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O fim do mundo, ou melhor, o fim da coerência

"…O magma da Terra super aquecido
Cria terremotos e acende os vulcões
As placas tectônicas se movimentam
Causando maremotos e destruições
As bombas nucleares feitas de plutônio
Irão destruir a camada de ozônio
Expondo este planeta aos raios do sol
Vulnerável quanto um peixe no anzol
A Terra que hoje canta vai estar mais triste
Vai gemer e chorar no apocalipse…"

O trecho acima é do hino gospel Apocalipse, entoado com toda a emoção na voz da cantora gospel Damares e fala sobre o apocalipse, ou o fim do mundo, como fora previsto pelo pastor Harold Camping, de 89 anos. Segundo este senhor, que utilizou a Bíblia e suas interpretações pra lá de subjetivas, o juízo final começaria no sábado às 18h (20h, no horário de Brasília). No entanto, como era de se prever, a previsão falhou. E eu queria ser uma mosca, ou melhor, uma linda libélula rosa, toda esvoaçante, para ver a cara do tal pastor Harold Camping se explicando aos seus fiéis seguidores, afinal, com esta já é a segunda vez que o religioso falha em sua interpretação dos textos bíblicos e, consequentemente, na previsão de tal fenômeno. Bom, o fato que o mundo não acabou (é óbvio!), não teve terremotos, nem bombas, nem nenhum outro fenômeno natural mais babadeiro, além do vulcão na Islândia que interrompeu o tráfego aéreo do país e nós, meus amores, continuamos lindas a desfilar beleza, brilho e simpatia…

O bom é que, nos dias de hoje, com a informação correndo mais rápido do que em outros tempos, notícias como estas, em vez de pânico, causam deboche. Ainda bem… E o assunto foi bastante comentado no Twitter, Facebook pelos internautas e mesmo na mídia cibernética. No entanto, podemos pensar num fato como este e avaliar como uma leitura de um texto (feita de maneira simplista) pode trazer interpretações e afirmações equivocadas como as do tal pastor do apocalipse. E mais do que equivocadas, nocivas… Basta fazermos um retrocesso em nossa história para pensarmos no quanto essas interpretações já causaram tanto sofrimento para grupos de pessoas e como continuam causando.

No século XVII, por exemplo, Galileu Galilei foi condenado pelo Santo Ofício. Ou melhor, não o condenou porque ele aceitou revogar sua teoria sobre o heliocentrismo. O fato é que, para a Igreja Católica Medieval, tirar o planeta Terra do centro do universo era um pouco demais. Enfim, existem controvérsias nesta história, mas que o bispo de Roma se posicionou, isso com certeza.

Um século antes, com o início das "grandes navegações", como ficou conhecido o movimento mercantilista que conectou a Europa, a África e as Américas num verdadeiro vai e vem de mercadorias e pessoas, aliás, pessoas que também eram vistas como mercadoria (os negros africanos que foram escravizados), outra interpretação bíblica serviu para justificar tal abominação: a escravidão. Por conta de duas interpretações equivocadas, sobre Caim (que matou Abel) e sobre Cão, filho de Noé, a cor preta e os descendentes africanos foram identificados como amaldiçoados. Basta lembrar as bobagens que o pastor/deputado Marcos Feliciano disse recentemente em seu Twitter sobre este tema. E para livrar os negros desta maldição, para libertar sua alma deste mal, os brancos deveriam escravizá-los e torturá-los para que a alma deles encontrasse o perdão de Deus… Como os brancos europeus eram bonzinhos, né? E detalhe, todo este acordo político/econômico europeu, tinha o aval tanto da igreja católica, como das igrejas protestantes na manutenção da escravidão.

Enfim, diversos foram os grupos perseguidos por conta destas interpretações e deduções bíblicas feitas a torto e a direita por líderes religiosos. Milhões de mulheres foram mortas, consideradas bruxas. Os judeus foram e ainda são perseguidos por conta do "pecado da usura". Os povos indígenas das Américas dizimados quando os colonizadores europeus vieram trazer a palavra de Cristo e estender a salvação aos povos pagãos. E claro, como não poderia deixar de ser, os gays, ou sodomitas (em outras épocas) também sempre serviram de bode expiatório para religiosos. Aliás, penso que, hoje, este seja o grupo mais perseguido por denominações religiosas e por pessoas torpes que se escondem atrás de uma cortina religiosa. É por questões religiosas e por conta de interpretações de textos bíblicos que as conquistas de direitos dos homossexuais não avançam. É por causa de discursos religiosos ou pseudo-religiosos que muitos homossexuais são postos à margem da sociedade, são expulsos de suas casas, são xingados, humilhados, agredidos e mortos. O pior de tudo é depois de um crime desses, ainda ver um líder religioso qualquer dizer que "…o salário do pecado é a morte", citando um trecho bíblico atestando, assim, a condenação de um homossexual que foi morto, por exemplo.

E depois, alguém me diz para deixar de lado as questões religiosas, quando o assunto são as discussões políticas LGBT. Mas aí eu pergunto: deixar de lado? Jamais, afinal, são eles os grandes empecilhos dos avanços das conquistas em benefício desta mesma população. E enquanto bispos e pastores se envolverem nisso, eu me sinto no direito e no dever, de fazer o contrário… Até como informação, no mínimo…

Tá dado o recado…

Beijo, beijo, beijo… Fui…

P.S.: O trecho da música pode até acontecer… Mas não é o fim do mundo. Trata-se de uma resposta natural do planeta, frente às agressões constantes que vem sofrendo dos seres humanos.

The Rumour Said Fire – The Arrogant (2010)

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