Em julho desse ano os sargentos Fernando Figuereido e Laci de Araújo tornaram público por meio da revista Época e do programa Superpop o caso deles para todo o Brasil. A vida de ambos nunca mais foi a mesma. Foram presos pelo exército, Fernando se viu obrigado a pedir baixa, e Laci diz que foi torturado nos cárceres das Forças Armadas. Hoje o casal ainda trava batalha com o Exército.
Toda essa história será lançada em livro no dia 1º de dezembro na livraria Fnac da Avenida Paulista, em São Paulo. O título da obra é "Soldados não choram". Na entrevista a seguir, Fernando fala do livro e da vida dele e de Laci hoje. Confira.
Como surgiu a idéia para lançar o livro?
Eu levei uns dois meses para escrever, logo que dei entrevista pra G, a Globo me procurou e disse que estavam interessados na história. Eu já tinha alguma coisa escrita, pois já vinha fazendo um rascunho/relatório do que estava acontecendo, partiu da própria editora essa idéia, mas eu já tinha essa intenção.
Qual foi a participação do jornalista Roldão Arruda no livro?
Ele iria me ajudar como redator, ele deu vida para o livro, porque eu tenho um linguajar meio jurídico e ele mudou para uma linguagem mais acessível. Ele ajudou nesse sentido, eu tava precisando de alguém que me orientasse.
Qual o objetivo de vocês com o livro?
O primeiro deles é suprir algumas lacunas que foram deixadas pelo caminho. O segundo plano seria realmente ajudar outras pessoas que tiverem história parecida, pois o nosso caso não é isolado nas Forças Armadas.
No que o livro pode ajudar?
Eu quero é fazer com que o Exército admita que tem outros homossexuais e que o país venha a admitir publicamente homossexuais nas Forças Armadas. O a que gente vê nessa situação, é que o exército fez questão de mostrar força e de nos expurgar da instituição em razão da nossa sexualidade. Que o livro desperte na sociedade: por que o exército não pode ter homossexuais? Há outras formas de discriminação, a palavra democracia está o tempo todo sendo corrompida dentro do exército. O exército tem que se adequar a Constituição e não o contrário.
Esperam com o livro atingir mais pessoas com o caso de vocês?
Espero sinceramente que esse livro sirva de inspiração para que outros denunciem o abuso de autoridade, de perseguição, seja ela homofóbica ou de questões políticas.
Acredita que o caso de vocês é um divisor?
A questão sexual dentro das Força Armadas sempre foi um tabu, na sociedade se comenta que há pessoas que já ouviram falar de casos, mas não como o nosso que ficou bastante divulgado. Então, eu creio que toda a problemática que envolveu o nosso caso é um despertar para a realidade que ocorre lá dentro e que isso possa realmente beneficiar outras pessoas.
O que você consegue tirar hoje de toda essa situação?
Costumo dizer que a gente aprende muito pela dor e quando eu estava vivenciando tudo aquilo antes da exposição pública sinceramente não tinha nenhuma motivação de vida. Pensei que tudo estava perdido e que eu estava num emaranhado de pessoa ruins, mas depois conheci tanta gente legal no meio dessa história toda, que acho que tem muita gente boa e que quer mudar essa situação. Não só com relação a perseguição, mas como uma tentativa de tornar o mundo melhor.
Qual é o foco do livro?
O livro é uma biografia tanto minha quanto do Laci, só que escrita por mim. Ele busca na infância todos os conflitos da identidade homossexual até o caso da perseguição. E faço questão de colocar as denúncias que já tinha citado, que começou como uma perseguição política, mas que tinha como pano de fundo a homofobia institucional.
Tem alguma parte do livro que você destaca?
O que ficou marcado para mim vai ser a visão do que ocorreu no aeroporto aqui em Brasília. É o trecho entre o aeroporto e o senado que fica logo no começo do livro e que foi muito traumático pra mim. Costumo dizer que isso sempre me emociona e coloquei de coração o que me ocorreu.
O livro vai ser lançado por uma editora grande (Globo) e vai dar uma nova repercussão ao caso de vocês. Você teme novas ameaças?
