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O relevante papel espiritual, político e social das igrejas inclusivas

O fenômeno social das igrejas inclusivas é recente em nosso país se o compararmos com o início deste movimento nos Estados Unidos. No mês passado, comemoramos os 41 anos da Igreja da Comunidade Metropolitana, a primeira igreja inclusiva no mundo. No Brasil, ainda não tem uma década que as igrejas inclusivas se estabeleceram, embora tivéssemos entre nós, pastores como o Rev. Neemias Marien, que há muito desenvolvem uma pastoral eficaz juntos às pessoas LGBTs. Denominações inclusivas como estamos vendo surgir recentemente é fenômeno muito recente. Meu interesse neste texto é refletir sobre a contribuição e o relevante papel que as igrejas inclusivas têm desempenhado no Brasil.

Como igreja, ou seja, comunidade de fé cristã, as igrejas inclusivas desempenham um relevante e urgente papel espiritual às pessoas LGBTs. O Brasil é um país democrático e como tal, garante em sua Magna Carta aos cidadãos, a liberdade de culto, isso nos dá legitimidade para nos organizarmos como igreja. Tenho certeza que a maioria de LGBTs no Brasil tem uma história, uma caminhada espiritual, sejam católicos ou evangélicos. Como seres humanos cristãos, temos necessidades espirituais que não são satisfeitas nas igrejas cristãs já estabelecidas porque essas igrejas são fundamentalistas, suas doutrinas e dogmas são homofóbicas e seus sacerdotes e pastores são pessoas muito despreparadas para lidarem com as questões existenciais, portanto, espirituais, das pessoas LGBTs.

Desde o final do século XIX, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, a teologia vem revendo muitas questões importantes da religião cristã: infalibilidade, inspiração divina e inerrância das Escrituras são apenas alguns, dos muitos pontos nevrálgicos que o pensar teológico vêm revendo e propondo novos entendimentos. No Brasil, a maioria das nossas faculdades de teologia (a maioria não são reconhecidas pelo Ministério da Educação) estão desatualizadas em relação aos outros países citados, é escassa a tradução de bibliografia especializada e como as igrejas brasileiras são fruto das missões estrangeiras reacionárias, que aqui se estabeleceram nos fins do século XIX, não há um interesse por parte da liderança dessas igrejas na atualização do ensino teológico, aliás, considerado por muitos, verdadeiras heresias. Fato é que as igrejas evangélicas brasileiras caminham a passos largos para uma "fundamentalização" cada vez maior tanto no seu pensar teológico quanto nas suas práticas pastorais.

Em linhas gerais, são esses os motivos que levam as igrejas, evangélicas principalmente, a um reacionarismo social e político em que elas se encontram. Por isso, tais igrejas não conseguem responder às questões espirituais do povo LGBT cristão. A leitura que tais igrejas fazem das Escrituras Cristãs, é uma leitura literal e seletiva; usando passagens bíblicas fora de contexto para excluírem o "povo do arco-íris".

Não tenho dúvidas que as igrejas inclusivas têm proporcionado ao povo LGBT brasileiro um lugar seguro e saudável para cultuar e exercer a fé. Nelas, encontram o que jamais encontraram ou encontrariam nas igrejas tradicionais: compreensão, acolhimento, respostas às suas questões existenciais, além de poderem realizar o grande sonho de muitos seres humanos: casar com as bênçãos da igreja. Pode parecer cafona, fora de moda ou ingenuidade pura, mas atire a primeira pedra aqueles que jamais sonharam com a possibilidade de casar no religioso com a pessoa que de fato ama!

O conceito de igreja inclusiva tem sido muito deturpado, principalmente pelos nossos inimigos. Igreja inclusiva não é "igreja gay", mas uma igreja onde todos os que foram excluídos de suas igrejas de origem podem novamente pertencer a uma comunidade de fé. Se as igrejas inclusivas são de maioria LGBT, é porque é grande o preconceito sexual, grande é a homofobia, que tem impedido que os heterossexuais se acheguem. Contudo, algumas de nossas igrejas já têm pessoas heterossexuais completamente integradas na comunidade de fé.

