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“Não abriria mão de fazer o filme só por falta de patrocínio”, diz diretor de ‘Do Começo ao Fim’

Não se fala em outra coisa. Desde que um teaser do longa "Do Começo ao Fim" vazou na internet, o público vem comentando sobre o tema polêmico que o envolve: o amor incestuoso entre dois irmãos.

Nem mesmo Aluizio Abranches, diretor dos ótimos "Um Copo de Cólera" (1999) e "As Três Marias" (2002), acreditou na repercussão. Em apenas duas horas, um dos vídeos tinha sido visto por mais de 700 pessoas. O fato de o material ter caído na rede assustou a equipe e foi suficiente para criar uma enorme expectativa.

Em "Do Começo ao Fim", Thomas (o pequeno Gabriel Kaufmann, de 7 anos) mantêm uma relação de afeto por seu irmão Francisco (Lucas Cotrin). Quando adultos, os dois descobrem que, mais do que carinho entre dois irmãos, o que eles sentem é amor. No elenco, estão Júlia Lemmertz e Fábio Assunção, que interpretam os pais dos meninos.

É talvez essa fase do filme que deve chamar mais atenção, especialmente do público gay. Quando surgem em frente às câmeras, João Gabriel Vasconcellos e Rafael Cardoso, que vivem Thomas e Francisco, respectivamente, arrancam suspiros e esbanjam masculinidade. Mas seu diretor avisa que, antes de ser um filme com um elenco estelar, o objetivo é trazer à tona o debate sobre a homossexualidade.

Nesta entrevista, Aluizio Abranches mostra como enfrentou os problemas de orçamento – o cineasta teve até que fazer empréstimo e ainda deve R$ 300 mil a bancos – para filmar este que ele considera um filme "delicado", que começou a tomar forma há pelo menos seis anos. O resultado, enfim, poderá ser visto no Festival do Rio, que acontece agora em setembro, e na segunda quinzena de novembro, quando o longa finalmente estreia em circuito nacional. Confira a seguir.

Em que etapa da produção o filme está?
A gente filmou em 16 mm e estamos passando para cinema scope, ou seja, para tela cheia. Esse é um processo delicado, tem muito corte, estamos também fazendo edição de som. Além disso, estamos preparando o trailer, cartaz…

Que é a parte mais cara e mais difícil…
É quase como se estivéssemos filmando (risos). Se eu não lançar agora, a distribuidora, que é a Downtown Filmes, do Bruno Wainer, lança em janeiro um filme sobre o Lula [Lula, O Filho do Brasil]. E o filme está quente, estive há duas semanas em São Paulo e me perguntaram muito sobre ele…

Li uma entrevista onde você fala sobre as dificuldades de encontrar patrocínio. Você acha que, pelo fato de não contar com um grande patrocinador, isso te deu mais autonomia para lidar com a temática?
Não sei se foi n´O Globo que falei isso, mas teve um dos patrocinadores que me perguntou se os irmãos não poderiam ser primos. A história é a seguinte: não posso falar quem é, porque não seria ético, mas é uma empresa enorme, que eu conheço a dona. Eles são super caretas. Na reunião que tivemos, eles não sabiam o que falar, até que um deles comentou: ‘Eu não tenho nada contra homossexuais’. Eu olhei para a cara dele e falei: "Puxa, mas você, hein?" (risos). E ele completou: ‘Mas eu gostei do ‘Brokeback Mountain’. Só para falar que ele não era homofóbico. Aí eu aproveitei para dizer: "Mas, fulano, se eles fossem dois cabeleireiros da década de 70, teria a mesma força?". Não, né? Nada contra os cabeleireiros, mas o filme foi polêmico porque tinha dois caubóis. Mas, então, eu não abriria mão de fazer o filme só por causa de patrocinador. Não deixaria de apostar na ideia, ou não faria o filme.

Qual foi o orçamento total do filme?
R$ 2 milhões.

