Desde que comecei a escrever esta coluna sobre religião aqui no A Capa, tenho alertado a respeito do fundamentalismo religioso no Brasil, seu conluio com políticos de todas as vertentes, seu assalto ao Estado Laico, seu projeto de poder que avança galopantemente, seu enorme capital político, econômico e simbólico e o crescimento, em progressão geométrica, no Brasil.
Em textos aqui publicados o leitor pode ler sobre o processo histórico deste movimento teocrático, portanto, reacionário e suas implicações sociais e políticas para o Brasil.
Escrevi sobre Teologia e Política e também sobre Teologia Política, um campo de estudo da Teologia e a importância que esta área do conhecimento toma, dia a dia, entre nós, porque nos revela o que é importante além dos fatos que conhecemos, analisando o fenômeno religioso e político mais profundamente.
Desde o primeiro turno venho alertando sobre a aliança nefasta, adoecida e pervertida da ala fundamentalista com o poder político institucional no nosso país e desconstruí os equivocados argumentos dos três candidatos que ocupavam a liderança nas pesquisas de intenções de voto (Dilma, José Serra e Marina), a confusão que eles faziam com os termos "casamento de homossexuais" e "união civil de homossexuais", demonstrando o quão falacioso era essa confusão com o objetivo claro de agradar ambos os lados dessa luta: os LGBT e os evangélicos fundamentalistas.
Estamos agora no segundo turno das eleições presidenciais e temos assistido, perplexos e boquiabertos, o jogo (baixo) político completamente cooptado e instrumentalizado pelo fundamentalismo religioso que tem ditado a agenda de ambos os candidatos: "Deus", ou melhor, "deus", entrou de vez na política brasileira, para a desgraça de muitos e felicidade de poucos.
A questão do aborto e do "casamento" ou "união civil" LGBT ocupou ambos os candidatos, que tomaram posição em relação aos assuntos ditados pela agenda fundamentalista. Jornais, revistas, sites, rádios e canais de TV deram ampla cobertura sobre o debate que tomou conta da nação.
Dilma e José Serra tiveram que compor alianças com os caciques fundamentalistas religiosos. Ela com o Pastor Manoel Ferreira, Magno Malta, Marcelo Crivella e outros. Ele com o maior algoz dos LGBT no Brasil, o pastor Silas Malafaia que tem aparecido em sua propaganda eleitoral gratuita, e até o "Pastor da Toalhinha", Waldomiro Santiago, tem feito aparições na propaganda tucana, dizendo: "Se você crê em mim, vote Serra!"
A campanha tucana vem batendo forte na questão do aborto e nesse embate tem dado golpes bem baixos em Dilma Rousseff, usando de todo tipo de argumento perverso e pervertido para atrapalhar sua candidatura.
A palavra "deus" ficou corriqueira nos discursos e declarações de ambos os candidatos: "deus me abençoou", "orei a deus", "falei com deus", "agradeci a deus"… Fato é que ambos os candidatos se curvaram ao fundamentalismo religioso e com ele fizeram negociatas e pactos. Dilma chegou a escrever a "Carta de Dilma" aos evangélicos, prometendo coisas como "Eleita presidente da República, não tomarei a iniciativa de propor alterações de pontos que tratem da legislação do aborto e de outros temas concernentes à família e à livre expressão de qualquer religião no País", e, "Com relação ao PLC 122, caso aprovado no Senado, onde tramita atualmente, será sancionado em meu futuro governo nos artigos que não violem a liberdade de crença, culto e expressão e demais garantias constitucionais individuais existentes no Brasil."
José Serra tem se manifestado contra o aborto e declarou que "casamento entre homossexuais é questão das igrejas" e embora nada tenha dito sobre a aliança que compôs com Silas Malafaia e Waldomiro Santiago, sabemos bem que nenhum dos dois joga para perder e que ambos têm sonhos faraônicos e sede de poder. Quem sabe um dia eles se tornem o Roberto Marinho da comunicação evangélica fundamentalista com a ajudinha do Planalto?
