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Márcio Retamero: Ensino religioso no Brasil, a quem interessa?

O ensino religioso no Brasil é instituído por lei. O artigo 33 da Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996 com redação dada pela Lei nº 9.475, de 22 de julho de 1997, que assim legisla:

Art.33° – O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.
§ 1° – Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores.
§ 2° – Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição do ensino religioso. 

Novidade alguma no Brasil, a lei é ambígua e dá margens para acontecer o que vem acontecendo há muito entre nós: as aulas de religião nas escolas públicas de ensino fundamental são aulas de catecismo cristão ou catecumenato.

Os Conselhos Estaduais de Educação, formados em sua esmagadora maioria por cristãos católicos ou protestantes, são os grandes responsáveis por tornarem o ensino religioso em nossas escolas públicas, aulas de religião cristã, com classes divididas entre católicos e protestantes. 

Ficam de fora todas as outras religiões que compõem o caldo cultural brasileiro, principalmente as religiões de "matriz afro", sem contar as outras. Isso torna-se visível, inclusive no crucifixo pregado na parede da sala de aula ou na imagem de santos e santas espalhadas pelos corredores das nossas escola públicas. 

Ministrei aulas durante anos em estabelecimentos de ensino público e jamais vi a imagem de um orixá nesses espaços, tampouco o Alcorão em lugar de destaque ou quaisquer outros símbolos religiosos que não fossem do cristianismo.

É correto dizer que a presença nas aulas de religião em nossas escolas é facultativa e não obrigatória e nos meus anos de magistério vi muitos alunos e alunas indo para a sala de leitura durante essas aulas, pois nada tinha com a fé que professavam as cores preto e branco do ensino religioso ainda ministrado no país. Kardecistas, candomblecistas, umbandistas, adventistas, dentre outros, pelo conteúdo programático de tais aulas, são excluídos.

É inegável: as aulas de ensino religioso em nosso país é confessional cristão de matriz, o que é ainda pior, fundamentalista. Portanto, o artigo 33 da Lei 9.475 é cotidianamente desrespeitado pelo poder público que gerencia tais escolas já que em primeiro lugar, não assegura a diversidade religiosa do Brasil, e em segundo lugar, não veda o proselitismo religioso dentro de nossas escolas pertencentes ao Estado que é, ou deveria ser, laico.

Quanto ao conteúdo programático e a constatação do fundamentalismo religioso como matriz das vertentes religiosas contempladas, para se constatar o fato, é obrigatória, principalmente pelos secretários de educação dos estados que compõem a federação brasileira, bem como pelos demais profissionais da área de educação e que trabalham em escolas públicas, o recente livro lançado no dia 22 de junho de 2010: "Laicidade: O Ensino Religioso no Brasil", estudo liderado pela professora Débora Diniz (foto acima) da Universidade de Brasília (UNB).

Uma das conclusões do estudo é algo que já poderíamos intuir: o ensino religioso no Brasil dissemina ("oficialmente", o que é pior) o preconceito e a intolerância. A antropóloga e professora Débora Diniz, em recente matéria publicada no portal UOL sobre o assunto, declarou: "O estímulo à homofobia e a imposição de uma espécie de catecismo cristão em sala de aula são uma constante nas publicações", ou seja, nos livros didáticos adotados para este ensino.

O estudo publicado analisou 25 livros didáticos adotados pelo ensino religioso nas escolas públicas do nosso país. Assim ficou constatado e provado, certas coisas como a predominância de Jesus em relação a outros líderes espirituais da humanidade, o tratamento da homossexualidade (homossexualismo nos livros) como doença, perversão, mau moral, desvio de conduta, a associação entre ateísmo e nazismo etc.

Sou contrário ao ensino religioso nas escolas públicas bem como a exposição de imagens e símbolos religiosos nos espaços públicos, na minha opinião, isso fere a laicidade do Estado; contudo, creio ser praticamente impossível mudar este quadro no momento histórico que vivemos – assalto à máquina estatal do fundamentalismo religioso, barganha dos presidenciáveis Dilma Rousseff e José Serra com evangélicos fundamentalistas etc. – no entanto, urge o debate em torno do tema na sociedade com o objetivo de mudar o rumo do ensino religioso no Brasil ou a sua extinção.

O ensino religioso nas escolas públicas brasileiras só seria legítimo se o conteúdo programático promovesse a dignidade da pessoa humana, se refletisse realmente a diversidade religiosa do Brasil, se ministrasse conteúdos como a história das religiões sem maniqueísmo, a ética, a liberdade de escolha em matéria religiosa, inclusive a de não professar nenhuma religião.

Do jeito que está o ensino religioso – promotor de preconceitos e homofobia, além de ser proselitista – em nada contribui para a formação das nossas crianças, ao invés, produz fundamentalistas religiosos em progressão geométrica.

O processo de laicização do Estado brasileiro nunca chegará a termo se não mudarmos profundamente o rumo do nosso barco. A pergunta urge: a quem interessa este tipo de ensino religioso no Brasil? Vamos continuar de boca fechada?

* Márcio Retamero, 36 anos, é teólogo e historiador, mestre em História Moderna pela UFF/Niterói. É pastor da Comunidade Betel/ICM RJ e da Igreja Presbiteriana da Praia de Botafogo. É autor de "O Banquete dos Excluídos" e "Pode a Bíblia Incluir?", ambos publicados pela Editora Metanoia. E-mail: marcio.retamero@gmail.com.

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