Chego em uma pastelaria que é babadeira, na cidade onde mora meu namorado e peço: “Moça, eu quero um de dois queijos e uma Coca.” E a pergunta que vem logo em seguida é: “Normal?”. Eu replico, brincando: “Nem eu sou normal, porque o refrigerante seria?”… E depois de uma boa risada, eu digo que quero a minha Coca CON-VEN-CI-O-NAL!!!
Essa coisa de normalidade sempre foi algo que me deixou bastante incomodada, afinal, o que é normal? Segundo definições do dicionário, normal é aquilo que é natural, habitual, que segue um padrão, uma norma, que é comum ou meramente corriqueiro.
Daí, bastam essas definições para nós, que somos experts em classificar e categorizar tudo e todos, começarmos a dizer quem, o que, ou que situação é normal, baseado, claro, nos conceitos de normalidade passados de geração em geração… Não é a toa que o estimadíssimo vereador Carlos Apolinário disse para Felipe Neto, em seu programa para do canal Multi Show, que não acha normal “dois bigodudos dando um beijo de língua”.
Vamos pensar um pouco sobre esse babadinho:
Vamos, primeiramente, pensar num beijo em público. Acredito que, indiferente de ser gay, hetero ou bi, ponderação e coerência são fundamentais. Afinal, não acredito que seja realmente necessário um beijo lascivo que deixe as pessoas ao redor, constrangidas. Um beijo exagerado é estranho indiferente de ser entre dois homens, duas mulheres ou um homem e uma mulher. Isto posto, a pergunta que não quer calar é:
Qual é a anormalidade entre o beijo de dois bigodudos?
Se for um beijo afetuoso, que demonstre carinho… Qual o problema? Claro que nenhum. Aliás, nem o beijo mais baphão é problema. Como disse, só acho que se trata de uma questão de coerência, mas não de problema. E não quero fazer o discurso do politicamente correto e aceitável, pelo contrário. Acho que cada um tem todo o direito de fazer o que quiser… Mas o beijo afetuoso entre duas pessoas não deve ser visto como um tabu, como um problema e sim apenas como o que ele é: um gesto de amor.
Mas a tal normalidade que invoca o muitíssimo bem pago vereador paulistano provavelmente está baseada em seus conceitos assimilados ao longo de sua vida, de sua vivência religiosa e também pelas normais sociais que sempre massacraram qualquer tipo de relação que fuja da imposta por uma maioria dominante. Não vamos esquecer que, até bem pouco tempo atrás, relações inter-raciais, mesmo entre casais heterossexuais, não eram vistas com bons olhos. Ou mesmo uma relação onde os pares diferiam drasticamente em relação à idade de cada um dos membros. Pois o padrão, normal, imposto por uma ideologia cafona era a de que, devem se juntar homem e mulher, da mesma raça, para procriarem. Aliás, não vamos perder de vista que, durante anos, décadas e séculos, casamentos heterossexuais eram um meio de juntar riquezas e potencializar o poder de determinadas famílias dentro de uma sociedade. Um negócio, muito mais que uma relação de amor.
Muito provavelmente o vereador em questão não seria contra as relações inter-raciais, por exemplo. Afinal, a sociedade em que vivemos hoje, difere bastante das gerações passadas e, por mais que ainda sejamos uma cultura racista (um racismo velado, claro!), dificilmente as pessoas se manifestariam contra uma relação dessas.
Ninguém diz no púlpito de uma igreja que a relação entre um japonês e um nigeriano é pecado, aberração ou anormal. Ninguém dá com uma lâmpada na cara de um casal heterossexual se o homem tiver 70 anos e a mulher 22. Porém, um casal gay sequer pode andar em paz, de mãos dadas sem ser alvo de olhares reprovadores, agressões verbais e físicas…
Me pergunto e pergunto ao vereador: Será que isso é normal? Será que tanto ódio é normal? Será que se sentir agredido a ponto de querer prejudicar o avanço dos direitos de uma parcela que paga os mesmos impostos, mas que não tem os mesmos direitos é normal? Será que é normal morder e arrancar o pedaço da orelha de um homem por estar abraçado com seu filho e ser confundido como sendo um casal gay?
Por essas e por outras é que fico com aquele pensamento: de perto, ninguém é normal… E minha Coca é convencional!!!
Tá dado o recado…
Beijo, beijo, beijo… Fui…