Fernando Carpaneda nasceu em Brasília e atualmente vive em Nova Iorque. Artista plástico com um consistente trabalho exposto em galerias mundo afora, Fernando lançou também sua autobiografia, "Anjo de Butes" – livro que tem duas versões de capa, e numa delas o autor aparece em nu frontal.
No momento, Carpaneda integra uma exposição coletiva em Nova Iorque ao lado de figuras lendárias do underground americano, como a pioneira transexual Jayne County. Na estreia da expo, até Debbie Harry, eterna vocalista do Blondie, apareceu. Confira a seguir entrevista exclusiva com Fernando.
Como surgiu a idéia de escrever o livro?
Uma das razões foi que recebo sempre muitos emails de artistas, vindos de várias partes do Brasil, onde me perguntam como conquistei o reconhecimento que tenho no exterior. Achei útil contar minha trajetória, bem como as dificuldades de ser artista plástico no Brasil. Também quis escrever sobre algumas questões culturais que foram fundamentais para a história de Brasília e que jamais deveriam ser esquecidas, pois marcaram a cidade na década de 80 e influenciaram as décadas seguintes. Isso sem esquecer de contar aspectos sobre o meu processo criativo e a maneira como me envolvo com meus retratados. Muitas pessoas têm curiosidade sobre esses assuntos. Fiz questão de não omitir nada.
Você acredita que todo artista deve se expôr publicamente e revelar vivências pessoais?
Acho necessário! Não quero que minha família faça o mesmo que a família do Leonilson fez depois de sua morte. Sua família tentou esconder ao máximo a homossexualidade e sua vida gay como se isso fosse alguma coisa ruim. Acho que família alguma tem o direito de interferir na vida de um artista dessa forma. O pecado está na mente dos outros, não na minha. Eu nasci nu e quem criou meu pau foi Deus!
Para você, quais as diferenças e semelhanças entre as noites de Brasília, São Paulo, Londres e Nova Iorque?
Acho que a diferença principal está na atitude das pessoas em se vestirem. Em Nova Iorque e Londres elas são mais fashion, usam produções louquíssimas e inovadoras. A noite de São Paulo é tão boa quanto a de Nova Iorque e a de Londres e pode-se achar pessoas com ótimas produções. Também gosto da noite de Brasília, mas acho que as pessoas são caretas. As festas em Brasília parecem festas de funcionários públicos com todo mundo usando o mesmo tipo de uniforme. Não existem muitas pessoas criativas e com atitude na noite brasiliense. Mas existem algumas exceções, claro, como Toxic Candy e Alisson Dee Vine que fazem a diferença na noite da capital.
Por quê você decidiu colocar uma foto sua de nu frontal na capa do livro? Você se considera um exibicionista? Quais são seus fetiches sexuais?
Minha foto nu na capa do livro é uma extensão do meu trabalho. Ultimamente meu fetiche sexual tem sido o Jake Gyllenhaal! (risos). Não me considero um exibicionista. Apenas faço o que gosto e meu trabalho aparece justamente por ser idôneo, verdadeiro.
Você acha que a sexualidade continua reprimida, um tabu? Em que medida o seu trabalho lida com o tema e qual seu objetivo com ele?
Sim, acho que a sexualidade masculina continua reprimida. Quando o assunto é mulher todo mundo se sente mais à vontade. A mídia geralmente não tem problemas em mostrar duas mulheres se beijando porque a mulher ainda é tida como objeto na sociedade e está no imaginário do consumo masculino, daí ser mais aceito. Meu trabalho mostra a sexualidade entre homens e isso ainda incomoda muita gente. Principalmente segmentos religiosos ortodoxos, tradicionalistas.
Como você analisa seu trabalho nas artes plásticas? Você acha que o homoerotismo é mais aceito no exterior do que no Brasil?
Creio que rompi a fronteira da mera representação modista e afetada. Estou desde os doze anos trabalhando com arte. Não dependi de favores do governo, de curadores ou apadrinhamentos para construir uma carreira. Trabalho e vivo arte integralmente. Sou respeitado pela crítica oficial e pela marginal. Minha arte e eu somos uma coisa só. Tanto no lado bom quanto no lado mais obscuro. Sou feliz assim. Sou autêntico e é disso o que meu trabalho necessita e relata. Com certeza o homoerotismo é mais aceito no exterior do que no Brasil. No Brasil existe apenas uma galeria de arte que mostra arte underground e arte homoerótica, é a Plus Galeria que fica em Goiânia. As outras galerias que dizem mostrar arte underground não são abertas à arte homoerótica. O meio artístico brasileiro é machista e cheio de conservadorismos.
Fale sobre suas próximas exposições nos EUA.
Vou expôr em diversos estados americanos a partir do final de agosto com a mostra "Jayne Countys Sex! Art! Music". A exposição vai ser uma turnê com os famosos artistas da Factory do Andy Warhol e conta com a participação de Shepard Fairey, o artista que fez o famoso retrato do Obama, e Jayne County, que foi uma das primeiras transexuais a fazer operação de mudança de sexo nos Estados Unidos.
Gostaria que você contasse como surgiu essa expo com a Jayne e como tem sido a parceria nesse trabalho.
Tudo começou quando Billy Name, que criou o design da Factory sendo fotógrafo oficial de Andy Warhol, me convidou para fazer parte do grupo Anté Art Superstars. O grupo é formado por algumas celebridades como o Miestorm, o famoso barman da boate Studio 54, mais conhecido como Lenny 54, Jayne County, entre outros. Nós nos conhecemos no Chelsea Hotel para uma sessão de fotos oficiais do grupo para a imprensa de Nova Iorque. A mostra é uma homenagem a Jayne e a todo seu trabalho em música e artes plásticas. Participam da exposição: Ultra Violet, Billy Name, Mary Woronov, Louis Waldon, Anton Perich, John Conroy, Walter Steding, Prairie Prince, Hoop, Sue Rynski, The Floydian Device, Shepard Fairey, Mick Rock, e os artistas do grupo Anté Art Superstars: eu, Miestorm, Alex Kaminski, Milo Rock e Jayne County.
Qual sua opinião sobre o atual estado de coisas no mundo da literatura e das artes plásticas no Brasil?
O Brasil possui ótimos artistas plásticos e escritores. Tenho percebido algumas mudanças no cenário atual. Mas acho que muita coisa ainda tem que ser feita para que possamos abrir espaço para todos os talentos que temos e que determinada crítica, embasada por uma mídia preconceituosa e silenciadora, insiste em não dar voz.