“Chegava em casa super culpado. Tomava três banhos para tirar o cheiro do corpo. E esperava me curar”, essa é uma pequena parte do relato de Lúcio*, 57, administrador de empresas. Ele foi casado por 24 anos com uma mulher e é pai de três filhos. Mas ao longo de todo o casamento, se relacionava com garotos de programa. “Eu não achava que estava traindo a minha mulher. Eu achava que eu tinha um problema e tinha que resolver”, conta. Depois de anos de angústia, já na casa dos 50, Lúcio decidiu assumir a sua homossexualidade. Primeiro para ele mesmo. Depois, para a mulher e os filhos. A história de Lúcio é uma das quatro relatadas ao EL PAÍS para esta reportagem. Todas são de homens, de classe média e alta, de diferentes profissões, que frequentam um grupo de apoio para pais que assumem a homossexualidade. Batizado de Homopater, o grupo é orientado pela psicóloga Vera Moris, especializada em paternidade homoafetiva. Moris conta que eles chegam ao consultório muito angustiados. “Geralmente, o momento em que eles me procuram é quando estão percebendo a homossexualidade”. Ela conta que, em muitos casos, a homossexualidade é encarada pelos pacientes como algo da juventude, que vai passar ou será “curado”, como Lúcio achava. Por isso, o mais difícil é assumir para si mesmo, antes de falar com mulher ou filhos. “O grande drama foi comigo mesmo, não com os outros”, contou o engenheiro Adriano*, 51. Alguns enxergam no casamento a possibilidade de se “curarem”. “A gente não casa com uma mulher para se esconder do mundo”, contou o jornalista Sílvio Barbosa, o único que não pediu anonimato. “A gente casa porque confia que o casamento pode nos curar”. Não há um padrão de comportamento nas histórias ouvidas pela reportagem. Mas todos usaram o verbo “curar” ao menos uma vez ao longo das suas narrativas. Algumas são mais traumáticas, outras se parecem mais com um “conto de fadas”, como definiu o engenheiro Adriano. Ele decidiu se separar de um casamento de 15 anos depois de levar alguns anos se relacionando com homens, já no final da relação. “Minha ex-mulher não entendia o motivo da separação, porque, afinal, eu não disse”, contou. “Mas um dia eu não aguentei mais. Já estávamos separados quando eu chamei ela para jantar e disse: Não me separei porque eu não gosto de você, me separei porque eu sou gay. E ela me disse: Ah, era por isso? Então tá bom. E assim foi”, diz, rindo. Hoje, o namorado de Adriano, a ex-mulher, o namorado dela e os dois filhos convivem no dia a dia e em festas de família. Contar para os filhos “O grande problema para os filhos é o divórcio em si, e não a homossexualidade”, diz Vera. Passado o trauma da separação, a orientação sexual do pai é, normalmente, assimilada muito bem pelos filhos. Ela explica que a primeira pessoa que precisa saber é a mulher. E esse pode ser um momento bastante difícil. “Muitas mulheres propõem que o homem continue casado, e neguem a sexualidade”, conta Vera. “E alguns deles, por um determinado período, acabam ficando”. Por isso, é necessário que as mães saibam antes. Ou a tia ou a avó, caso eles não sejam criados pela mãe. “É importante que a mãe dê apoio aos filhos”, diz Vera. No caso dos filhos, a orientação é “quanto antes melhor”. “Quanto mais nova a criança é, melhor, porque ela lida melhor”, conta. Se tiver mais de um filho, é importante contar para cada um em separado, para cada um possa ter a sua própria reação. “E conte em um lugar privado, de forma que a pessoa possa chorar, perguntar, espernear e se manifestar emocionalmente”, diz a especialista. O grupo de pais com relacionamentos homoafetivos existe há quase dez anos. Vera realiza terapias individuais e uma vez por mês há um encontro em grupo para debater temas variados, como fidelidade ou traição. Dos relatos ouvidos e das histórias vivenciadas por Vera surgiu o livro Coragem de ser – Relatos de homens, pais e homossexuais (Edições GLS), escrito por ela em parceria com Fábio Paranhos, frequentador do grupo desde o início. O livro será lançado no início de maio e narra a história de 14 pais. De acordo com os relatos ouvidos pela reportagem, o grupo desempenha um papel fundamental na vida desses pais: o de perceber que eles não estão sozinhos. “Até eu conhecer o grupo, eu achava que o mundo era feito de elefantes rosas e elefantes azuis e eu era um elefante verde de bolinha branca”, conta Adriano. “Aí