Passado o segundo turno das eleições presidenciais, tendo elegido uma mulher para ocupar o mais alto posto da escala do Poder Executivo brasileiro – fato inédito em nossa história – ninguém em sã consciência pode fechar os olhos para o enorme peso do fundamentalismo religioso no Brasil.
Dilma Rousseff não tomaria posse no primeiro dia de 2011 caso tivesse negligenciado a crescente parcela da sociedade brasileira alinhada com a ala fundamentalista do cristianismo; sua agenda de campanha, seus discursos, suas declarações à imprensa sobre assuntos caros aos fundamentalistas, sua carta compromisso dirigida aos evangélicos e até mesmo a imagem veiculada pelos canais de TV no primeiro pronunciamento à nação, já presidente, tendo ao lado o senador Magno Malta, nos dão a firme convicção de que o poder do livro sagrado dos cristãos e sua interpretação literalista, ainda que seletiva, entrou de vez para o debate público no Brasil.
Quem duvida deste fato consumado corre o risco de perder o bonde da história, principalmente se é político ou pretende se eleger nos próximos anos. Eu sei que é uma constatação amarga, para muitos, mas inegável: a bancada evangélica fundamentalista no Congresso Nacional cresceu e aliados do povo LGBT, como a senadora Fátima Cleide, não conseguiram a reeleição. Aliás, no Legislativo, somente um homossexual assumido, Jean Wyllys do PSOL/RJ, conseguiu se eleger e não fosse o expressivo número de votos do seu companheiro de partido, o professor Chico Alencar, ele não conseguiria.
Os líderes da militância LGBT no Brasil não podem mais ignorar o fundamentalismo religioso e fazer de conta que ele não pesa nas decisões políticas entre nós, e, se desejam ver nossas causas aprovadas no Legislativo, bem como a continuação das políticas públicas iniciadas no governo Lula, devem encarar e traçar estratégias precisas em relação ao fundamentalismo religioso que se recusa e de uma vez por todas, ficar debaixo do tapete.
Por todas essas razões, ganha relevância na atual conjuntura o trabalho das igrejas inclusivas e o papel dos teólogos que trabalham com a questão no Brasil, pois estão na linha de frente no combate ao fundamentalismo religioso cristão há quase dez anos. Não será inteligente nem estratégico para a militância LGBT do Brasil ignorar o trabalho que realizamos, as reflexões que temos trazido e as contribuições positivas que temos dado até o presente momento.
Visando contribuir para a questão LGBT é que lançarei, no próximo dia 10 de novembro, quarta-feira, às 19h, o livro intitulado "Pode a Bíblia incluir? Por um olhar inclusivo sobre as Sagradas Escrituras", editora Metanoia, no Centro Cultural da Justiça Federal no Rio de Janeiro.
O livro é um guia de leitura/interpretação da Bíblia através do método histórico-crítico de análise dos textos, a alternativa mais correta para combater a leitura literalista seletiva dos mesmos, como fazem os fundamentalistas, principalmente daqueles que, segundo eles, condenam a homossexualidade como pecado e abominação.
O método histórico crítico de análise da Bíblia nada tem de novo, pois tal método é filho do século 18 e, desde então, é ensinado nas melhores faculdades de teologia do mundo e essas ficam na Europa e nos Estados Unidos. Acontece que entre nós, tal método não é ensinado nas casas de formação teológica e só é mencionado nelas no intuito de desacreditá-la, com o argumento de que tal método esvazia as igrejas como aconteceu na Europa, o que não é conveniente para quem deseja ver suas igrejas abarrotadas de gente fideísta, pronta a doar 10% de sua renda bruta.
Se olharmos para a história da igreja evangélica no Brasil entenderemos as razões que nos fizeram chegar ao ponto que chegamos. O tipo de missão evangélica que veio nos colonizar é de matriz fundamentalista, reacionária, anti-ecumênica e machista. Como deu certo aqui – e a prova disso são as igrejas prósperas – e como não se mexe em time que está vencendo, não é interessante para os líderes evangélicos a desconstrução dogmática que o método histórico-crítico proporciona aos textos bíblicos. Na verdade, quanto mais ignorante o povo e menos instruído em matéria bíblica, maior o lucro financeiro além de político.
Diante desse quadro é necessária e urgente a democratização do conhecimento teológico produzido pelo viés do método histórico crítico, certamente um trabalho de longo prazo, mas que precisa ser iniciado aqui e agora. É o que faço lançando este despretensioso guia de leitura inclusiva da Bíblia. Conto com sua presença na noite de autógrafos e com sua leitura.
Serviço:
Lançamento do livro "Pode a Bíblia incluir", Rev. Márcio Retamero, editora Metanoia.
Data e local: 10 de novembro, às 19h, no Centro Cultural da Justiça Federal no Rio de Janeiro.
* Márcio Retamero, 36 anos, é teólogo e historiador, mestre em História Moderna pela UFF/Niterói. É pastor da Comunidade Betel/ICM RJ e da Igreja Presbiteriana da Praia de Botafogo. É autor de "O Banquete dos Excluídos" e "Pode a Bíblia Incluir?", ambos publicados pela Editora Metanoia. E-mail: marcio.retamero@gmail.com.