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Márcio Retamero: Chore por nós, Argentina!

Algo que deveria ser simples, o reconhecimento de direitos iguais para todos os cidadãos de um país democrático, cujo Estado é laico, tem provocado uma verdadeira guerra no Brasil, de ideias, claro.

Desde os meados dos anos 90, debatemos publicamente em nosso país a "união civil" entre pessoas do mesmo sexo. Há quinze anos, para ser mais exato, com o Projeto de Lei defendido por Marta Suplicy, iniciamos a questão – que é muito séria – em nossas terras. Desde 1995 nada mudou em relação à união entre pessoas do mesmo sexo no Brasil, pelo contrário, hoje em dia temos Projetos de Lei tramitando no Congresso Nacional que cerceia, ao invés de ampliar, os direitos civis das pessoas homoafetivas, como por exemplo, a PLC 7018, que tem por objetivo proibir a adoção de crianças e adolescentes por homossexuais.

Outro Projeto de Lei, menina dos olhos da militância LGBT, desde que foi eleita como bandeira principal do movimento, a PLC 122 até agora não anda, simplesmente emperrou, mesmo tendo passado por profundas modificações no texto original, visando a aprovação por parte da Frente Parlamentar Evangélica (FPE). O Pastor Silas Malafaia, o arauto dos evangélicos fundamentalistas homofóbicos, foi ao Congresso Nacional vociferar, como costuma fazer em seu programa diário, contra a PLC, chegando a ameaçar os candidatos que advogam as causas LGBT com o 25% do eleitorado evangélico. Não foi que deu certo?

Os três principais presidenciáveis – José Serra, Marina Silva e Dilma Rousseff – estão comendo na mão do eleitorado evangélico fundamentalista. Dilma Rousseff chegou ao ponto de firmar uma concordata com o Pastor Manoel Ferreira, líder de cinco milhões de fiéis das Assembleias de Deus (Ministério Madureira) que será a ponte entre a candidata e este eleitorado. Dilma rifou a união civil LGBT – dentre outras causas – dando sua palavra: se eleita, não tomará iniciativa junto ao Legislativo nas questões "caras" ao eleitorado fundamentalista, ou seja, não esperemos da futura presidente (?) nenhuma ação neste sentido!

Aliás, até agora não saiu da boca dos líderes do movimento LGBT brasileiro – cuja grande maioria é PT e apoia a candidata do governo – nem uma só palavra pública a respeito do assunto, nem mesmo uma crítica passageira, mesmo que de leve, o que demonstra quão turvas são as águas nas quais nadamos. Podemos dizer que o mesmo governo do Projeto Brasil sem Homofobia é o que rifou no balcão da negociata com um dos líderes fundamentalistas evangélicos, o povo LGBT. Eu desejo que o povo LGBT não se esqueça disso e que pressionem nossos líderes do movimento LGBT a tomarem posição clara e inequívoca no atual cenário, sob pena de perderem legitimidade junto ao povo que dizem tanto representar.

O silêncio dos líderes do movimento LGBT que apoiam Dilma Rousseff e que se alinham ao PT – penso eu – é fruto de oito anos de financiamento do movimento LGBT pelo governo Lula. O dinheiro investido que financia tantas causas nobres, como a questão da violência homofóbica, os projetos de prevenção contra o HIV/AIDS, o estabelecimento dos Centros de Referência para a população LGBT, o investimento financeiro das Paradas do Orgulho, culminando com a primeira conferência nacional LGBT para debater políticas públicas que distribuiu bolsas de viagem e alimentação para milhares de militantes LGBT; tudo isso, enfim, que de bom temos, neste momento é a mordaça do governo PT que cala a maioria dos líderes da militância.

Talvez seja esse o problema que compõe um dos lados dessa moeda que tem sido difícil de explicar – a aprovação do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo na Argentina – pois aqui reside talvez a grande diferença entre um movimento LGBT autônomo e um movimento LGBT financiado por um governo: a instrumentalização deste e sua cooptação, que o torna refém e lhe cala a boca quando o contexto exige exatamente o contrário: que os líderes LGBT gritem e alto, pela igualdade de direitos civis.

