Comumente acontece no Brasil de grandes artistas serem reconhecidos fora do país ou postumamente. Não podemos dizer que isso acontece com o João Silvério Trevisan. Quer dizer, apenas em partes. Quando você estiver com o livro "Rei do cheiro" em suas mãos tenha a certeza de que se trata de uma obra única da literatura brasileira contemporânea.
O ponto de partida do romance se dá com o anúncio de uma gravidez quíntupla de gêmeos, em um programa de rádio popular dos anos 50. Todo o Brasil se mobiliza para ajudar. Porém, três dos gêmeos morrem e nascem apenas dois meninos. Os pais não querem dar nomes brasileiros e comuns. Então decidem homenagear o rei espanhol Carlos Juan. Assim, batizam os meninos Ruan Carlos e Carlos Ruan.
Ruan Carlos não se conformava em viver em uma cidade interiorana como Pirineu Paulista. Decidido, ruma a São Paulo para ser grande e dominar. A partir daí acompanhamos a saga de Ruanito, para os íntimos, que, com empréstimos, monta a sua primeira loja na rua 25 de Março. Nasce aí a perfumaria Rei do Cheiro. Em pouco tempo ele chega ao topo. Não dá pra contar mais nada, senão perde a graça a leitura.
O que vale ressaltar aqui é a linguagem que Trevisan se utiliza para contar essa história de uma utopia e o fim dela. O tom é amargo e a cronologia é complexa. Sabemos do tempo histórico através da narração de programas radiofônicos, televisão e internet. Em muitos momentos a narrativa utilizada pelo escritor lembra a de José Saramago em "Ensaio sobre a Lucidez", onde o clima é tenso e a história se mistura com as vozes de personagens.
Muita gente ao ler a obra pode dizer que ela é amarga e pessimista em demasia. Podemos afirmar que é realista. Trevisan consegue, em seu "Rei do cheiro", sintetizar a frustração de muita gente com o governo do Partido dos Trabalhadores e a chegada de Lula ao poder. O escritor aponta ainda como este se tornou igual e muitas vezes pior do que aqueles que criticava enquanto oposição. Enfim, "Rei do cheiro" é a leitura da vez.