Na semana passada, o ex-bancário Antonio Ferreira dos Santos, de 47 anos, foi personagem de uma vitória histórica e que com certeza ampliará a discussão sobre a homofobia no Brasil: o Bradesco, onde ele trabalhou cinco anos como gerente-geral, foi condenado pelo TST (Tribunal Superior do Trabalho) a pagar R$ 1,3 milhão de indenização por discriminação sexual.
Ao site A Capa, Antonio conta que era motivo de chacota por parte de seu gerente-regional, que o chamava de "viado" e "bicha" e inclusive deixava de cumprimentá-lo com as mãos, com a justificativa de que a homossexualidade é transmitida pelo suor. Com ajuda de seus advogados, o ex-bancário entrou na Justiça com base na lei 9.029 (1995), que proíbe a dispensa discriminatória do trabalho, seja por sexo, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade.
Nesta entrevista exclusiva, Antonio explica por que, mesmo sofrendo com o preconceito e tendo testemunhas a seu favor, decidiu processar o banco apenas após ter sido demitido. Também fala sobre a importância da família e amigos durante o processo e diz que sua vitória pode impor às instituições novas formas de tratamento a gays e lésbicas no Brasil.
Me conte um pouco sobre sua história. Essa não é a primeira vez que você resolve processar o Bradesco…
Sim, é a primeira. Infelizmente, durante os últimos cinco anos em que eu trabalhei naquela instituição, comemorava dia após dia como se fosse o último. Era uma cobrança atrás da outra para o cumprimento das metas, fora os constantes constrangimentos que eu passava e que vinham de meu gerente-regional, que sempre me chamava de viado, bicha e muitas das vezes dizia que banco é lugar de homens.
O Bradesco diz que você foi demitido por justa causa. Qual é a sua versão dos fatos?
Recebi uma carta evasiva que dizia: "Você está sendo demitido por Justa Causa por ter desrespeitado o Art. 482 da CLT". Vale ressaltar que faltou o banco dizer qual era o motivo da justa causa, já que o artigo prevê várias faltas. Aqui na Bahia todos conheciam a maneira como eu era tratado pelo meu então gerente-regional. Era escancarada a sua repulsa a minha pessoa, ele nem mesmo apertava a minha mão, talvez acreditasse que a homossexualidade se transmitisse pelo suor. Como gerente geral de uma agência bancária, nada justifica a perversidade que o banco fez comigo, mesmo que tecnicamente houvesse alguma falha, seja administrativa, seja em relação a créditos concedidos a clientes. Certamente não seria intencional, já ficou comprovado que não houve nada de errado depois de tudo apurado, o que houve, sim, foi uma justa causa para camuflar a discriminação.
Por que você resolveu processar o banco apenas depois de ser demitido? Por que suas testemunhas não te deram apoio desde o início?
Foram dezenas de testemunhas que presenciaram o gerente-regional e seus atos criminosos, desde colegas do mesmo cargo, colaboradores e clientes. Entretanto, somente três são chamados para participar das audiências. Tive sorte de provar os constantes assédios sofridos porque muitos deles foram praticados em público. Vale ressaltar que sempre tive apoio de todos, mas como sempre estava me destacando nos objetivos do banco, cumprindo as metas, tinha sempre esperança de um dia vê-lo transferido para outra região.
Que tipo de discriminação você sofria no trabalho? Você acha que o fato de seus colegas agirem de maneira preconceituosa atrapalhava seu rendimento?
É importante lembrar que a discriminação e os constantes assédios que eu sofri ao longo dos cinco anos na agência foram provientes unicamente de meu gerente-regional…
Havia assédio a outros gays trabalhando com você? Eles também eram discriminados?
Não tenho conhecimento.
Em que fase está esse seu processo? O Bradesco ainda pode recorrer da decisão, mas há chances reais de você sair vitorioso?
Última instância. O banco ainda pode recorrer, mas já me considero vitorioso.
O GGB (Grupo Gay da Bahia) exerceu de alguma forma influência nesse seu processo?
Sempre! O GGB foi muito importante e atuante na decisão da primeira instância, segunda e agora na terceira, com seu costumeiro apoio. Marcelo Cerqueira e Luiz Mott sempre estiveram à disposição dos meios de comunicação para reforçar a causa.
Depois de demitido, você foi trabalhar com o quê? E hoje, qual é a sua situação?
Depois de muita peregrinação sem sucesso, trabalhei no Banco Santos, onde fiquei por seis meses como gerente sênior, sendo logo desligado, na ocasião, de maneira respeitosa, pelo Banco Central, por motivo de sua interdição. Atualmente atuo como consultor de seguros.
Você teve o apoio de amigos e familiares quando resolveu processar o banco?
Sim, sempre tive apoio de minha família em tudo, sobretudo de minha mãe, hoje com 85 anos, e de meus amigos também, sem os quais jamais conseguiria encarar a tamanha desgraça e injustiça sofridas. De uma hora para outra, foi terrível saber que todos os meus benefícios alcançados ao longo de 22 anos haviam sido perdidos. Não tive sequer direito ao meu FGTS, férias e seguro desemprego.
Casos como o seu devem se repetir em várias partes do país. Na sua opinião, qual é importância desse processo para a visibilidade e a conquista de direitos dos homossexuais?
A partir dessa vitória, o Bradesco e todas as instituições certamente darão melhor tratamento aos seus colaboradores.