De lá pra cá, Eduardo atualizou a lista com os novos personagens e fez algumas ressalvas antes de responder as perguntas da reportagem. Em primeiro lugar ele explica que embora a novela se apresente como uma crônica do cotidiano, ela não é. Que a estratégia de provocar empatia, a identificação com o público, faz com que os segmentos sociais queiram se ver naquela abordagem caricatural da vida.
Em entrevista ao site A Capa, Peret, que também mantém o blog O Cabideiro, analisa o final dos personagens gays de A Favorita. Nas linhas abaixo ele fala sobre o desfecho em aberto de Stela e Catarina, aborda também o controverso Orlandinho e diz o que pensa sobre o amor/ fixação da vilã Flora Pereira da Silva por Donatela.
O que você achou do final dos personagens gays da novela A Favorita?
Achei previsível dentro da trama. Não foi nem de longe o melhor, mas era de se esperar.
Acredita que o fato de Catarina ter viajado com Stela para Buenos Aires, tido como um dos principais destinos gay-friendly da América Latina, foi um final subjetivo de alguma provável relação homoerótica?
Um final declaradamente lésbico entre as duas poderia suscitar teorias superficiais do tipo "mulher que apanha do marido e se torna independente acaba se tornando lésbica", como se fosse uma resposta traumática à violência. Por outro lado, mesmo se sabendo que é uma realidade que algumas pessoas LGBT se apaixonam por heterossexuais e não tentam ter uma vida amorosa com outra pessoa, preferindo manter um amor platônico, essa não é uma realidade geral e, de modo algum, é uma situação ideal.
Então, se a Stella fosse embora e a Catarina se casasse – voltando à vida caseira que tinha abandonado – ficaria esse impasse na vida das duas e a novela poderia contribuir para reforçar outra visão preconceituosa sobre os homossexuais: a de que nós "corrompemos" os heterossexuais, tirando-os do ciclo da vida familiar heteronormativa.
Ah, vale lembrar que a população em geral ignora que Buenos Aires seja um dos principais destinos gay-friendly da América Latina. Ou seja, parece mesmo ter sido uma mensagem aos gays e lésbicas antenados.
Antes de a novela começar, a atriz Lília Cabral chegou a dizer que estava cheia dessa história de beijo gay. Acredita que de alguma forma ela não quis fazer uma personagem lésbica para não ficar marcada ou estigmatizada e isso tenha influenciado o autor João Emanuel Carneiro?
A Lília Cabral é uma ótima atriz e muito competente, que não ficaria amedrontada com essa situação. Ela tem todo o direito de expressar essa sensação em relação ao "beijo gay", por essa eterna ladainha de se ele vai ou não vai aparecer na próxima novela, se o próximo casal vai ou não ter mais intimidades etc. Creio que vários outros fatores devem ter contribuído para ainda não ser dessa vez – as diretrizes da direção da emissora, inclusive.
Como você avalia a personagem Stela? O que achou da saída de armário dela para Catarina?
Achei a Stela bem construída, feita com consciência e delicadeza, dentro dos limites da novela. A cena da declaração dela foi bem feita e cuidadosa, elogiada inclusive por algumas militantes lésbicas que não costumam assistir novela (risos). Considerando que era uma trama secundária e que havia enorme possibilidade de gerar uma imagem complicada das personagens, achei que a cena foi muito bem feita, parte de um processo bem construído.
Acredita que a baixa audiência do capítulo do "outing" de Stela (Paula Bularmaqui) seja mera coincidência ou o público não queria mesmo ver uma história homossexual dentro da trama?
Acho que foi coincidência. Muita gente que acompanha novelas não se preocupa em saber com antecedência o que vai acontecer no capítulo seguinte e não sei se o outing da Stela foi anunciado com data específica, nas sinopses divulgadas em jornais, por exemplo. Confesso que não me lembro em qual dia da semana a cena aconteceu.
Vale lembrar que os capítulos mais assistidos de novela são às segundas e aos sábados, geralmente quando acontece uma grande reviravolta (no fim do capítulo de sábado) e sua resolução (no início do capítulo da segunda-feira). O capítulo de quarta é reduzido por causa do futebol e pode ter sua audiência particularmente prejudicada. Os capítulos de terça e quinta podem ser até pulados às vezes.
A tão discutida paixão de Flora por Donatela, na sua opinião, era um amor afetivo/carnal homossexual, ou isso foi mais piração do movimento gay
A Flora era, antes de tudo, uma pessoa com sérios problemas psicológicos e emocionais. Ela tinha ciúme genuíno de Donatela, o suficiente para assassinar o pivô da separação da dupla e fazer toda aquela trama sobre a paternidade do Halley. A declaração dela de "Eu te amo, Donatela", pode ter tido inúmeras conotações.
Pode, realmente, ter havido um desejo íntimo dela, ou pode ter sido uma relação de "quase irmãs" que foi levada a um extremo por conta de uma condição emocional/mental instável. E, particularmente, não gostaria que a Flora fosse uma lésbica enrustida, porque isso poderia levar a outra visão superficial e preconceituosa de que homossexuais são pessoas psicóticas, que não contentes em tentar seduzir heterossexuais, são capazes de matar e causar grande sofrimento por causa dessa "paixão doentia". Nada impede que ela fosse lésbica mal resolvida e isso só piorasse a condição instável dela. Mas o exagero e a superficialidade da novela podem ser interpretados como "realidade" é perigosíssimo que haja sequer a possibilidade de se fazer tal relação entre homossexualidade e doença mental.
Sobre o personagem Orlandinho, que suscitou a discussão do ex-gay. Como você enxerga o fio narrativo e a interpretação de Iran Malfitano ao longo da novela?
O Orlandinho era um personagem cômico, caricato. Por isso mesmo, era exagerado e inverossímil. O problema, novamente, foi ele ter suscitado a possibilidade de uma discussão séria sobre um tema muito delicado, porque algumas pessoas acharam que ele reproduzia uma imagem da "realidade". Acho que o próprio Iran Malfitano não sabia exatamente o que estava fazendo com o personagem e qual era o melhor rumo a se