A evasão escolar entre as travestis e transexuais é gigantesca. Entre outros fatores, um dos ingredientes da receita de deixar as travestis longe dos bancos escolares é não atender a um simples pedido: elas desejam ser chamadas pelo nome social e não pelo nome de registro. Essa discussão já está há muito entre a militância e já consta como uma das dezenas de reivindicações que movimento gay faz para os parlamentares, mas a tramitação de tudo que não é de interesse deles é lenta, tão lenta que muitas vezes caduca, como a PCR – Parceria Civil Registrada -, de Marta Suplicy, que depois de 13 anos, não contempla mais a necessidade atual.
Mas a questão sobre o nome social é muito mais simples. Ninguém está pedindo para a RG constar o nome social – ainda. Ninguém está pedindo para que a carteira profissional esteja em nome de "Sarah Jéssica" e não "Manuel dos Santos". O pedido é simplesmente que os órgãos públicos e instituições privadas disponibilizem um campo extra em seus formulários e que este campo seja respeitado. Me parece tão simples que acho até desnecessária tanta briga em torno disso, mas no fim é uma briga válida, porque o preconceito por aqui vem de cima para baixo.
Quem tem o poder de implementar medidas tão simples não tem qualquer interesse e acaba classificando como "absurdo", que as pessoas precisam ser chamadas pelo nome de registro, que é ilegal, que não pode-se reconhecer uma pessoa que legalmente não existe. Mas na minha visão é algo tão simples quanto colocar no bilhete aéreo "Sr.", "Sra". É um prefixo.
E isso é uma necessidade que vai além das travestis. Existe muita gente com essa necessidade e as vezes até é atendida. Na minha faculdade tem um rapaz que chama-se "Donizete", mas a vida toda foi conhecido como "Douglas". Não tem nada de mal em chamar de Donizete, nem é um nome dos que os juízes classificariam como vexatório, mas é uma coisa que o acompanha desde a infância e porque não respeitar? Tanto que hoje ele é chamado pelos professores de Douglas, ainda que na lista de chamada conste o nome real. Agora, não seria mais fácil ter essa informação no ato da matrícula? Com no site "Maxpress", voltado a jornalistas, que eles perguntam "como gostaria de ser chamado?". Simples, não é?!
Mas para quem legisla por aqui não parece tão simples assim. Até minha mãe, heterossexual e com um nome nada vexatório, iria preferir usar o nome social ao de registro, já que até eu quando era criança, lá pelos quatro, cinco anos, nem sabia que o nome dela não era "Kátia". Doido, né? Mas liga no escritório dela e pergunta pelo nome real. Vão dizer que não tem ninguém com este nome. E olha que ela é da área de direito, hein! Eu mesmo detesto quando vou ao médico e eles insistem em me chamar de Erik C…, o meu nome do meio, que prefiro ocultar.
Aqui neste país da piada pronta, como diz o Simão. Neste país de tupiniquins. Neste país onde se mata homossexuais quase todos os dias e a justiça não está muito preocupada com isso, é mais fácil acontecer os avanços localizados, vindos do rodapé da pirâmide. É mais fácil algumas travestis se reunirem em seus campus, irem até o reitor e protocolar um pedido formal para serem chamadas pelo nome como são conhecidas do que isso oficializar-se via lei ou portaria. Mesmo porque isso é uma forma de institucionalizar a coisa. Se cada uma fizer esse pedido individualmente, de acordo com suas demandas, vai chegar uma hora que será preciso oficializar.
É uma coisa como o mercado de imóveis faz. Quando eles querem ganhar dinheiro em um bairro não muito bom, eles colocam o "Novo/a" na frente e pronto, dobra os preços e o lugar passa a ser um bairro hype. Nova Barra Funda, Vila Nova Conceição, Alto da Lapa. Todos bairros que hoje constam na lista do correio, mas só passou a existir oficialmente porque o mercado imobiliário criou a demanda. E por que não usar este exemplo para o nome social?
Ainda que para isso ser reconhecido oficialmente e nacionalmente vai levar muito mais tempo do que se houvesse uma lei, mas é mais eficaz do que ficar esperando que alguém faça alguma coisa. É o que chamo de militância cotidiana. É militar para você mesmo e para seus amigos até que um dia isso tome corpo.
E enquanto nada disso acontece, pelo menos os porteiros do meu prédio recebem meu namorado muito bem e chamam minha vizinha do décimo de Gretta e não pelo nome que de suas correspondências. Pelo menos por aqui estamos livre do preconceito. E ainda que os militantes de carteirinhas ou os radicais de plantão vão me criticar, dizendo que essa é uma visão assim ou assado. Já adianto: acredito e confio muito na eficacia desta militancia individual e cotidiana, que não sobrepõe e sim soma-se aquela feita pelo movimento.