Religião e política não se misturam nem se discute! Correto? Não, errado! Nunca foi tão importante falar sobre religião e política no nosso país, uma vez que as duas coisas têm andado de mãos dadas faz tempo. Por isso, os quatro últimos artigos publicados nesta coluna que é sobre religião, vêm refletindo sobre a "política teológica" ou a "teologia política" brasileira.
O tema Religião e Política é complexo e pode ser abordado de diferentes pontos de vista, como das ciências sociais ou da teologia. Do ponto de vista das ciências sociais, como afirma o Dr. Francisco de Aquino Júnior no seu artigo "Teologia e Política", publicado em 2008 na Revista de Estudos da Religião: "poderíamos tratar, por exemplo, das relações históricas dos crentes e suas igrejas/religiões com os diversos grupos sociais e forças políticas da sociedade; da função ideológica (alienante ou libertadora) da religião; da especificidade e eficácia da linguagem religiosa tanto na configuração das relações sociais, quanto na legitimação do poder político; da postura das igrejas/religiões nos processos de transformação social e de reestruturação do poder político ou das formas de governo; etc."
Segundo Aristóteles, o ser humano é um "animal político", sendo assim, os crentes, de qualquer religião, permanece um animal político e, como grupo social, tem direito à representação na sociedade organizada, ou seja, é legítimo que os religiosos, fundamentalistas ou não, tenham representação nos poderes constituídos de um determinado país democrático.
Já apontei em outros textos que a bandeira do Estado Laico, no Brasil, foi levantada pelos protestantes brasileiros, no final do Império, quando a religião cristã de matriz católica romana era a religião oficial do Estado. Naquela época, fins do século XIX, as igrejas dos evangélicos não podiam ter a fachada de igreja, como também não podiam fazer proselitismos religiosos em público, tampouco cultos ao ar livre. Diante dessa situação, os pastores e o povo protestante iniciaram uma luta no poder legislativo de então, pelo Estado laico.
Estado laico não é sinônimo de Estado ateu. Estado laico é aquele que, não professando uma fé religiosa específica, garante, democraticamente, a liberdade de culto de toda e qualquer religião. Garante a liberdade de consciência de seus cidadãos em suas escolhas em matéria religiosa. Estado laico é o Estado democrático, onde todos e todas têm garantida a liberdade da livre expressão, de representação política, e também de professar uma fé.
A representação política de uma ala da igreja evangélica chamada de "fundamentalista" tem crescido exponencialmente no Brasil desde os fins da década de oitenta. São inúmeras as teses e dissertações de mestrado e doutorado nas universidades brasileiras, que analisam o fenômeno social e político das igrejas evangélicas no Brasil, principalmente a vertente chamada neopentecostal. A maioria dessas teses afirma que se configura, no Brasil, via igreja neopentecostal, uma força política de caráter conservador e retrógrado, que resiste ao processo de laicização do Estado brasileiro, através da representação política, principalmente na área do legislativo.
Desta postura atual deste grupo social chamado neopentecostal, podemos afirmar que tais igrejas não são como as igrejas históricas, essas ainda defensoras do Estado laico. Tais igrejas históricas se uniram, meses atrás, para se manifestarem em relação ao Acordo Brasil Vaticano, assinado na gestão do governo Lula, tomando a postura de desacordo com o governo e chamando tal Acordo Brasil Vaticano, de concordata. Depois de anos, os protestantes históricos se lembraram da bandeira do Estado laico, e a hastearam nos seus arraiais.
Ao contrário, ouvimos das igrejas neopentecostais, de caráter fundamentalista, não um veemente desacordo com o governo, mas um pedido de que este fizesse um acordo nos mesmos moldes com a ala evangélica brasileira, pedindo isonomia. O que eles esqueceram é que o Vaticano é um Estado!
Esta ala evangélica que só faz crescer tanto em número de membros como em número de representação política nos poderes constituídos do Brasil, há muito promove uma campanha, cujo lema é "O Brasil é do Senhor Jesus". Tal discurso visa não apenas o acréscimo do rebanho através de propagandas religiosas e programas nos canais de comunicação (a isso damos o nome de proselitismo), como também aponta o objetivo político desse grupo, que não se resume em colocar um seu representante no Palácio do Planalto, mas legislar de acordo com o que eles pensam que é "a vontade de Deus, segundo a Bíblia".
Resulta daí as posições políticas de seus representantes, como os senadores Magno Malta e Marcelo Crivella, além dos deputados e deputadas da Frente Parlamentar Evangélica, cuja maioria são membros ativos nas tais igrejas neopentecostais fundamentalistas. Esses são os que votam contrário às demandas políticas de determinados grupos sociais, como os LGBTs, além de traçar alianças com outros grupos políticos não religiosos, mas tão conservadores e retrógrados quanto eles, a fim de impedirem o processo de cidadania plena e isonomia de direitos civis aos LGBTs. São esses que também impedem a retirada de símbolos religiosos nas repartições públicas brasileiras, a laicização da educação nas escolas públicas, defendendo veementemente a educação religiosa nas escolas, além de impedirem certos direitos pleiteados pelas mulheres ou pelos grupos sociais feministas, como o direito ao aborto.
As relações políticas deste grupo com os grupos sociais e forças políticas que representam uma corrente que poderíamos denominar de libertadora ou libertária (homossexuais, MST, feministas, negros, etc.) é de antagonismo político no cenário social. Portanto, os LGBTs não são os únicos alvos dos grupos sociais religiosos fundamentalistas, mas todos os que representam o ideal libertário, que essa força social retrógrada e conservadora se opõem.
Os religiosos fundamentalistas possuem um projeto político bem claro, que vem sendo orquestrado com muita competência por eles, pois é notável o crescimento da representação política desse grupo social. Eles possuem muito dinheiro (não nos esqueçamos que os dízimos e as ofertas recolhidas pelas igrejas não são taxadas, bem como seus prédios e templos) recolhido entre seus fiéis; possuem força política, pois só faz crescer o número de adeptos (cada adepto é um eleitor em potencial); além de inúmeras concessões (concedidas pelo Estado) de TV e rádio.
Segundo as estatísticas recentemente publicadas pela revista Veja, a porcentagem de cidadãos e cidadãs evangélicas no Brasil está na casa dos 25% da população. Dentro desses 25%, a maioria se encontra na ala fundamentalista neopentecostal e uma minoria nas igrejas históricas, essas também retrógradas e conservadoras, porém, advogam o Estado laico.
Diante deste quadro, como os LGBTs podem fazer resistência? Como ampliar a luta política, angariando vitórias nos poderes judiciário, legislativo e executivo? Se for correto o indicador que diz que 10% da sociedade são de LGBTs, perdemos numericamente por sermos minoria. Qual é a saída?
Como apontei acima, os LGBTs não são os únicos alvos dos grupos fundamentalistas, mas todos os que representam a força social que chamamos libertária. Encontram-se neste grupo feministas, negros, sem terra, indígenas etc. Se eles são 25% da população, quanto seria a porcentagem dos seus opositores? A saída, pelo menos uma delas, vem daí, da união dessas forças políticas libertárias, da ação política em conjunto dessas forças, capazes, de fazer frente ao grupo social antagonista, os fundamentalistas religiosos.
Somente a união dessas forças é capaz de parar o processo célere dos fundamentalistas evangélicos! É preciso união para, no campo político, vencermos o inimigo.
A primeira ação política