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O que ficou da Rebelião de Stonewall 45 anos depois

Para entender o presente é inevitável olhar o passado. E, para entender as conquistas e encarar os novos desafios da comunidade LGBT, é necessário resgatar a memória da Rebelião de Stonewall, que completa 45 anos neste sábado, 28. Trata-se da primeira grande revolta de resistência pública de lésbicas, gays, bissexuais e trans contra o preconceito e a intolerância, que reverberou em outras manifestações e fixou no já tradicional Dia do Orgulho LGBT, comemorado também no Brasil. 
 
Em 28 de junho de 1969, um grupo de LGBT estava no bar Stonewall Inn, em Greenwich Village, Nova York, quando foi surpreendido por uma batida policial – agressiva e sem justificativa. Tudo porque, naquele período, a homossexualidade e a transgêneridade eram consideradas “distúrbios mentais”, as pessoas eram obrigadas a usar “roupas de acordo com o gênero”, muitos sofriam ataques violentos, extorsões e até iam presos por “ato imoral”. Sem contar que estabelecimentos comerciais tinham alvarás negados caso atendessem LGBT – o que motivava a máfia e o suborno entre proprietários e policiais. 
 
Farto de tanta repressão, o grupo decidiu pela primeira vez reagir às agressões física e moral, resistir e iniciou uma grande revolta com pedras, cadeiras e garrafas. O embate durou quatro dias com a representação de todas as categorias da sopa de letrinhas. No ano seguinte, a comunidade fez uma passeata para reafirmar a busca por direitos e também para lembrar a data.
O ativista brasileiro Ricardo Aguieiras (foto) conta À CAPA que tinha 23 anos quando soube da revolta por meio de uma reportagem da extinta revista “Cruzeiro”. “Recordo que foi um marco importantíssimo, mas que ainda era algo distante para nós brasileiros. O país ainda estava preso à ditadura e, em 1968, houve o AI5', justifica ele, que enfrentava a repressão familiar por revelar a homossexualidade – na época, tida como homossexualismo. “Víamos o mundo em transformação, até havia pequenas ações e movimentos, mas ainda estávamos calados. Essa revolta trouxe inspiração, pois foi totalmente apartidária, motivada pelo ‘chega, não aguento mais’ e sem o comum pacifismo conformista”.
 
O jornalista Mario Mendes, que se lembra da discussão em sua infância, diz que o motim provocou o início das grandes mobilizações LGBT. “Foi o começo de tudo e a consciência dos direitos civis, que já estavam acontecendo nos Estados Unidos”. A psicanalista Letícia Lanz (foto), do grupo Transgente, afirma que se inspira, sobretudo, no protagonismo de Sylvia Rivera, uma ativista transgênero que participou da revolta. “Ela é um dos grandes ícones do movimento, mas pouquíssimos relatos históricos fazem sequer menção à atividade revolucionária e de comando da Sylvia, preferindo enaltecer as virtudes e lideranças gays”. Há histórias de que a trans teria jogado o primeiro coquetel molotov nos policiais. 
 
Já o jornalista Thyago Gadelha, de 33 anos, faz parte da geração que não acompanhou a rebelião, mas que se informou por meio de documentários, filmes e pela HQ produzida por Mike Funk. “Infelizmente, muitas pessoas da comunidade não conhecem e não se preocupam em conhecer a história. O que trouxemos daquela luta é a busca por se autoafirmar e readequar os significados de conceitos na sociedade. Não se trata apenas de hastear a bandeira gay nesta data, mas todos os dias na educação de amigos e familiares. O que falta hoje é um pouco de unidade das causas, justamente o que uniu as pessoas naquele bar”.
 
Após 45 anos e muitas manifestações, a homolesbotransfobia acabou? 
 
Mendes foca no lado positivo e diz que a sociedade está mais aberta para discutir a sexualidade e que o momento é o “pós-gay”. "Hoje, temos que fazer a revolução no dia a dia, seja no tratamento ao namorado ou ao porteiro. Isso vale mais que palavras de ordem”, defende. Porém, para Ailton Santos, pesquisador do NEPADI-ISC/UFBA e professor da Universidade Estácio de Sá, ainda há problemas históricos relacionados à violência em todas as expressões. Para ele, a repressão não é somente explícita, mas também velada e simbólica. “É revoltante saber que gays e lésbicas não podem expressar seu afeto publicamente sem o fantasma do apedrejamento ou que trans sofram violências e constrangimento por causa do nome de registro”.
Letícia afirma que não consegue observar motivações que de fato provoquem mobilização, pelo menos para a comunidade trans. Ela diz que “que os movimentos sociais foram cooptados pelos governos, o que esvaziou o poder reivindicatório". "A despeito da matança diária de travestis, ninguém mostra um grau de indignação tal que explodisse numa grande revolta pela garantia dos direitos transgêneros”, afirma a psicanalista. Por outro lado, Deco Ribeiro, diretor da Escola Jovem LGBT, diz que grandes manifestações podem ocorrer com o embate da questão evangélica na política. “Nós temos ganhado visibilidade e, eles, cada vez mais poder. Não é loucura vislumbrar um enfrentamento em breve”.
 
Ao relembar a icônica data, Ricardo se diz ainda hoje inspirado por Stonewall. "É o que me motiva como militante que sou", afirma. Thyago complementa: “Aquele momento histórico foi um uníssono, um único e importante grito das categorias. Mas ainda estamos construindo essa história. Esse exercício de consciência existe até hoje na luta que enfrentamos na reafirmação dos grupos de diversidade A principal coisa a ser conquistada, eu creio, ainda é o respeito entre todas as pessoas”, frisa. Que a data inspire todas as gerações e que dê gás para o longo caminho de direitos. Afinal, como bem adiantou Oscar Wilde em 1897: “Não tenho dúvidas que venceremos, mas a estrada é longa e cheia de martírios monstruosos”. 
 
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