Olha, nós ainda estamos sofrendo, ainda estamos na mesma situação e, temos duas novas acusações para responder feitas pelo Ministério Público Militar. Uma é sobre imputação falsa de crime e que diz respeito as minhas denúncias feitas sobre as torturas sofridas pelo Laci. Ministério Público Militar inverteu o processo, eles estão dizendo que nós inventamos tudo e que não ocorreu nada disso, mas isso já era esperado, porque o MPM é resquício da ditadura militar, sabíamos que eles iam blindar os generais. O Ministério Público Federal processa os generais e os demais governos por essa perseguição homofóbica, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Comissão de Direitos Humanos da OAB do Rio, São Paulo e Brasília se pronunciaram favoravelmente a nós e diversos outros órgãos que tiveram acesso a documentação enxergaram que o Laci é inocente nessa história, ou seja, não houve nenhum tipo de arbitrariedade ou de indisciplina por minha parte e a do Laci. A própria juíza militar que, teoricamente, deveria condenar Laci o absolveu. O que a gente enxerga dessa história toda é que o Exército forjou o processo de deserção para mascarar a homofobia institucional, foi adiante e condenou o Laci. O próprio exército acusou e condenou sem embasamento legal para isso.
E os processos internacionais, em que pé estão?
As denuncias para os órgãos internacionais são feitas de imediato no CONDEP, mas eles só acompanham. Isso só vai ter um desfecho internacional quando o nosso processo exaurir e o nosso caso ainda está no Tribunal Militar, ainda não seguiu destino para o STF, ainda não chegou a última instância. Então, ainda não tem uma definição.
O pedido de baixa foi contra a sua vontade?
Depois de um determinado tempo eu tinha certeza de que era um bom militar, que servia para aquilo e a minha orientação sexual não tinha nada a ver com a minha profissão. Mas, depois de uma pressão tão grande, não tinha outra saída a não ser o pedido de baixa.
Você sente falta do Exército?
Eu sinto falta da camaradagem de alguns militares, sinto falta das instruções que eu era responsável na tropa, dos meus amigos que deixei lá. Afinal de contas, não posso generalizar e dizer que o Exército se compõem de um monte de arbitrários, tem gente boa lá dentro. Só que a questão da hierarquia, da ordem pela ordem, manda quem pode, obedece quem tem juízo, isso aí eu não sinto falta de jeito nenhum e dou graças a Deus de ter saído.
Como está sua vida hoje?
Hoje eu ainda estou desempregado, até pouco tempo estava completamente envolvido com a questão do livro e, você sabe, a gente não pode deixar o assunto esfriar. Agora que tudo está voltando à normalidade a minha intenção é voltar para o curso de direito. Eu já estava estudando, aí quando tudo começou eu tive que trancar.
Tem muita gente dentro do armário no Exército?
Eu não posso falar em percentual, a estatística diz que 10% da população brasileira é homossexual e eu acredito que uma parcela muito grande esteja no Exército. Não só no Exército, nas Forças Armadas no geral. Espero que com o livro muitos homens enxerguem [a homossexualidade] e possam aflorar isso.
E o Laci, está melhor?
Ele está medicado, está fazendo uso de seis medicamentos, ele tem comparecido ao trabalho para não dar falta, ele tem uma função lá definida, isso até a gente definir a questão da baixa dele. O exército acatou o pedido dele só que impôs que ele tem quitar o problema dele com a justiça militar, enquanto ele não fizer isso, eles não o liberam.
Ele está sendo bem tratado no exército?
Olha até agora não teve represália, não queriam dar as férias deles e deram. As coisas mais graves são as novas denúncia do Ministério Publico Militar que, coincidente ou não, foram feitas pela mesma procuradora que nos acusou de deserção e não conseguimos entender o por que essa senhora nos persegue.
Vocês estão morando juntos?
Estamos morando na casa de Miriam [Mãe do Fernando], porque o ambiente do apartamento onde morávamos é altamente militar, é um prédio que é administrado pelo exército e acho que não é um ambiente salutar para o Laci. Por isso, o tirei de lá.
Já teve convite para adaptar a história de vocês para o cinema?
Algumas pessoas já falaram, mas oficialmente ainda não.
E vocês topariam?
Sim, com certeza. Iria atingir um público muito maior.