E você conseguiu todo o dinheiro?
Agora ganhamos o Fundo Setorial [do Audivisual, da Ancine] para finalizarmos o filme. Ou estaríamos ferrados. Ainda devo R$ 300 mil aos bancos. Mas esse dinheiro do Finep [Financiadora de Estudos e Projetos] vai pagar a finalização.

É duro fazer cinema no Brasil…
É. Mas nesses últimos três meses, contando com a finalização, da dívida que a gente tinha, consegui diminui-la de R$ 1,2 milhão para R$ 300 mil. Eu estou achando bom… (risos). Mas tenho certeza que o restante vou conseguir antes do lançamento.

Agora, voltando ao processo de filmagem, gostaria de saber o que foi mais desafiador? Lidar com o assunto ou convencer o elenco de retratá-lo?
Com o elenco foi facílimo lidar. Principalmente as crianças. Hoje mesmo liguei para a mãe de uma delas – a do Gabriel [Kaufmann, de apenas 7 anos, que interpreta Thomas]. Perguntei sobre como estavam as reações, e vi que elas são positivas. São muito mais favoráveis do que polêmicas. Mas sei que a polêmica virá, que vão me jogar algumas pedras. Aí a mãe do Gabriel me disse que a curiosidade é favorável. Com o elenco, a coisa foi fácil também. Fiz teste com cerca de 50 atores e metade reagiu super bem. Principalmente porque conversava com cada um deles antes, olho no olho. Inclusive, os protagonistas fizeram de tudo para não perderem os papéis. E poderiam ficar reticentes, porque são atores super jovens, de apenas 22 anos… É um risco grande. Mas o filme resultou em algo muito delicado…

E como o incesto é discutido no filme? O que incomoda mais? A homofobia ou o incesto?
Eu acho que a homossexualidade incomoda muito mais. Mas acho que só nós [gays] sabemos o quanto isso incomoda. Tenho um grupo que estuda Shakespeare e nele há quatro psicanalistas que defendem que o problema é o incesto. E eu digo que não. E por que não retratar isso? São dois irmãos, não há traição entre eles, são da mesma idade, não tem pedofilia… Eu acho que o incomoda mesmo é a homossexualidade. Porque ela é muito mais próxima. Qual é o problema de eles serem irmãos?

Tem algo de autobiográfico na história desses dois irmãos?
(risos) Não, não. Mas se tivesse estaria felicíssimo. Se fosse um daqueles dois…

São dois meninos lindos, talentosos.
Ser irmão de um deles… Na verdade não tenho nenhum tipo de restrição ao incesto. É claro que eu quis questionar isso. Se fosse irmão com irmã, poderia nascer uma galinha, não existe isso? Agora, dois homens, qual é o problema? Biblicamente, não somos todos descendentes de Adão e Eva? E eu estou falando isso em relação à religião cristã…

O que é uma leitura ultrapassada…
No caso de dois irmãos, não tem nenhum problema… E eu não levanto bandeira.

Ao mesmo tempo, o filme dá a oportunidade de discutir o tema. Você já imaginou a importância que seu filme terá para essa discussão?
Tomara que tenha. Eu não fiz pensando nisso. Quando você se dá conta, você fica com medo e não faz. Quando eu filmei "Um Copo de Cólera", falavam do Raduan Nassar, se eu não estava com medo… Eu nunca me dei conta da reverência que existe em relação ao Raduan. Se for o que algumas pessoas estão me falando… A [diretora] Anna Muylaert me falou: ‘Aluizio, esse seu filme será libertador para os gays adolescentes, porque vai ser tão mais fácil para eles se assumirem…’

Vai ter o efeito oposto do que você provavelmente imaginava.
Eu quis fazer de propósito, que o tema do incesto fosse discutido.

E como você acha que o público vai reagir?
Estou vendo na internet uma reação contrária. Tenho dois exemplos: há três ou quatro meses fui visitar uma prima de segundo grau, que ficou triste com a morte do meu pai. Coloquei um DVD do filme, fiz um café, era um sábado chuvoso no Rio. Depois de assistir ao filme ela comentou que o achou bonito e que se sentia mais leve..

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