conheci realidades e problemas bem piores que os meus”. Já Lúcio conta que foi no grupo que ele percebeu que poderia amar um homem. “O grupo dos pais assumidos me ensinou a possibilidade de um relacionamento afetivo”. Todos concordam em um ponto: procure ajuda. “Sozinho você não consegue”, diz Sílvio. Para preservar as identidades, os nomes de todos os personagens, exceto o de Sílvio, foram trocados. “Talvez existam tons de amor”, Lúcio*, 57, administrador de empresas Venho de uma família nordestina tradicional e super rígida. Desde pequeno eu tive trejeitos, mas sempre fui corrigido, principalmente pela minha mãe. Meu pai fazia o papel do “macho”: Uma vez, eu devia ter uns seis anos, e ouvi dele que ele preferia ter um filho morto a ter um filho gay. Estudava em uma escola conservadora, então sofria bullying, porque além de ter trejeitos, eu também era gordinho. Comecei a fazer terapia aos 12 anos. Na primeira sessão, a terapeuta me perguntou se eu era gay. Eu, claro, disse que não. Aos 14 anos eu comecei a ter relação sexual com garotos. Na época de prestar vestibular, queria fazer arquitetura, mas para agradar meus pais, fiz engenharia. Passei três anos infeliz, até decidir largar a faculdade. Decidi fazer administração e já no primeiro ano comecei a trabalhar. Fiquei independente, emagreci e estava feliz. Estava caminhando para me assumir homossexual quando conheci, por meio de uns amigos, a Laura*. Achei ela chata, meio hippie e acabei ficando amigo da irmã dela. Um dia fui até a casa dela para encontrar a irmã dela, mas ela não estava lá. Acabei ficando horas conversando com a Laura. No dia seguinte, fui encontrá-la na faculdade e depois saímos para beber. Me apaixonei por ela, que foi a primeira e única mulher com quem eu me relacionei por toda a minha vida. Nos casamos e com ela eu fiquei por 24 anos. Mas nunca deixei de ter relações homossexuais. Só que eu era hiper cuidadoso. Tinha relações, mas nunca relacionamentos. Não passava meu telefone para ninguém e nunca me encontrava mais de uma vez com o mesmo cara. Chegava em casa super culpado, tomava três banhos para tirar o cheiro do corpo, e esperava me curar. Mas dava 14, 15 dias, eu não aguentava e procurava alguém de novo. Eu nunca fui infeliz no meu casamento. Laura e eu saíamos muito, vivemos muitas aventuras. Mas quando meu primeiro filho nasceu, ela se voltou totalmente para a maternidade e a coisa foi degringolando. Ao mesmo tempo, eu me voltei para a minha carreira, trabalhava e crescia cada vez mais dentro da empresa. Por causa do meu cargo, de vice-presidente de uma multinacional, fomos morar na Ásia. Ao longo de 15 anos, vivemos em vários países, no Paquistão, na China, na Índia… Vivíamos em casas imensas, com um monte de empregados, viajávamos o mundo. Mas Laura sempre dizia que eu não a amava. Essa era a parte mais infeliz do meu casamento. Não era o fato de eu ser gay, até porque eu não achava que era gay. Eu trabalhava muito, viajava muito também. E nas viagens procurava por garotos de programa. Certa vez, conheci um garoto espanhol que era psicólogo. Ele não podia clinicar onde morava, nos Estados Unidos, porque não tinha visto, e decidiu ser garoto de programa e viajar pelo mundo. Nos encontrávamos em diversas partes do mundo. Ele tem um papel fundamental na minha história, porque ele me ensinou muito. Ele me falou sobre a importância de se viver com a verdade e que nunca era tarde para recomeçar. Ninguém me ajudou tanto quanto ele. Durante os anos, eu procurei diversos terapeutas por onde morei. Na China, fui fazer hipnose. E foi ali que eu entendi o abuso que sofri quando era criança pela minha mãe. Entendendo o abuso, entendi que era gay. Logo após essa sessão de hipnose, disse à Laura que eu era gay. Primeiro contei do abuso. Depois disse que era gay. Eu achava que ao contar para ela, eu teria me curado. E de fato, a partir de então, nossa vida sexual melhorou muito. Passei dois meses transando muito com ela. Ao mesmo tempo, sonhava todas as noites que homens enormes me espancavam até a morte. E voltei a transar com garotos de programa. A parte mais infeliz do casamento não era eu ser gay, era ela dizer que eu não a amava. Um dia, estava em Bali com ela, era um lugar lindo, e ela chegou por trás e mim e disse: “Deixe a vida te levar”. Fomos fazer terapia de casal. Nós demos todos os passos juntos. Eu respeitei o tempo