Eu sei que fundamentalistas religiosos negociam pesado e a troca de favores jamais sai de graça. Eles desconhecem altruísmo e só praticam assistencialismo social. Não tenho dúvidas que ambos os candidatos prometeram bem mais do que declaram aos caciques fundamentalistas que os apoiam neste momento para que haja vitória no segundo turno, já que o apoio deles pode resolver a disputa.
Em relação à questão LGBT, ambos os candidatos se dizem favoráveis a "união civil" LGBT. A Carta que a ABGLT enviou a ambos e que teve ampla divulgação na mídia resolveu, creio eu, essa questão de casamento e união civil. Desde então, sabemos de fonte oficial que o Movimento Homossexual Brasileiro, ao contrário da Argentina, Espanha e Portugal, não pleiteia o casamento civil, como já acontece nesses países, mas tão somente a "união estável" ou "civil", o que para mim é pouco, muito pouco, além de manter LGBT abaixo dos heterossexuais neste direito que deveria ser para todos.
Silas Malafaia em recente vídeo divulgado, no qual ele inicia uma guerra com Edir Macedo por este ter insinuado que ele certamente levará vantagem caso Serra vença, além de tê-lo chamado de falso profeta, declara que OS EVANGÉLICOS SÃO CONTRA AS DUAS COISAS: UNIÃO CIVIL E CASAMENTO.
Fica a dica para a ABGLT: se a luta acontecerá de qualquer maneira, por que, então, não pleiteamos logo o casamento civil LGBT? Por que insistirmos na "união civil", se isto de fato não nos concede direitos iguais, nos mantendo assim, na segunda classe da cidadania brasileira? Em relação ao PLC 122 Dilma declarou em sua carta que vetará os artigos que ferem a "liberdade de crença, culto e expressão". Isso significa: os pastores fiquem calmos, vocês continuarão com a liberdade de chamarem LGBT de drogados, disseminadores de doenças, doentes, comparando-os ao que existe de mais baixo na humanidade como fazem até o presente momento, disseminando a homofobia que mata e faz matar, colaborando para o aumento do número de assassinatos de LGBT, além do número de evasão escolar e dos filhos e filhas expulsos de seus lares por serem LGBT.
José Serra e seu vice, Índio da Costa, já declararam que são contra o PLC 122 no que ele "fere" o sentimento religioso. Eu tenho o direito de duvidar que José Serra se eleito sancione algum artigo do mesmo, uma vez que Silas Malafaia, seu aliado entre os evangélicos fundamentalistas, é contra o PLC 122 por inteiro, bem como a união civil entre iguais.
A Carta que a ABGLT publicou aos dois candidatos relembra a ambos seus bons trabalhos e contribuições à causa LGBT no Brasil, embora, num determinado momento, resvala para um apoio claro e aberto à candidata Dilma quando declara que ela faz parte do governo que "mais fez" pelos LGBT no Brasil como o Programa Brasil Sem Homofobia, além das implementações de políticas públicas nas mais diversas áreas tendo como alvo este público, como o reconhecimento do nome social das travestis e transexuais, a operação de readequação de sexo pelo SUS, além de ter convocado a primeira conferência LGBT do mundo para o debate de políticas públicas envolvendo essa parcela da sociedade.
Quem quiser saber o que José Serra já fez basta verificar sua atuação no Ministério da Saúde e sua política de Aids ou verificar no estado de São Paulo seu trabalho junto a esta população. As Coordenadorias da Diversidade Sexual (CADS), por exemplo, é um dos frutos deste trabalho.
O que o governo Lula e o que o então ministro da saúde e governador José Serra já fizeram pela população LGBT é história e ninguém tira isso deles, restando apenas o reconhecimento de todos e todas pelo tr