Espanha, Portugal e agora Argentina, três países onde o poder da Igreja ainda se faz sentir, principalmente junto às massas, embora a credibilidade da Igreja esteja abalada por conta – amarga ironia – dos escândalos sexuais de pedofilia por parte do clero, aprovaram o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Aqui talvez encontramos a segunda grande diferença entre esses países e o nosso. Explico.

Entre nós, ainda sentimos o poder da Igreja Católica, contudo, desde os fins dos anos 80, cresce vertiginosamente no Brasil, a população evangélica de orientação fundamentalista, chegando a representar hoje 25% do eleitorado brasileiro, dado que nenhum político que visa a presidência do país pode, em sã consciência, ignorar, se quiser vencer e se instalar no Palácio do Planalto.

Por isso hoje estamos assim, vendo e ouvindo os principais presidenciáveis do país, seduzindo-os com promessas de não defender as bandeiras que eles desaprovam. Isso é medo de perder o voto evangélico.

Os representantes deste segmento no Congresso Nacional são aqueles sobre os quais escrevi na última coluna, aqueles que fazem um certo tipo de política que podemos classificar de "política teológica", ou seja, militam politicamente de acordo com suas doutrinas de fé. Como a maioria deles desaprova a orientação homoafetiva, trabalham eficazmente, até o presente momento, contra toda e qualquer reivindicação da população LGBT que visa igualar esta população aos demais cidadãos. Tais políticos conseguem, inclusive, a palavra da líder em intenções de voto para o cargo da presidência da República, de que se eleita, não tomará iniciativas pró-LGBT junto ao Legislativo!

Nossa vizinha Argentina possui um Senado composto por 72 senadores. Desses, 33 votaram à favor da aprovação do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, 27 contra e 3 se abstiveram. A presidente Cristina Kirchner, não apenas defendeu publicamente o casamento homoafetivo, como criticou severamente a Igreja Católica, que na época da ditadura naquele país se postou ao lado dos ditadores, refrescando a memória do clero, sempre tão fugidia, que Direitos Humanos não é o forte deles, pelo menos naquele contexto.

O resultado, noticiado pelo mundo, foi a vitória dos Direitos Humanos, da democracia, do Estado Laico. A alteração de apenas uma palavrinha da lei que regulamenta os casamentos civis naquele país transformou-se na "Lei Áurea" de parte da população, que até aquele momento, era escrava maltratada da heteronormatividade. Desde então, os LGBT argentinos podem tanto quanto os heterossexuais argentinos. Isso é, realmente, a concretização do que aqui temos apenas no papel: "todos iguais diante da lei".

Enquanto isso, nas terras de Santa Cruz, muita Parada do Orgulho Gay, muitos Projetos como o Brasil Sem (não seria COM?) Homofobia, muitas conferências LGBT, muita ONG LGBT, muito debate, negociação, projetos e projetos e projetos… e o povo LGBT continua escravo maltratado da heteronormatividade, sempre rifado, sempre moeda de troca no balcão das negociatas e concordatas políticas!

Muitos se perguntam: o que há de errado no nosso país? Muitos perguntam aos quatro ventos: por que a Argentina conseguiu aprovar o casamento homoafetivo, enquanto que nós, brasileiros e brasileiras LGBTs lutamos há 15 anos e não conseguimos sair do lugar? Como que os países da Península Ibérica, tão culturalmente cristã como o Brasil conseguiu aprovar o casamento homoafetivo e nós não? Será o que acontece conosco?

Some as parcelas que aqui elenquei: crescimento exponencial da vertente fundamentalista evangélica, leia-se eleitorado, políticos covardes que para ganharem eleições rifam as bandeiras LGBT no balcão das negociatas com os evangélicos, militância LGBT financiada pelo governo, portanto, instrumentalizada e cooptada, e então você terá a resposta!

Diante desse quadro de trevas e águas turvas, peço: chore por nós, Argentina! Eu junto com vo

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