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Não tem cara nem faz carão, não deixa telefone nem MSN: os prazeres do sexo anônimo

Não tem cara nem faz carão, não deixa  telefone nem MSN: os prazeres do sexo com um desconhecido

Poucos temas são ainda tabu entre os gays. Depois de anos de luta pelo reconhecimento de nossos direitos, conseguimos falar abertamente sobre nossa vida sexual, muito mais que os héteros fazem. No entanto, o sexo anônimo ainda é um tema polêmico. Quase todo mundo faz, mas poucos gostam de admitir que se jogaram em dark rooms, saunas e afins. Ou mesmo que já transaram no banheiro da festa badalada com quem só trocou olhares.

 Sexo com desconhecidos ainda é carregado de preconceitos. Muitas vezes é associado a coisa suja. Por ser focado exclusivamente no prazer, é carregado de culpa e pecado. Também há quem pense ser egoísta, porque não cria laços nem se importa muito com o outro. Remete a instintos mais animalescos, pouco civilizados. E por tudo isso é altamente excitante.

Invisibilidade
Havia um tempo em que o sexo anônimo se justificava pela repressão. Impedidos de buscar carinho e afeto de outros homens, gays caiam de boca em cinemas empoeirados das grandes cidades, ou em cubículos escuros de saunas cujos endereços só eram conhecidos por quem entendia.

Foi assim que muita gente iniciou sua vida sexual nos anos 70 e 80. A antropóloga Carmen Dora Guimarães, autora do livro O Homossexual Visto por Entendidos (Editora Garamond), destaca que o anonimato, naquela época, transmitia segurança para os gays, o que acabava funcionando como uma forma positiva de afirmação da sexualidade. Era, na maioria dos casos, a única forma possível de fazer sexo com outros homens.

 Hoje, esse tipo de comportamento ainda persiste em algumas pessoas e para alguns segmentos. Não por acaso, os cinemas de pegação lotam de homens engravatados no final da tarde. São gays ou bissexuais que entram sorrateiros e saem sem querer saber o nome de quem acabou de fazer sexo oral.

 "Só freqüento lugares que permitem sexo anônimo. Não vou a casas noturnas, bares e restaurantes GLS porque tenho medo de encontrar conhecidos", declara Pedro Oliveira – nome fictício-, que trabalha em um órgão público da prefeitura de São Paulo e é membro da Igreja Renascer em Cristo. No entanto, gays bem inseridos na comunidade GLBT também procuram sexo anônimo e o motivo não é a invisibilidade.

Praticidade
Um dos motivos mais alegados por quem faz sexo anônimo – se é que existe algum gay que não faça-, é a facilidade de se encontrar um parceiro. "Cansei de me apaixonar, de investir em relacionamentos duradouros", diz o ator Carlos Novaes. "Mas não dá para me livrar do sexo quando pinta a vontade, dou uma volta pelo Ibirapuera e pronto. Sempre consigo alguém". Carlos é um freqüentador do Autorama – local de encontro de homossexuais localizado no parque do Ibirapuera, em São Paulo. "Agora não precisa nem chegar lá onde funciona o Autorama. Nas ruas mesmo eu já sinto a pegação". Para ele, o sexo com desconhecidos é uma forma de evitar o envolvimento afetivo.

O assessor de comunicação Paulo Duek concorda. "Faço sempre. Nestes tempos de solteirice, não há muita escolha. É descompromissado e tem outro foco", diz ele. Embora não faça do sexo anônimo uma escolha permanente, Paulo admite que é uma alternativa saudável para ele, ao menos até encontrar alguém para se relacionar.

 "Se essa opção é satisfatória e não traz problemas, não há porque condenar", diz a psicóloga Cátia Oliveira. "Tanto no caso do Carlos, que fez do sexo anônimo a única forma de se relacionar, quando no do Paulo, que encara isso como algo passageiro, é saudável o fato deles terem escolhido essa via por conta própria, e não por medo ou vergonha da homos-
sexualidade", completa.

Fantasias
O fato de não se criar vínculos com o parceiro do sexo anônimo, permite que se aja mais espontaneamente. Sem as amarras dos laços sociais, os parceiros se entregam mais facilmente aos desejos que, em outras ocasiões, não gostariam de ver revelados.

"Acho que o sexo anônimo é o sexo que mais mexe com a fantasia do homem", diz o produtor cultural Rodrigo Faria. "Abre a possibilidade de ser aquilo que comumente com um amigo ou parceiro você não seria, por conta do superego e dos estigmas sociais". Rodrigo lembra que mesmo encontros marcados pela Internet podem permanecer anônimos. "Você usa o nome que quiser". A vantagem, segundo ele, é pré-combinar o que cada um curte e o que poderá ser a transa. 

 Rodrigo, no entanto, diz que busca hoje levar para relacionamentos mais sérios a mesma adrenalina do sexo anônimo. "Já fiz sexo anônimo e adorei. Mas não é freqüente em minha vida. Prefiro um namoro sério, mesmo sem as possibilidades que o sexo anônimo pode proporcionar, ainda assim, tentando chegar perto!".

 Talvez seja esse o motivo de vários casais gays optarem por relacionamentos abertos. "É uma forma de você equilibrar a cumplicidade do casamento com a aventura do sexo anônimo", diz Cátia. "O casal fica, dessa forma, com o melhor das duas situações".

Fetiche
Na música "Mãos Estranhas", Paula Toller fala dos prazeres do sexo com desconhecidos e a fantasia aparece como o principal afrodisíaco. "Não sei quem é ele. Pode ser quem eu quiser. Não sei quem sou eu. Posso ser quem ele quiser. Mãos estranhas abrem minha roupa. Meu futuro já vai começar". Até mesmo as noções de verdade e mentira são suspensas em um encontro casual. "Adoro dizer eu te amo sem romantismo, sem planos, sem compromisso de ser feliz", termina a letra.

Na vida real, esse é também um dos grandes atrativos do sexo anônimo. "Acho mais interessante do ponto de vista do fetiche, encontrar alguém que não se conhece e dividir um momento de grande intimidade", revela o jornalista Tino Monetti. "Já fiz pela experiência, não faço mais, e foi bacana pela questão do fetiche, não pelo ato em si, já que prefiro algo com tempo e sem limites e medos". 

 "Nesses casos, sentir-se objeto é fonte de prazer", explica Cátia. "A pessoa sabe que está ali pelo seu corpo e pelo sexo que pode proporcionar. Profissão, status ou outros determinantes sociais não entram na conta do sexo anônimo". Claro que, apenas com base na aparência, o parceiro pode fantasiar à vontade, mas é justamente essa uma das graças da brincadeira.

Perigo

A sensação de perigo geralmente associada ao sexo anônimo é também um forte atrativo. Como é geralmente praticado em locais públicos (banheiros, cinemas, parques), há uma iminente chance dos envolvidos serem pegos. "Há um lado transgressor nisso tudo, o que mexe com o lado proibido", diz Cátia. "Nessa zona de perigo, por incrível que pareça, a pessoa se sente à vontade para liberar suas pulsões reprimidas".

"Gosto de cruzar com alguém na rua, trocar olhares e cair num terreno baldio para fazer sexo", diz o radialista Hélio Okawa. "Foi assim que comecei minha vida sexual e acho que o medo de ser pego é um sabor a mais". 

Como diz a música, "qualquer maneira de amor vale a pena" – até mesmo o anônimo.

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