dela e ela foi fantástica comigo. Mas um dia ela disse que eu teria de contar pros nossos filhos, hoje com 26, 22 e 15 anos. Ainda morávamos na Ásia naquela época. Eu então escrevi uma carta e li para os três de uma vez. Laura fez o mesmo. Quando terminamos de ler, nossos filhos vieram e nos abraçaram. E ficamos ali, na sala daquela casa enorme, abraçados, em silêncio, por uma meia hora. Depois disso, eu vim ao Brasil em uma viagem de trabalho, e contei para as pessoas que eu achava mais importante. Depois disso, pedi demissão. Dentre essas pessoas para quem eu contei, estava o meu pai. Fui até a casa dele e contei. A primeira coisa que ele me perguntou foi se não tinha mais jeito. Depois, se eu não podia fazer terapia. Eu disse que fazia terapia há anos. Ele não disse mais nada. Dois dias depois, estávamos caminhando, eu e ele, na rua da casa dele, e passamos pela banca de jornal do bairro. Ele disse ao jornaleiro: Fulano, este aqui é o meu filho. E eu amo ele. Foi a primeira vez na minha vida que meu pai me disse que me amava. Meu casamento durou 24 anos. No meu ponto de vista, eu não achava que estava traindo ela. Eu achava que eu tinha um problema e tinha que resolver. Hoje, quatro anos depois que eu me assumi, tenho um namorado, que se dá muito bem com meus filhos, mas a Laura não faz parte do meu dia a dia. Convivemos nas festas e encontros com os filhos, mas ela não frequenta a minha casa. O grupo dos pais assumidos me ensinou a possibilidade de um relacionamento afetivo. Eu achava impossível amar um homem. Hoje eu amo totalmente meu namorado. E aí eu entendi o que a Laura dizia, que eu não amava ela. Não que eu não amasse. Talvez existam tons de amor. “Não tem vítima nesta história. Bola pra frente”, Adriano*, 51, engenheiro A minha história é um conto de fadas. Percebo isso porque, depois que eu me assumi, conheci pessoas e histórias muito mais difíceis que a minha. Fui casado com a minha ex-mulher por 15 anos. Naquela época eu costumava correr no calçadão do Rio de Janeiro e um dia, depois de uma corrida, decidi dar um mergulho. Percebi que um cara ficou olhando pra mim e logo em seguida veio falar comigo. Ali eu comecei a ter relações extraconjugais com homens e assim foi, durante alguns anos. Por causa dessas relações, eu passei a me questionar, e aí percebi que a atração por homens sempre existiu, mas só depois é que você se dá conta disso. Em 2010 eu decidi conversar com a minha mulher, mas não falei sobre a minha orientação sexual, apenas disse que queria me separar. Nós éramos tipo a família da propaganda de margarina, formávamos um casal jovem, bonito, temos dois filhos – uma menina de 18 e um menino de 13 anos hoje -, então ela não entendia a razão pela qual eu queria me separar. Para os meus filhos, a separação não foi traumática, mas para a minha mulher sim. Ela não entendia o motivo da separação, porque, afinal, eu não disse. Mas um dia, eu já não conseguia mais suportar conviver com a situação. Embora eu já estivesse separado, eu não queria mais me esconder. Conheço pessoas que conseguem conviver com isso. Eu não. Então eu resolvi contar. Eu chamei ela para jantar e disse: Não me separei porque eu não gosto de você, me separei porque eu sou gay. E ela me disse: “Ah, era por isso? Então tá bom”. E assim foi. Se eu dissesse que estava com outra mulher, a reação dela não teria sido tão boa (risos). Assim que contei a ela, entrei em contato com o grupo Homopater, porque precisava saber como lidar com os meus filhos. E ali eu comecei a perceber que não estou sozinho. E que existem histórias muito piores que a minha. Para contar aos filhos, a orientação é “diga o quanto antes”. Mas eu fui, aos poucos, introduzindo meu companheiro na convivência com eles. O tempo foi passando e íamos ao cinema juntos, ele frequentava as festas de família e quase dois anos depois eu fui morar com ele. A minha expectativa era que alguém me perguntasse “quem é este cara?”, mas ninguém me perguntava nada. Então eu tive que dizer. Um dia, eu estava na praia com meus filhos e virei para eles e disse: “Eu vou dizer uma coisa para vocês e quero que vocês me perguntem o que vocês quiserem, tá?”