Fechamos o ano de 2010 comemorando a resolução do INSS que estabelece como norma a concessão de pensão vitalícia por morte de beneficiário aos companheiros e companheiras em relações homoafetivas estáveis (acima de cinco anos). É uma grande conquista dos LGBT do Brasil e fruto do trabalho sistemático do movimento LGBT brasileiro.
Outras vitórias, com muitas lutas, tivemos em vários municípios e estados da nossa federação, como a adoção do nome social das travestis em documentos oficiais na área da educação, além de outras áreas. O Sistema Único de Saúde tem assistido cidadãos transexuais no processo de readequação de gênero com sucesso. Uniões homoafetivas estáveis e o direito a herança foi reconhecido aqui e acolá nos tribunais de Justiça de alguns estados. As Câmaras Municipais aprovaram leis que protegem os cidadãos LGBT da homofobia nos estabelecimentos comerciais e educacionais.
Os Centros de Referência LGBT (como a Cads, em SP) e os sistemas de denúncia contra ações homofóbicas foram implantados em alguns municípios do Brasil. Conselhos LGBT nas variadas esferas políticas foram criados, ONGs que trabalham com Direitos Humanos e pró-LGBT foram inauguradas, e a Receita Federal finalmente adota como norma a declaração do imposto de renda em conjunto para casais homoafetivos. O Rio de Janeiro elegeu o primeiro deputado gay comprometido com a causa LGBT, Jean Wyllys. São vitórias que não podemos desconhecer, tampouco menosprezar. Aos poucos e paulatinamente, avançamos para a finalização do processo de cidadania plena dos LGBT em nossa nação.
Contudo, ainda existe muito chão para caminharmos, muitas lutas para travarmos, ainda muitos inimigos se levantam em diferentes frentes contra o processo democrático de concessão de cidadania plena aos LGBT. Ainda ostentamos, para nossa vergonha, o primeiro lugar no ranking dos países no número de assassinatos de LGBT. O Grupo Gay da Bahia que faz o nobre trabalho de pesquisa sobre tais assassinatos, já contabiliza 250 "homocídios" no ano de 2010!
Em São Paulo, a homofobia mostra sua cara jovem, de classe média e bem alimentada nos ataques homofóbicos que aconteceram na Avenida Paulista. No Rio Grande do Norte, o Arcebispo da região, tenta como os inquisidores de antanho, proibir a Parada do Orgulho da capital. A Frente Parlamentar Evangélica Fundamentalista, a maior inimiga pública da luta LGBT no Brasil, aumentou o número dos seus integrantes, aumentando em muito, as chances da derrota do PLC 122/06 no Congresso Nacional, além de outras leis em trânsito naquela Casa de Leis, que impedem, limitam a garantia de leis pró-LGBT.
O fundamentalismo religioso mostrou sua cara feroz nas faces de pastores como Silas Malafaia, que além de espalhar outdoors provocadores em todo o Brasil, peregrina de programa em programa de TV combatendo o PLC 122 e o processo de cidadania LGBT. Ele não está sozinho, pois são inúmeros os pastores que como ele age de norte a sul deste país. Foi o fundamentalismo religioso local que impediu a reeleição da maior aliada LGBT que já tivemos no Senado, Fátima Cleide, golpeando com dureza nossa luta ali. O mesmo fundamentalismo mostrou força e poder nas eleições presidenciais, cooptando o debate político em torno de temas tabus como o aborto e o "casamento" homoafetivo, levando ambos os candidatos do segundo turno a posições retrógradas e a comprometimentos políticos com os caciques da religião, os chefes da "boiada" evangélica. Jamais o voto evangélico foi tão competido no Brasil.
O fundamentalismo religioso cresce e aparece nas estações de rádio e TV, nos periódicos especializados e nas revistas, demonstrando que são ricos, endinheirados, poderosos e que usam toda a sua riqueza para combater com toda força a luta pelos direitos humanos e LGBT. Jair Bolsonaro, o deputado que tem gritado por aí, é seu mais novo aliado e porta-voz.
Alguém duvida que o fundamentalismo religioso é o pai e a mãe do machismo e da homofobia e como tal tem que ser sistematicamente desconstruído e combatido pelos que lutam a favor dos LGBT?
O Movimento Homossexual Brasileiro e os LGBT do Brasil precisam se unir para este bom combate e traçar estratégias objetivas e claras para o sucesso da empreitada. Não podemos, sob pena de derrota, diminuir nem subestimar o poder de fogo dos fundamentalistas religiosos e esta luta é diária e começa em cada casa brasileira, em cada escola, em cada município.
Não basta combatê-los apenas no nível intelectual, escrevendo artigos e livros. É preciso campanhas populares, visando o esclarecimento da população. É preciso implementar e realizar nas escolas públicas (conheço projetos como "Diversidade na Escola" que ignoram o tema fundamentalismo) políticas que esclareçam nossas crianças e jovens acerca da homossexualidade. É preciso encontrar meios no nosso sistema legal para processar judicialmente os que abusam do direito constitucional da liberdade de expressão que ultrapassa o limite da lei, dentre outras muitas ações cabíveis no contexto.
Se não vencermos o fundamentalismo religioso em voga em nossa nação, corremos o risco de atrasarmos, ainda mais, nossas conquistas, além de não encontrarmos legitimidade e apoio social para as nossas causas. Ignorância se combate com conhecimento. E o conhecimento deve ser democratizado. Empoderar-se não exclui o coração e a mente do senso comum, que deve ser esclarecida, no tocante às questões sociais e políticas.
Desejo a todas e todos leitores desta coluna um feliz natal e um ano novo repleto de realizações, paz, amor e saúde. Muita força e garra! Em 2011, resistir é preciso!
* Márcio Retamero, 36 anos, é teólogo e historiador, mestre em História Moderna pela UFF/Niterói. É pastor da Comunidade Betel/ICM RJ e da Igreja Presbiteriana da Praia de Botafogo. É autor de "O Banquete dos Excluídos" e "Pode a Bíblia Incluir?", ambos publicados pela Editora Metanoia. E-mail: marcio.retamero@gmail.com.