O 7º Encontro Nacional Universitário de Diversidade Sexual (Enuds) em Belo Horizonte está perto do fim, mas os seus debates e personagens não. Letícia P., 21, formada em pedagogia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), está no evento "para saber o que o mundo acadêmico está discutindo a"respeito das travestis e transexuais", disse.
A moça, que no momento faz a sua segunda graduação em Letras pela Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), nos conta também um pouco do seu processo de adequação que está fazendo no "Hospital Universitário Drº Pedro Ernesto (HUPE-UERJ) desde julho".
Muito simpática, Letícia fala um pouco de sua vida pessoal e avisa que está "dando um tempo" do namorado. Ainda sobre o mundo do saber ela reclama e diz que sente falta de um debate voltado para a questão "biológica", pois, segundo ela, muitas amigas trans "acreditam que são doentes".
Confira a seguir o bate papo realizado com a moça no último sábado (05/09) no 7º Enuds, que acontece na imensa Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Por que você está participando do Enuds?
Essa é a primeira vez que venho. Vim porque acredito ser um espaço interessante para mim, já que eu teria contato com debates sobre a questão trans. Vim também para saber o que se está falando sobre as travestis e as trans, pois, eu sinto falta disso.
E como está o debate sobre a questão trans?
Eu ainda não vi muito, a primeira seria essa (debate sobre o filme "Glen ou Glenda" do diretor Ed Woods com base na teoria de Berenice Bento) e agora a tarde vai ter um GT (Grupo de Trabalho) de Travestilidades e Transexualidades que eu irei participar. Mas, eu sinto falta do embate teórico. Nós temos hoje a Berenice Bento que é pioneira nessa questão, mas voltado para questão da política de identidade. Sinto falta do debate biológico. Eu tenho amigas trans que acreditam que são doentes e eu não consigo debater com elas. Fica parecendo que o discurso patologizante (que considera a transexualidade uma doença) convence mais.
Você chegou a pensar que era doente?
Sim. Eu fui pesquisar o tema e a primeira coisa que apareceu no internet é que eu sofria de disforia de gênero. Depois vem o estereotipo, que se você é trans tem que ser de um jeito. Depois que eu descobri outras teorias, eu mudei.
Quando que você se entendeu como mulher?
Desde pequena, mas nessa época eu pensava que era uma guei feminina que saía com héteros. Foi com dezessete anos que eu comecei a perceber que era uma mulher trans.
Na primeira faculdade você ainda era menino?
Sim.
A adequação foi durante o curso? Como foi o processo?
Eu fazia parte do diretório estudantil, tinha amigos gays e fui descobrindo. Eu conversava muito com as pessoas e comecei a conhecer outras transexuais. Na primeira faculdade eu era a guei e agora, do último período pra cá, que eu comecei a contar para os meus amigos. E, isso não tem muito tempo, tem dois meses que eu comecei com o processo hormonal.
Você está participando de algum núcleo de hospital ou universidade?
Estou no programa do Hospital Universitário Drº Pedro Ernesto (HUPE-UERJ) desde julho.
Você concorda com a história de um laudo médico para dizer se você é mulher ou não?
Não concordo. Eu já nasci mulher.
Você teme passar por todo o processo (dois anos) e no final dizerem que você não é mulher?
No começo eu temia, pensava que tinha que ter o laudo de qualquer jeito. Mas antes de ir para o UPE eu fiz um laudo em uma clínica particular. Ele disse que eu era trans e eu fique aliviada. Mas, hoje em dia não tenho mais paranoia com a questão da cirurgia, como se ela fosse resolver os problemas da minha vida. Se disserem no final que eu não poderei operar, não será isso que me fará deixar de ser mulher.
Você sente repulsa pelo seu órgão?
Não. Se eu quiser e sentir vontade, vou a um lugar reservado e me masturbo, não tenho esse tipo problema. Eu escondo por que não dá pra sair com roupa de menina… você entendeu né? Eu consigo viver com isso. Mas quando eu olho (o pênis) eu sinto que aquilo não faz parte de mim.
No primeiro curso você era chamada pelo nome de registro?
Sim.
Te fazia mal?
Não. Eu tenho uma cosa que é assim: quando eu estou vestida de menino eu me sinto mulher, mas não me incomodo, tanto que eu não gosto de ser confundida com gay. Quando acontece de me chamarem de gay, estão me confundindo com algo que não sou. Então é assim: mesmo com roupa de homem eu quero ser vista como mulher.
E na matrícula, está o nome de registro ou o feminino?
O masculino. Ainda não mudei.
Você não pensa em mudar?
Não. É tranqüilo. Eu falo com o professor, explico para ele que sou uma trans, que estou no processo de adequação e que se ele puder me chamar pelo nome social… E até agora não tive problema. Eles riscam (o nome masculino) e me chamam (pelo nome feminino). Não tenho aquela coisa, "não vou dizer o meu nome masculino de jeito nenhum!". Não é o nome que me faz homem ou mulher. O que mais me incomoda é ser confundida com guei ou travesti. Não sou travesti e nem guei, sou uma mulher. Mas não quero dizer que me acho melhor que a travesti, pois existe esse tipo de preconceito entre algumas trans.
Você está namorando ou ficando com alguém?
Estava namorando até umas duas semanas e agora a gente está dando um tempo.
Ele lidava numa boa?
Ele era super legal, tinha 28 anos, aceitava a questão da minha transexualidade. Saíamos juntos, ele me levava pra festas, os pais deles sabiam… Nós tínhamos uma relação ótima.
E a sua família?
A minha mãe sabe. Ela ficou abalada no começo, mas agora está aceitando numa boa. Agora com o meu pai, a gente ainda não conversou. Eu escondo dele. Quando vou sair, saio vestido de menino com a roupa de menina por baixo e tiro na rua. E eu vou vivendo assim. Em um momento não vai ter como esconder, como ainda estou no começo do processo de adequação ainda não dá pra perceber nada.