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Negro e gay: Do fetiche a discriminação

O universo gay é bastante segmentado. SM, ursos, musculosos, modernos, negros… Muitas vezes, esses segmentos acabam por se tornar fetiches – já que fogem do padrão dominante. Fora desse universo, no entanto, gays negros são vítimas de dupla discriminação: a da cor da pele e a da orientação sexual.

É esse o caso do estudante de comunicação Jardel Nascimento. Negro, alto e um pouco acima do peso, ele diz que encontra dificuldades para encontrar parceiros nas salas de bate-papo. "Isso porque sou passivo. Se entro com o nick ‘negro’, chove bee perguntando se tenho o pau grande. Quando respondo que não gosto de comer, caem fora".

Esse depoimento comprova que os estereótipos relacionados ao negro são também fortes na cultura gay. O negro forte e reprodutor da época da escravidão é símbolo de virilidade e potência. Como Jardel gosta de ser passivo, está fora do mito, e, portanto, é visto como corpo de segunda categoria. "Na vida real, quando vou a saunas ou casas noturnas, não costumo ter problemas, mas uma vez, em um clube de orgias, teve um cara que saiu da transa coletiva dizendo que não gostava de negro se esfregando nele", declara.

O publicitário Marcos Silva já passou por situações parecidas. "Eu estava na pista da Bubu beijando um cara loiro, bem branquelo, mas muito bonito. Daí, apareceu um moreno que esperou um vacilo meu para dizer: ‘larga esse preto e fica comigo, eu cheiro bem melhor que ele’. Fiquei passado e só não parti para a briga porque não sou dessas coisas". Para Marcos, o que mais chamou a atenção foi o fato que o intruso nem era tão branco assim. "Tinha o nariz largo e os lábios grossos, indicando ascendência negra como a minha".

Branqueamento
Cientistas sociais como Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Hollanda já mostraram há várias décadas que, para serem aceitos, alguns negros passaram a adotar comportamentos que os faz se aproximar do universo branco: alisam o cabelo e rejeitam qualquer coisa que possa associá-los às suas origens: do samba à capoeira. "Tem muito mestiço que evita tomar sol para não ficar escuro", diz Marcos.

No universo gay, há os que buscam no ideal de corpo "barbie" a redenção. "Elas pensam que, bombadas, ninguém vai se ligar na cor da pele", diz Jardel. "No entanto, acabam reforçando o estereótipo do negro-macho-reprodutor". Dessa forma, é possível dizer que o virar barbie é uma estratégia, também, de branqueamento.

Padrões positivos
No entanto, há sinais de mudança. O fato de a mídia apresentar homens negros como símbolos sexuais  (Lenny Krawitz e Lázaro Ramos são bons exemplos), tem feito com que jovens gays e negros passem a valorizar seu corpo e sua cultura. "Eu deixei o cabelo crescer tipo black power", diz Jardel.

Na Inglaterra, o grupo Black Gay Men é um dos mais importantes centros de militância que busca, justamente, valorizar a negritude entre os gays. "É um desafio construir uma comunidade que reúna gays negros", diz Rob Berkeley, fundador do grupo. "Especialmente porque há vários fatores que jogam contra a valorização cultural dos negros. A homofobia dos cantores de rap jamaicanos, por exemplo, não me deixa mentir. Mas temos conseguido alguns avanços".

Segundo Rob, valorizar a negritude entre os gays é uma missão importante não apenas para combater o preconceito. "Temos outros resultados decorrentes da valorização da cultura negra entre os gays. Entre eles, posso citar os avanços contra a epidemia de HIV/Aids". Rob explica que, entre os negros gays do Reino Unido, a incidência do vírus HIV é duas vezes maior que entre os gays brancos. "De alguma forma eles ficaram excluídos das campanhas de prevenção", explica. "Só recentemente as autoridades de saúde perceberam que precisam ter estratégias diferenciadas para essa dupla minoria".

Militância
Segundo Cipriano Filho, membro da Articulação Política da Juventude Negra do Estado de São Paulo, a questão da homossexualidade é recente no movimento negro. "A velha guarda se escamoteia e não leva esse assunto devido ao machismo que existe dentro do próprio movimento negro nacional. A juventude, no entanto, consegue discutir as duas formas de discriminação – racial e por orientação sexual – conjuntamente", afirmou.

Vicente Ferreira dos Santos, assessor parlamentar para questões relacionadas a negros e GLBTs, também afirma que a discussão conjunta da discriminação contra gays e negros é coisa recente. "A esquerda histórica resiste discutir racismo e homofobia, assim como não discute o afeto. De modo geral, a esquerda clássica ainda tem como mote a luta de classes e não percebe a existência de lutas paralelas, ligadas a raça, etnia, gênero e orientação sexual".

Santos afirma que a incorporação de temas relativos à orientação sexual no movimento contra o racismo coloca em xeque estereótipos relacionados aos negros. "A imagem do negro reprodutor ou da negra fogosa são mitos que vêm da época da senzala. O negro foi exaustivamente retratado como viril, másculo, garanhão, o que na época da escravidão animalizava as pessoas. Quando a questão da homossexualidade é introduzida, esses mitos são desconstruídos", afirma. "A nova sociedade não aceita mais os papéis padrões e, agora, o movimento negro começa, a partir da discussão da sexualidade, perceber que essas imagens estereotipadas são prejudiciais".

De acordo com o assessor parlamentar, a "velha guarda" do movimento negro ainda resiste à incorporação da homossexualidade em suas bandeiras, mas os jovens tratam do tema. "Não dá mais para ouvir frases do tipo ‘além de negro é viado’".

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Eu os declaro…