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O que a comunidade gay pode esperar do governo Dilma Rousseff?

No último domingo (31/10), o Brasil conheceu a sua nova presidente: Dilma Rousseff, 63, eleita pelo Partido dos Trabalhadores com 56% dos votos. O seu adversário, José Serra (PSDB), 68, obteve 44%. Agora, a questão é outra. Os vários segmentos da sociedade brasileira se perguntam: o que esperar de um governo Dilma Rousseff? E para a comunidade gay, qual é o horizonte que se avista?

A herança LGBT do governo Lula
Em 2004, quando o ministro dos Direitos Humanos era Nilmário Miranda, foi lançado pelo governo Lula o programa "Brasil Sem Homofobia", um documento que foi construído em parceria com a sociedade civil e setores do governo federal. Um marco, pois o movimento gay nunca havia sido recebido para construir algo efetivo junto do poder Executivo.

Já com novo ministro representando os Direitos Humanos, Paulo Vanucci, o presidente Lula convocou para junho de 2008 a I Conferência Nacional LGBT, inclusive com canetada de Dilma, que já era ministra da Casa Civil. Por muitos o evento foi considerado uma farsa, da onde sairiam calhamaços de papel que não dariam em nada. Seria um afago do governo federal para aquietar o movimento gay.

Posteriormente à conferência, o "Brasil Sem Homofobia" saiu de cena e deu espaço para a Coordenadoria Nacional de Políticas Públicas LGBT e também ao Conselho Nacional LGBT, que deve eleger o seu primeiro colegiado em 2011. Segundo articulistas do movimento gay, é certa a continuação da Coordenação e do Conselho.

Já no fim do mandato, o governo federal instituiu o Dia Nacional de Combate a Homofobia, comemorado no dia 17 de maio. Se a presidente Dilma apenas manter e prosseguir com os programas listados acima, já é uma vitória, mas não será o suficiente.

A questão de gênero 
Em seu primeiro pronunciamento, Dilma foi enfática. "Sim, a mulher também pode", disse. Ponto para as feministas e, claro, ponto para o movimento LGBT. A homofobia – institucional, física e social – é irmã do machismo. Quando Dilma pesa na questão de gênero, logo em seu primeiro discurso, já podemos considerar um avanço, até mesmo comparado com o governo Lula. Também pode ser considerado um sinal de que teremos um governo mais feminino. Especula-se que Dilma escolha como ministra da Casa Civil a diretora de Gás e Energia da Petrobrás, Graça Foster.

Hoje, quarta-feira (03/11), em seu segundo discurso oficial, Dilma foi além na questão dos direitos humanos. Afirmou que o seu governo será "intransigente" na defesa das minorias, tanto internamente quanto externamente, e se referiu ao caso da iraniana Sakineh Mohammad, condenada à morte por adultério em seu país, onde tal ato é um pecado. Dilma disse considerar "uma barbaridade" a execução de Sakineh.

Não podemos esquecer as questões que aconteceram durante a campanha eleitoral, principalmente no segundo turno: aborto, homofobia e união civil gay. Dilma foi pressionada a se posicionar em torno desses três temas.

Sobre o aborto, se declarou contra, mas afirmou que deve ser tratado como questão de saúde, pois milhões de mulheres morrem realizando abortos clandestinos; sobre a união civil também se disse a favor, mas escorregou e confundiu a questão com o casamento religioso.  A maior polêmica foi em torno do PLC 122, que criminaliza a homofobia.

Ao falar a respeito do projeto de lei, que há quatro anos enfrenta forte resistência das alas religiosas do Congresso e do Senado, Dilma se revelou mal assessorada e citou o texto antigo do PLC 122, ao dizer que a lei era "abusiva" ao criminalizar pastores que, dentro de suas igrejas, falam mal dos homossexuais. O novo texto não penaliza o discurso dentro dos templos. Porém, Dilma disse que todos "devem endossar" a luta contra a homofobia e que se a lei chegar ao seu gabinete, ela sanciona. Sinal verde.

As leis, o Congresso e a expectativa
Posto assim, pelo menos por hora, podemos ficar esperançosos no que diz respeito à questão de políticas públicas LGBT, que é a função do Executivo, e também um tanto quanto confiantes no desenrolar das leis no Congresso Nacional e no Senado. Em ambas as Casas, o governo federal contará com a maioria absoluta. Mas claro, não podemos esquecer que essa maioria é heterogênea e conta com parlamentares ligados a setores religiosos: Magno Malta (PRB-ES) e Marcelo Crivella (PR-RJ).

Porém, em carta pública divulgada nesta quarta-feira (03/11), Toni Reis, presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), revelou que no dia da vitória de Dilma esteve em Brasília nas festividades e conversou com Malta e Crivella. Ambos disseram estar dispostos a sentar e negociar o PLC 122. A senadora eleita por São Paulo, Marta Suplicy (PT), também se mostrou disposta a ajudar nas questões em torno do projeto para criminalizar a homofobia.

Talvez a reação amistosa dos dois senadores religiosos já seja uma reação ao discurso de vitória de Dilma Rousseff, que afirmou governar com e para todos. Vamos torcer para que as promessas virem realidade.

Por fim, vale lembrar que a presidente eleita conhece na pele as dores que o aviltamento dos direitos humanos impõe ao sujeito que é vítima. Dilma foi brutalmente torturada durante três dias e ficou três anos presas acusada de subversão pela ditadura brasileira. Sua subversão, aliás, era lutar pela liberdade de expressão. Não é à toa que a presidente eleita se coloca como "defensora intransigente" dos direitos humanos.

Portanto, a comunidade gay tem mais a comemorar do que reclamar. Todos os sinais indicam um avanço no que diz respeito à luta pelos direitos humanos. Já em torno do Congresso Nacional e do Senado, vai depender da articulação de Dilma e do responsável pelas Relações Institucionais, cargo que deverá ser de José Eduardo Cardozo, que cuidou das articulações na campanha da presidente e é um aliado na questão LGBT.

Então, respondendo a pergunta do primeiro parágrafo: o horizonte para a comunidade gay pode ser considerado positivo. É claro que, para isso acontecer, o movimento LGBT terá que fazer a sua parte também: deverá aproveitar a maioria do governo federal nas Casas representativas e fazer pressão para que as questões LGBT, tanto do Executivo quanto do Legislativo, sejam travadas e transformadas em leis de fato.

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