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Márcio Retamero: A violência simbólica do fundamentalismo religioso

Violência simbólica é um conceito do grande sociólogo francês Pierre Bourdieu. O conceito descreve os mecanismos de opressão entre dominadores e dominados, os primeiros impondo seus valores e culturas sobre os segundos. Para Bourdieu, "a violência simbólica expressa-se na imposição ‘legítima’ e dissimulada, com a interiorização da cultura dominante, reproduzindo as relações do mundo do trabalho. O dominado não se opõe ao seu opressor, já que não se percebe como vítima desse processo: ao contrário, o oprimido considera a situação natural e inevitável" (Nadime L’Apiccirella). "A manutenção do sistema simbólico de uma sociedade é vital para a sua perpetuação", afirma o sociólogo.

O conceito bourdieuano não me sai da cabeça desde que li os comentários dos leitores desta coluna na sua última edição. É impressionante como os dominados incorporam, sustém e reproduzem o discurso e as práticas dos dominados que os fazem sofrer! A chamada homofobia internalizada – precisamos refinar mais e escrever mais sobre este conceito – nasce desta violência simbólica e é imperceptível ao reprodutor da homofobia, pois é considerada por este como "natural e inevitável".

Para Bourdieu, as instituições sociais são as grandes perpetuadoras destes mecanismos de opressão, a igreja é um deles. É necessário que o povo LGBT, para romper de vez as algemas que ainda os escraviza, pense mais sobre tais estruturas de dominação e os mecanismos usados por elas com o único objetivo de manter "tudo como sempre foi". É a visão do dominador que deseja, para seu próprio benefício em detrimento e prejuízo para os demais – principalmente as chamadas minorias (negros, judeus, ciganos, deficientes, LGBT) manter "tudo como está".

Nós precisamos enxergar o quanto mal causa às pessoas LGBT o discurso religioso de tipo fundamentalista, ao invés de garantir a reprodução do tal discurso – verdadeiro grilhão – na vida de milhares de pessoas, inclusive, nas nossas.

Um leitor que usa o codinome "Boydog" me pergunta: "Você do cimo do seu púlpito aceitaria restrições?" Outro, chamado Rubens, se sentiu "injuriado" pelas minhas palavras! Rosseau escreveu: "O homem pensa que é livre, mas por toda parte está acorrentado!"

Nós não podemos garantir o discurso da liberdade religiosa e da liberdade de expressão, se isso significa garantir a eles o direito de violentar verbalmente as pessoas LGBT, como eu mesmo demonstrei através de comentários de tipo fundamentalista numa matéria que tratava do assassinato de uma travesti. A liberdade religiosa e a liberdade de expressão numa democracia de fato não é, e jamais será, uma carta branca ao opressor para, através do discurso, violentar o oprimido. Liberdade sem responsabilidade é anomia, não liberdade! Assim sendo, é preciso sim e urgente, mecanismos legais que coíbam o discurso violento seja ele laico (como os discursos dos "carecas", envenenado pelo discurso religioso), seja ele religioso (como o dos padres e pastores fundamentalista como Malafaia).

Pierre Bourdieu afirma: "É enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e de conhecimento que os ‘sistemas simbólicos’ cumprem a sua função política de instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação, que contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre a outra (violência simbólica) dando o reforço da sua própria força às relações de força que as fundamentam e contribuindo assim, segundo a expressão de Weber, para a ‘domesticação dos dominados’".

Não pense você que um adolescente gay não sofre consequências gravíssimas – seja psicológica ou física – depois que seus pais saem do culto dominical após terem ouvido por horas um pastor berrando que "homossexualismo é coisa do diabo, um pecado contra o Criador!" Não pense você que uma menina lésbica não sofre graves consequências depois de sua mãe ouvir pela TV ou rádio o discurso de um pastor que diz que homossexualismo (sic) é encosto de demônios.

Não pense você que famílias não são quebradas por tal discurso. Na verdade, tal discurso leva ao suicídio de centenas de pessoas LGBT e outras milhares são expulsos de seus lares e privadas do afeto de seus familiares por conta de tal discurso. Posso entrevistar milhares de pessoas aqui que passaram e ainda passam por um verdadeiro "vale da sombra da morte", justamente por conta da violência simbólica do fundamentalismo religioso!

Sei que sair da caverna é doloroso e que a alteridade é um processo complexo e difícil, contudo, nós, LGBT do Brasil, precisamos, "pra ontem", abrirmos nossos olhos para enxergar o que ocorre com o nosso povo de norte a sul deste imenso país! A omissão, bem como o silêncio conivente, suja nossas mãos com o sangue do nosso semelhante que sucumbe, vítima deste discurso opressor que o adendo redigido pela senadora Marta ao PLC 122, quer garantir.

A fé que professo me faz dizer e agir: "sei que eu não sou livre, enquanto uma pessoa permanecer escrava". Por fim, viva o nosso Supremo Tribunal Federal! 10 x 0 foi emoção demais da conta! Graças ao saber construído, às luzes do conhecimento que liberta, a fome e a sede de justiça somos mais cidadãos hoje que ontem. Viva o Estado laico!

* Márcio Retamero, 37 anos, é teólogo e historiador, mestre em História Moderna pela UFF/Niterói. É pastor da Comunidade Betel/ICM RJ e da Igreja Presbiteriana da Praia de Botafogo. É autor de "O Banquete dos Excluídos" e "Pode a Bíblia Incluir?", ambos publicados pela Editora Metanoia. E-mail: marcio.retamero@gmail.com.

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