. Aí eu contei. Depois de falar, minha filha me olhou com uma cara de tédio e me disse “ai, pai, eu já sabia”. Meu filho disse que sabia “mais ou menos”. E eu falei: “Vocês têm alguma coisa para me perguntar?” e eles disseram que não. A vida seguiu. Hoje vivo com meu companheiro, com quem já estou há seis anos. Meus filhos frequentam sempre a nossa casa e há uma excelente interação nossa com os companheiros da minha ex-mulher. Almoçamos juntos, nas festas de família estamos todos juntos. Não há problemas com eles. O grande drama foi comigo mesmo, não com os outros. Já no meio profissional, por eu trabalhar em uma profissão bastante tradicional, o ambiente é bem homofóbico, por isso procuro me preservar. Eu entro em uma reunião e, antes de começar, falam do Temer, da Dilma e aí descamba pra uma piada de veado. É sempre assim. Eu não falo nada porque não vou ser o Dom Quixote e não vou dizer para sete, oito caras, que aquilo não tem nada a ver. Esse meio, da engenharia, e o futebol, são os últimos bastiões do machismo na sociedade. Até eu conhecer o grupo de pais, eu achava que o mundo era feito de elefantes rosas e elefantes azuis e eu era um elefante verde de bolinha branca. Aí conheci problemas até piores que os meus. O que eu posso dizer é: não tem vítima nesta história. Se há alguma vítima aqui, a vítima é a sua mulher, que foi enganada. Então, bola para frente. “Eu morava num castelinho”, João*, 53 anos, advogado. Fui casado por 24 anos. Meu casamento era estável, bonito e sem conflitos e tivemos três filhos [hoje com 24, 16 e 22]. Eu sempre senti atração por homens, mas vivemos em uma sociedade na qual você se direciona para ser uma pessoa heteronormatizada. Nunca fui um pai ou marido que depreciasse a família. E para mim, ser gay era uma forma de depreciação. Por isso eu nem pensava sobre o assunto. Fui perceber que a homossexualidade era real quando eu tive um relacionamento com um homem, enquanto eu ainda era casado. Procurei um terapeuta, porque eu pensava que eu não podia destruir tudo. Eu não podia dizer para os meus filhos que o casamento era uma mentira, porque não era. Eu realmente amei a minha mulher. Fiz terapia sozinho e terapia de casal. A minha revelação ocorreu durante a terapia de casal, quando eu disse para a minha ex-mulher que estava questionando a minha sexualidade. Eu não disse “sou gay” logo de cara. O processo todo, entre eu me assumir e me separar, durou seis meses. E tudo aconteceu ao mesmo tempo. Duas clientes me procuraram naquela época querendo se separar. Uma delas tinha 70 anos e dizia que não era feliz no casamento. Outra, chegou na sequência, se queixando do mesmo. Ela tinha 60 anos. Ali, eu entendi que precisava ser feliz. E me separei. Isso faz três anos. Estava muito perdido e fui buscar ajuda na internet também. Digitei “pais gays” e achei numa reportagem uma menção ao grupo Homopaters. A orientação que a Vera me deu foi que eu deveria contar aos meus filhos e individualmente para cada um, para que cada um tivesse a sua própria reação. Eu fiz isso. Contei para cada um em um dia diferente, ao longo de três dias. A dificuldade maior não foi com eles, foi comigo mesmo. Eu morava num castelinho. Contar para os meus filhos estabeleceu um vínculo de confiança, fortaleceu a nossa relação. E sinto que meus filhos também se fortaleceram com a separação. Aquilo mostrou que a vida não é tão linear como parecia. Essa exposição minha talvez tenha feito com que eles mostrassem os problemas deles também, porque eles viram que a vida não era aquela coisa linear. Hoje, três anos depois de eu me assumir, meus filhos vivem comigo e eu tenho uma relação respeitosa com a minha ex-mulher. Nos encontramos nos eventos dos nossos filhos e não temos atritos. Meu namorado também tem uma filha de um casamento heterossexual e todos se dão muito bem. Hoje eu penso que uma das partes mais difíceis dessa história foi com a minha ex-mulher, não com os meus filhos. Há uma preocupação muito grande com que ela fique bem. Ainda assim, eu prefiro ficar no anonimato. A sociedade é heteronormatizada e cria os filhos para serem héteros e não felizes. No trabalho ainda enfrento obstáculos em relação à minha orientação sexual. Temo tornar a minha história pública e perder clientes por causa disso. Fácil não é. “A gente não sai de um armário só. São muitos armários”, Silvio Barbosa, 51, jornalista Eu sou de outra geração. De uma geração que não tinha internet, não tinha informação como tem hoje. A imagem que a gente tinha do gay era aquela do estereótipo. Como um garoto ia imaginar que havia outra possibilidade