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O Direito de Amar

Outro dia estava relendo o livro da Edith Modesto “Entre mulheres – depoimentos homoafetivos”- Edições GLS, e uma frase me chamou muito a atenção. “As coisas têm que ser feitas para construir condições de sair do armário, cada um no seu tempo, no seu ritmo. Porque viver às claras é muito melhor, é muito mais quentinho e gostoso viver sob o sol do que mofando em um armário”.

Sou cinquentona, como se dizem por aí, e a idade me tornou capaz de viver as dificuldades com mais integridade e facilidade. Confesso isso pra dizer que sou lésbica assumida publicamente. Quer dizer, jornal, revista, mídia em geral, não faz muito tempo. Antes disso, ficava evidente que eu era lésbica porque me relacionava afetivamente só com mulheres e nas poucas vezes que me perguntaram nunca neguei.

Afirmo com todas as letras, sem qualquer arrependimento, que obtive muitos benefícios abraçando publicamente minha identidade lésbica. Posso citar alguns: fiquei mais bem humorada, traquila, segura e minha autoestima melhorou muito. Realmente, mofar dentro do armário não é legal. Agora para viver sob o sol de maneira plena e sem receios, você tem que respeitar o seu ritmo e aos poucos ou rapidamente construir condições de se assumir.

Não é toda lésbica que pensa dessa maneira. Por diversos motivos, muitas têm uma identidade dupla, vivem variados conflitos e inventam vidas ficcionais para contar para os colegas de trabalho, amigos e familiares. Convido as minhas leitoras a refletir sobre o assunto. O mundo imagina muitos destinos para nós homossexuais e cabe a nós criar outras possibilidades, mais felizes e alinhadas com nossa verdadeira identidade. Vamos caminhar em direção das luzes e passo a passo em direção à liberdade sem problemas e sem culpas.

Medo, vergonha, constrangimento, estranhamento, culpa e a homossexualidade sempre considerada como transgressão, acaba tornando a “saída do armário” mais complicada.Afinal, o que leva algumas mulheres homossexuais a assumir sua orientação sexual em jornais, revistas, enquanto para outras o simples fato de espiar fora do armário é uma batalha?

Durante séculos, nas culturas ocidentais, o amor lésbico tem sido silenciado em público. Não vejo sentido nisso e como ser humano não me sentia realizada e feliz quando não podia ou achava que não conseguiria exercer livremente minha sexualidade. Ou seja, podia controlar meu comportamento, disfarçar, ter namoricos com garotos, inventar isso e aquilo, mas o meu desejo não!

A minha atração afetiva e sexual sempre foi por garotas. Daí, depois de vários conflitos internos, externos, angústia e sofrimento, resolvi, respeitando o meu ritmo, não sair do armário, eu literalmente arrombei o mesmo e, para minha surpresa, as reações foram as mais inusitadas. Inclusive, bem engraçadas.

A revista IstoÉ publicou uma matéria na seção Comportamento sobre o mundo das lésbicas e numa das fotos eu aparecia abraçada com a minha companheira.
A foto é colorida e eu estava de batom vermelho. Recebi um telefonema de uma ex-colega de trabalho com quem convivi durante mais de 10 anos, comentando que não havia gostado do tom do batom e que na próxima vez que nos encontrássemos ela me presentearia com outro. Ela começou a conversa dizendo que tinha lido a reportagem.

Eu, um pouco apreensiva e curiosa, esperava qualquer tipo de manifestação, menos esse comentário. Resultado: cai na gargalhada. A reportagem foi publicada em setembro e de Natal ganhei um batom novo da Luciana.

Deixe seus grilos e medos de lado, ame e anuncie seu amor, diga, confirme, declare, respeitando seu ritmo. Sair do armário não é uma afronta, é um direito! Faça uso dele. Dar esse passo em direção à liberdade de ser o que é importa muito. Ninguém pode realizar-se como ser humano se não tiver assegurado o respeito de exercer livremente sua sexualidade com quem desejar.

O amor nos proporciona uma experiência de transformação, é fundamental para o nosso amadurecimento. Vivendo seu amor de forma plena e livre, você vai ajudar na luta contra o ódio e preconceito homofóbico. Além de uma luta individual, é social. Você tem esse direito.

Se você é lésbica, você NÃO pode: se casar com sua parceira e usar o sobrenome dela; receber abono-família ou auxílio-funeral; ter licença-luto para faltar ao trabalho no caso da morte dela. Mas você PODE amar e ser feliz ao mesmo tempo. Eu garanto.

Nosso amor esta mais visível que nunca: filmes com temática lésbica, paradas gays, casais homossexuais nas novelas, nos anúncios, na literatura com a publicação de livros de ficção e não ficção sobre o amor entre mulheres. Não vejo sentido em esconder o nosso amor. Arrisque, ouse, ser mulher e amar outra mulher não é pecado.

A escritora Cassandra Rios, apesar de não ter assumido publicamente sua homossexualidade, censurada com 36 livros proibidos durante o regime militar, em sua última entrevista respondendo a pergunta: O que você acha do modo como a homossexualidade é tratada hoje? disse: “Há forças de ação e de retração. Alguns homossexuais estão saindo do subsolo em que viviam, se manifestam. A maioria ainda se esconde. Escrevi uns 30 livros sobre homossexualidade.É o máximo uma mulher ter coragem de falar que ama outra mulher, ou um homem falar que ama um homem…com pureza. Os homossexuais têm coragem de amar”.

Mulheres são maravilhosas. Não é à toa que tantas mulheres se apaixonam e amam mulheres.

Exercite seu direito de amar. Feliz natal!

* Hanna Korich é uma das sócias fundadoras da Editora Malagueta, agora Brejeira Malagueta – a primeira e única editora dedicada à literatura lésbica da América Latina, desde 2008.

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