Ontem, a Câmara dos Deputados aprovou o Estatuto da Juventude (PL 4529/04). O Projeto estava parado na Casa havia sete anos; sua aprovação, porém, não aconteceu sem muita polêmica entorno do termo "orientação sexual", que saiu do texto após a pressão da bancada evangélica fundamentalista.
O texto só foi aprovado depois que a relatora, deputada Manuela D'Ávila (PCdoB-RS) negociou com a dita bancada. O jornal O Globo de hoje, na página 03, dá destaque ao imbróglio: "Religião e sexo no meio da polêmica": "O texto aprovado determina que o direito à igualdade compreende a inclusão de temas relacionados à sexualidade nos conteúdos curriculares, respeitando a diversidade de valores e crenças."
No texto original, rejeitado pela bancada fundamentalista dizia: "o jovem não será discriminado por sua orientação sexual, idioma ou religião".
Por que rejeitam os fundamentalistas o termo orientação sexual? Porque para eles homossexualidade é comportamento adquirido, passível de "cura" e não orientação sexual. A sexualidade humana, para os fundamentalistas, compreende apenas a heterossexualidade, a norma.
Esta é a jogada dos fundamentalistas para mais tarde pressionar qualquer iniciativa educacional que contemple a sopa de letrinhas LGBT. O argumento que será usado no futuro (quem viver, verá), será: homossexualidade não é orientação sexual, mas comportamento adquirido, portanto, não é sexualidade. Lembram do kit escola sem homofobia, suspenso pela presidenta Dilma? O episódio tende a se repetir "ad infinitum" enquanto a religião continuar tendo peso nas leis e resoluções de Estado.
Com a retirada do termo orientação sexual do Estatuto da Juventude, perde, mais uma vez, para a bancada fundamentalista, o povo LGBT. Não apenas por conta da invisibilidade garantida, mas também pela "brecha" que se abre para futuras contestações religiosas quando o assunto é sexualidade na escola.
O representante LGBT no Congresso Nacional, deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) considerou o texto um avanço, segundo o jornal O Globo: "Garante o direito da comunidade escolar LGBT". Eu discordo do nobre deputado e comungo com Luiz Mott, que nesta manhã postou no seu perfil no Facebook: "Foi aprovado o ESTATUTO DA JUVENTUDE e mais uma vez, os LGBT perderam!"
Perdemos, na minha opinião, não apenas pela retirada do termo que garantiria, de fato, a orientação sexual LGBT na educação brasileira, como também perdemos, mais uma vez, para os fundamentalistas religiosos, que assaltam o Estado laico com suas ideologias religiosas, o que é inadmissível.
Em outros textos publicados aqui neste espaço eu já declarei que não vale a pena negociar determinadas convicções com a bancada parlamentar fundamentalista, o termo orientação sexual deveria ser inegociável, como para eles é inegociável a garantia de "crenças e valores" em toda e qualquer iniciativa que contemple a diversidade. Só que nesta mesa de negociação, só eles vencem, impondo sua cosmovisão à sociedade brasileira.
Garantir "crenças e valores" (cristãos) em detrimento dos valores laicos/seculares fere a laicidade estatal e o princípio da isonomia numa sociedade democrática, além de ser muito questionável a premissa de que a escola pública deva observar valores e crenças de uma religião, seja ela qual for.
O discurso religioso, conforme já assinalei neste espaço em outros textos, é performático, ou seja, exige uma tomada de posição daquele que a ele adere. Isso significa que o professor/professora cristão, ao entrar na sala de aula, não deixa em casa sua convicção de fé. Eles trazem isso pra sala de aula, contaminando, desta maneira, os conteúdos a serem ministrados, principalmente aqueles que permitem subjetividade. Sendo assim, porque admitem que sexualidade é restrita à heterossexualidade, sendo todas as outras manifestações da sexualidade ilegítimas e desviantes, não fica, de maneira alguma, garantida, como quer o deputado Jean Wyllys, a comunidade escolar LGBT, que continuará sendo alvo dos preconceitos advindos das crenças e dos valores hegemônicos, leia-se, "cristãos".
Eu não tenho a fórmula que resolve a questão, mas é urgente encontrarmos caminhos que impeçam, de uma vez por todas, este tipo de ingerência nos assuntos que o Estado deve propor à sociedade brasileira, da religião, ainda que seja a vertente fundamentalista desta religião, maioria social, pois numa democracia, ou o direito de todos e todas fica garantido ou a democracia é ferida. A nossa democracia tem sangrado – na verdade sofre de hemorragia – com a atuação da bancada religiosa fundamentalista.
Até quando?!
* Márcio Retamero, 37 anos, é teólogo e historiador, mestre em História Moderna pela UFF/Niterói. É pastor da Comunidade Betel/ICM RJ e da Igreja Presbiteriana da Praia de Botafogo. É autor de "O Banquete dos Excluídos" e "Pode a Bíblia Incluir?", ambos publicados pela Editora Metanoia. E-mail: marcio.retamero@gmail.com.