A relevância social das igrejas inclusivas não é diferente das igrejas étnicas, muito comuns nos Estados Unidos. Tais igrejas fortalecem determinadas comunidades, preservando, transmitindo e ampliando suas culturas, além de reafirmar as identidades sociais e estimular a solidariedade e a mútua compreensão entre iguais; além de ampliarem o diálogo e a compreensão com o diferente, caso estejam abertas para recebê-los; este pode não ser o modus operandi de muitas igrejas étnicas, mas é o modus operandi de todas as igrejas inclusivas que conheci até hoje.

Também percebo que cresce cada vez mais nas igrejas inclusivas preocupações sociais que a militância LGBT ainda não abraça como a questão da terceira idade da população LGBT, além do suporte às pessoas LGBTs que passam por necessidades materiais. Outra questão importante é a restauração dos laços de família: pais e filhos têm encontrado novamente o diálogo, o amor, a compreensão, enfim, estão restaurando o convívio familiar. Não muito tempo atrás, quando a professora e escritora Edith Modesto esteve na PUC Rio lançando seu último livro, "Mães sempre sabem?", em sua palestra ela declarou que gostaria muito que pastores se aproximassem do trabalho do GPH, como alguns padres já estavam próximos, "mas não esses pastores dessas igrejas quem tem aparecido" (alusão às igrejas inclusivas – pastores gays). Lastimei na hora o equívoco, pois tais pastores de igrejas tradicionais não estão preparados para lidarem com a questão, antes, precisam eles de libertação e cura de suas homofobias. As igrejas inclusivas cada vez mais se engajam na questão pais e filhos homossexuais com grande sucesso neste trabalho.

Por fim, mas não menos importante, é preciso apontar para a relevância cada vez maior das igrejas inclusivas no âmbito político. Assim como aconteceu no passado e ainda acontece nas igrejas inclusivas no exterior, notadamente a Igreja da Comunidade Metropolitana nos Estados Unidos, Canadá e Europa; as igrejas inclusivas brasileiras têm contribuído para o debate político nas questões LGBT. Poucos brasileiros sabem de alguns importantes fatos, mas foram pastores e fiéis LGBTs no Canadá, a linha de frente na luta vitoriosa das uniões civis de pessoas do mesmo sexo, bem como na elaboração e aprovação de leis anti-discriminatórias para a população LGBT daquele país. Na Europa Oriental e África do Sul, as primeiras "paradas do orgulho" foram organizadas pelas igrejas inclusivas e suas lideranças. Na Jamaica, país homofóbico a um grau inimaginável, os LGBTs cristãos são a linha de frente no combate a homofobia e na luta por políticas públicas e leis que contemplem a comunidade LGBT jamaicana, e talvez seja o país onde temos mais mártires cristãos LGBTs.

Em nosso país, as igrejas inclusivas estão presentes nas paradas do orgulho nas capitais onde estão, lutando lado a lado com a militância por um país de fato laico, sem homofobia, mais justo e igualitário. Corajosos, estão presentes também nas populares "Marchas pra Jesus", dando a cara à tapa aos fundamentalistas, mas marcando posição no cenário social evangélico, justamente no evento que eles elegeram para mostrarem ao país a força política que os evangélicos conquistaram nas últimas décadas.

As igrejas inclusivas que se estabelecem e se fortalecem em nosso país têm muito a contribuir, como fizeram e fazem suas congêneres no exterior. A via do diálogo está aberta, parceiras são construídas, a história começa a ser escrita e quem viver verá o quanto avançaremos e conquistaremos em nossas lutas.

* Márcio Retamero, 35 anos, é teólogo e historiador, mestre em História Moderna pela UFF/Niterói, RJ. É pastor da Comunidade Betel do Rio de Janeiro – uma Igreja Protestante Reformada e Inclusiva -, desde o ano de 2006. É, também, militant

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