in

O ex-bar da minha rua

(…) Fui ao bar, que fica na minha rua, com alguns amigos. É o único bar que freqüento com alguma assiduidade, geralmente uma vez por semana, depois que chego do trabalho. Estávamos sentados à mesa do lado de fora e, em frente à nossa, várias mesas juntas, com uma maioria de mulheres. Duas delas estavam muito próximas, trocavam olhares de carinho, se abraçavam e, em dado momento, deram alguns beijos. Eram basicamente “selinhos”, não beijões reveladores da paixão que talvez sentissem uma pela outra. Elas estavam bem no meu campo de visão.

Todo mundo sabe que mais da metade do público do bar é composto de homo e bissexuais. A parcela hétero, pelo menos pela experiência que tenho por estar lá, não parece se incomodar muito ao ver dois homens ou duas mulheres se beijarem. Eu confesso que acho até bonito, pois de alguma forma é um avanço as pessoas demonstrarem suas sexualidades da maneira que quiserem. E essa discussão em ser homo, hétero, bi, tri, ou o que for, é de uma tremenda chatice. Rótulos servem apenas no início do conhecimento de alguém, depois perdem o sentido com a complexidade que as pessoas tendem a mostrar.

Acontece que uma hora o garçom, um senhor que me enoja pelo seu jeito de atender e pedir centavos pra sua “caixinha”, chegou até as meninas e fez um gesto que interpretei como uma ordem para as duas parassem de se beijar ali. Falou de modo ríspido e repulsivo. As duas apenas pararam e olharam-no de modo submisso, como duas ovelhas.

Não acreditei no que vi e fui ao balcão falar pro senhor que arrendou o bar o que seu garçom fizera e também perguntar se tinha alguma norma que proibisse aquilo.

As respostas dele tento resumir: “Aqui isso não é liberado.”. “A maioria das mulheres que vêm aqui são assim. Mas elas são sempre bem-vindas.”. “Uma vez uma mãe reclamou que passou aqui com o filho pequeno e tinha um casal de homens se beijando.”

Ok, pelo que sei isso é caracterizado mais como crime do que como afronta a qualquer pessoa. Pelo que sei ganhar dinheiro com as bichas e sapatonas (uso esses termos porque me acho o suficiente amigo de vários homossexuais para assim escrever) pode, mas eles demonstrarem seu afeto, não. Um casal hétero se agarrar furiosamente, com beijos e pegadas mais fortes pode… Duas mulheres se beijarem ternamente, isso não.

E a noite estava propícia a exemplos de distorções. Um casal estava com seu filho recém nascido lá, chorando. Marquei a hora: 01:30 a.m. Não era esse o crime? Falei pro João: “Crime, safadeza e tudo mais é esse casal trazer uma criança para um bar nesse horário. Era isso que você devia proibir. Bar é lugar para criança?”

É muito complicado se decepcionar com alguma coisa.

Só sei que o que eu puder fazer para diminuir a clientela do Bar do Jota, eu farei. Até, triste, vou evitar ir lá, mesmo sendo perto de casa.

E que engraçado. Pesquiso na net e olha a descrição que acho:

“O Bar do Jota é um endereço tradicional no meio intelectual e universitário, embora abrigue diversas tribos da cidade. Faz todos os tipos de porções e lanches, incluindo a famosa vaca atolada, servida mesmo no período do verão. Também estão à disposição dos clientes duas mesas de sinuca.”

“Meio intelectual”, “embora abrigue diversas tribos da cidade”… Só rindo. Esses caras são engraçados.

Texto originalmente publicado no blog Ópera-Bufa.

* Eu não conheço o Miguel. Talvez de vista, mas nunca fomos apresentados. A pessoa que estava dando os selinhos era eu, e alguém com quem estava na época. Bravo, Miguel! Muita gente não teria a coragem que você teve por uma causa que não é sua. Obrigada.

Kátia Bespalhok é jornalista e colunista do Dykerama.com.

Atores de Gossip Girl desmentem romance

Filme baseado em obra de escritor gay vale a pena, mas com ressalvas