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Maria Gadú e sua “opção” sexual

Maria Gadú, nascida Maria Corrêa Aygadoux, sucesso absoluto da MPB entre as moçoilas e balzacas, declarou recentemente na Folha de S. Paulo o seguinte:

“Querem que eu levante a bandeira do ‘sou gay’. Não quero. Senão parece que estou menosprezando a outra opção, o hétero. Não dou nome ao que sou, por que que vou falar que viado é do caralho? É do caralho mesmo, mas hétero também é. Além do mais, eu não sei quem vou conhecer amanhã”.

Deuses do universo (incluindo aí todos, evangélicos, católicos, muçulmanos, judeus), temos mais uma enclosetada? Ai, ninguém precisa disso na MPB… Vamos por partes com os problemas dessa declaração.

Tem muita gente que xinga desafeto de “viado”, portanto dizer que “viado é do caralho” não resolve a questão. Aliás, só confirma que a moça cantante precisa tomar um pouco mais de cuidado com a sua fala para a grande, média e pequena imprensa. Quero deixar claro que sou fã da Gadú e tomo a liberdade de puxar suas orelhinhas, porque sem dúvida ela é um modelo de comportamento para as suas fãs. Então, se a cantora comete esse erro, é quase certo que vão repeti-lo.

Pior é cometer o grave equívoco de declarar que ser gay ou hétero é uma “opção”, Ninguém “escolhe” ou “opta” por ser homossexual ou heterossexual. Dizer que a orientação sexual de alguém – ou mesmo a condição sexual de uma pessoa – é uma escolha é um absurdo. Quem escolheria sofrer violência física gratuita por simplesmente andar nas ruas ou passear nas praças, aturar agressão verbal, ouvir insultos sem qualquer razão aparente, sofrer todo tipo de discriminação, além de ter direitos fundamentais negados e sua dignidade ultrajada e desrespeitada? Me diga! Quem?

“Preferência sexual” e expressões similares não devem jamais ser utilizadas, pois em especial no caso de gays e lésbicas sugerem que a homossexualidade é uma questão de vontade, logo é “curável”, o que vai completamente contra o posicionamento atual da psicologia.

Repita comigo: orientação sexual. Ninguém tampouco escolhe ser transgênero, diga: identidade de gênero. E não existe quase nenhuma situação em que seja aceitável utilizar termos populares, em geral pejorativos, para minorias sexuais, como por exemplo viado, bicha, sapatão, traveco etc. Retire-os de seu vocabulário, por favor.

Agora essa história de você dizer, minha querida cantante Maria Gadú, que não sabe quem você vai conhecer amanhã é o fim. Deixa de onda, mulher! Você quer mesmo que eu acredite que, com 24 anos, você ainda não sabe se gosta de meninas ou meninos? Isso dá a impressão de que você está abrindo a porta para soltar mais uma declaração do tipo que as lésbicas detestam ouvir de uma cantora que passa todos os sinais de gostar de mulheres, de que você é “bissexual”.

Não estou obrigando ninguém a sair do armário, não tenho autoridade para isso e já abordei esse delicado assunto antes aqui mesmo no Dykerama. Cada um no seu tempo, no seu ritmo, porque viver às claras é muito melhor. Com certeza você não precisa declarar publicamente qual é a sua orientação sexual, nem sair levantando bandeiras gays, lésbicas, bissexuais por aí, agora, se você é um ídolo, evite falar essas frases que parecem feitas para agradar o heteros.

A grande maioria das lésbicas admira você como cantora e artista, eu me incluo nessa turma e acho um encanto esse seu jeitinho bad boy de ser, agora que tal seguir o exemplo da sua companheira de artes Adriana Calcanhoto? A minha querida Lúcia Facco escreveu um artigo lindo sobre a artista, O casamento de Adriana Calcanhoto, nada ficou no lugar, e dentre outras coisas diz lá o seguinte:

“O que eu gostaria de ressaltar é a importância de uma mulher pública, respeitada no cenário musical, para adultos e crianças (quem não conhece a maravilhosa Adriana Partimpim?), ter assumido a homossexualidade, contrariando a prática da imensa maioria das mulheres que circulam em palcos, capas de revistas, programas de televisão etc, que preferem se manter dentro de armários apertados (alguns com portas de vidro) com medo de ‘prejudicarem a imagem’ junto ao público”.

Detalhe importante: o processo de autoaceitação pode durar a vida inteira. Constrói-se uma identidade lésbica, gay, bissexual ou transgênero primeiramente para si mesmo. Isso pode ser ou não revelado para outras pessoas.

Finalizo com Mário Quintana, esse poeta gaúcho maravilhoso. “Com o tempo, você vai percebendo que para ser feliz você precisa aprender a gostar de si, a cuidar de si e, principalmente, a gostar de quem também gosta de você. O segredo é não correr atrás das borboletas… é cuidar do jardim para que elas venham até você”.

Tenho a impressão que a cantora Maria Gadú não está cuidando do seu jardim, vai acabar espantando não só as borboletas mas as sapinhas também.

Viva a diversidade! Sempre.

* Hanna Korich é uma das sócias fundadoras da Editora Malagueta, agora Brejeira Malagueta – a primeira e única editora dedicada à literatura lésbica da América Latina, desde 2008.

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