de ser gay? Por isso eu nunca imaginava. Sempre namorei mulheres. Aos 17 anos, eu tinha um grande amigo, que aliás é meu amigo até hoje. A gente se adorava. Um dia fomos fazer uma trilha com outros amigos e acabamos ficando para trás, eu e ele. Aí nos beijamos, e eu percebi que era, na verdade, apaixonado por ele. Ainda nos beijamos por outras vezes, mas durou pouco. Conversamos e dissemos, um ao outro: somos homens, isso é só uma confusão momentânea. E aquilo passou. Na faculdade eu cheguei a namorar um cara por seis meses. Mas aí descobri que ele me traía. Então o que eu tinha eram apenas os estereótipos negativos de ser gay. Ou se era afeminado, ou promíscuo. Um belo dia, eu conheci uma mulher e achei ela linda. Ela estava em um grupo de estudos que eu acabei indo pela segunda vez só para encontrar com ela. E ela estava lá. Foi paixão à segunda vista. “Essa mulher é a minha salvação”, pensei. “Agora estarei curado”. E com o nascimento da minha filha, pensei. “Agora sim eu estou curado mesmo”. Fiquei casado por 15 anos. Ao longo dos anos, eu fui ficando triste, melancólico, e não conseguia descobrir o motivo da minha tristeza. Fiz terapia, psicanálise, e nada resolvia. Eu sentia uma melancolia que beirava a depressão. Com 14 anos de casado eu frequentava um centro espírita e caiu na minha mão o jornalzinho espírita com um anúncio da Associação dos Psicólogos Espíritas. Decidi ir atrás. Cheguei lá e disse para o terapeuta: Eu estou sem saída, porque eu sei que sou gay, mas jamais poderei ser gay, porque eu amo a minha mulher. Aí o terapeuta me contou a história de um paciente que chegou no consultório dizendo a mesma coisa que eu. Mas ele era um avô de 70 anos. E me perguntou: Você vai esperar chegar aos 70 anos? Naquela mesma época um colega de trabalho começou a me passar umas cantadas. Tivemos uma relação que durou três meses, até a mulher dele descobrir e ameaçar contar para a minha. Mas não precisou. Eu mesmo contei a ela. Eu precisava viver uma paixão para contar a ela. Contar foi trágico. Foi um choque mesmo, porque ela esperava ficar casada a vida inteira, mas eu disse que não tinha opção. Escolhemos então fazer a nossa separação aos poucos, por causa da minha filha, que hoje tem 21 anos, mas na época tinha 11. No ano em que nos separamos, comecei a frequentar o grupo Homopater. Quando decidi contar para a minha filha, eu estava namorando o Rogério e ele vivia em casa, porque morava em uma outra cidade. Estava no carro com ela, e disse: – Filha, o Rogério virá para casa neste fim de semana – Por que o Rogério vem tanto para a sua casa? Fiquei em silêncio. – Você não vai responder? – Eu estou pronto para contar. Você está pronta para ouvir? – Sim – Rogério é meu namorado, filha. Silêncio. – O importante é que você seja feliz, pai. Eu perguntei então se ela já suspeitava, e ela me disse que sim, porque os pais das amigas dela que eram separados, todos têm namoradas mais novas que eles. E eu nunca havia apresentado nenhuma namorada mais nova para ela. Aliás, namorada alguma. Então, fica a dica: pais gays que não querem sair do armário, apareçam com uma mulher mais nova (risos). Para a minha mãe eu não contei logo de cara, mas passei a levar os namorados na casa dela. Teve um natal que ela disse “filho, você precisa aprender a cozinhar alguma coisa”. E eu disse: mãe, o Adrian cozinha muito bem. Ele ficou super constrangido, mas eu dei o recado. Depois disso, eu abri o jogo. Contei para a minha mãe e ela disse “ah, isso já está tão comum na sociedade, né? Até aparece na televisão”. E de fato é. Até eu conhecer o grupo Homopater, eu estava sem contato social, porque as minhas amigas saíam entre elas, e meus amigos héteros saíam entre eles para falar das mulheres. Eu me senti muito sozinho. Pensei: E agora? Me sobra quem? O grupo me mostrou novas possibilidades e me ajudou a enfrentar a solidão. De um momento para o outro, eu perdi a possibilidade de andar de mãos dadas na rua. Eu não conseguia. Só fui conseguir andar de mãos dadas no meu quarto relacionamento homoafetivo. A gente não sai de um armário só, né? São muitos armários. Eu passei uma vida inteira achando que não era possível amar. E depois percebi que a gente não casa com uma mulher para se esconder do mundo. A gente casa porque confia que o casamento pode nos curar. Reportagem publicada no El Pais Brasil, da jornalista Marina Rossi