas são provenientes de casamentos heterossexuais.
A secretária conta que a relação com as filhas é tranqüila, até porque sempre fez questão de falar abertamente sobre sua sexualidade. “Minhas filhas sabem que sou lésbica e conhecem minha namorada. Exercer o meu papel de mãe lésbica não interfere de jeito nenhum na criação das minhas filhas, pelo contrário, ajuda. Porque elas conseguem respeitar todas as orientações sexuais e pessoas independente de qualquer coisa”, acredita.
Para Ana Carla, assuntos que envolvem famílias homossexuais são discutidos atualmente com mais naturalidade. “Estamos evoluindo cada vez mais, então esses assuntos precisam estar presentes dentro das famílias e em todos os ambientes de formação”, defende. “Quando conversei com minhas filhas sobre minha orientação sexual, a princípio elas tiveram um ar de rejeição e queriam que eu voltasse a namorar com homens. Foi um processo de muito aprendizado, porque paramos inúmeras vezes para conversar sobre os assuntos, ler revista, ver vídeos… Não demorou muito tempo para que elas se sentissem à vontade para aceitar e também para afirmar para as pessoas que eu sou lésbica”, conta.
Essa maneira franca e aberta de dialogar com as próprias filhas reflete na postura de Eduarda, como mostra o poema que a menina escreveu:
“O amor da minha mãe
O amor da minha mãe é assim:
É sincero
Rosto singelo
Rosto amoroso
Rosto de mãe.
Eu amo a minha mãe do jeito que ela é
Se ela é lésbica, a amo e sei que ela me adora, mesmo namorando com outra mulher, não tenho preconceitos por LGBT.”
Mãe de coração
Após dois anos de relacionamento, a empresária carioca Hedi Oliveira, 61, resolveu adotar junto com sua companheira três crianças: Rafael, 18, Deborah, 18, e José Marcos, 17.
Tudo aconteceu da forma mais inesperada possível. “Um dia minha companheira me perguntou: ‘Amor, vamos adotar uma filha?’ Eu fiquei engasgada de emoção, pois era meu grande sonho ser mãe”, conta.
O primeiro a chegar foi Rafael. “Ele tinha sete meses quando entrou em nossas vidas e tudo mudou. Um dia, estava com ele nos braços, dando de mamar, e comecei a sentir algo diferente, olhando aquele rostinho tão miudinho e aqueles olhinhos negros me fitando. Comecei a sentir uma coisa por dentro. Algo tão novo, tão profundo, tão absolutamente diferente de tudo que sentia até então. Eu acabara de tocar num sentimento que as pessoas chamam de amor maternal”, reconhece, emocionada.
Durante oito meses Hedi e a companheira cuidaram de Rafael protegendo-o de todas as formas, pois ele estava muito doente. “Os médicos diziam que não nos apegássemos a ele. E hoje Rafael é um lindo homem, com quase dois metros de altura e tem 18 anos! É ele quem administra nossa fazenda e estuda à noite.”
Mais tarde, Hedi conheceu Deborah e José Marcos em um orfanato. “Passamos a visitar Deborah num orfanato todos os dias. E neste período, deu entrada neste orfanato um menininho que tinha também três anos e só chorava. Não brincava. Olhava para o nada e chorava tão doído que estava. Resultado: não veio só uma irmãzinha para Rafael, veio também um irmãozinho chamado José Marcos. Assim em 3 anos constituímos nossa família de amor”, relembra.
Hoje solteira – a companheira de Hedi morreu num acidente de carro – a empresária diz que nunca sentiu qualquer dificuldade por ser mãe e lésbica. “Nunca sofremos qualquer tipo de discriminação pelo fato de nossas crianças terem duas mães e nem tampouco meus filhos sofreram discriminação por terem mães lésbicas. Minha forma de mostrar ao mundo que uma família homoafetiva é feita de amor é mostrando nossa relação.”
Rafael e Deborah são registrados como filhos da companheira de Hedi e José Marcos em nome dela. “Fizemos testamento uma para a outra e legalmente sou considerada tutora de Rafael e Deborah”, explica Hedi.
Alice, Ana Carla e Hedi são mães a toda prova e mostram que o amor não encontra barreiras para existir.
“Meus filhos são meu tesouro e eles sabem disso. São meus companheiros de vida, são aqueles que me cuidam com carinho e ternamente. Assim, eu digo a eles: Filhos, obrigado por vocês fazerem de minha vida o que ela é. Obrigada por vocês terem me feito tocar em algo tão belo dentro de mim: o amor maternal” – Hedi Oliveira
“Sempre os ensinei a respeitar as diferenças entre as pessoas, as diferenças de opiniões e isso para mim é uma benção. Acredito que o importante nas relações humanas é o respeito em primeiro lugar e (onde cabe e do jeito que cabe) o amor” – Alice Cavalcanti
“Quero que minhas filhas cresçam e continuem sendo as pessoas lindas e amigas que são, e o melhor de tudo, sem nenhum preconceito” – Ana Carla Lemos