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Opinião: Ariadna incomoda porque existe

Ariadna Thalia, 26 anos, a grande novidade do Big Brother Brasil, ganhou a triste liberdade na noite de terça-feira, 18. O motivo? A participante é uma cabeleireira transexual (a primeira), ex-garota de programa, desbocada e que, ao contrário do estereótipo LGBT alegre (um dos poucos atributos positivos que a mídia tende a dar aos coloridos), reclama da vida, tem olhar triste e faz questão de frisar as dificuldades que já vivenciou no Brasil (e na Itália).

Resultado: rejeição da maior parte dos telespectadores. Sim, embora Ariadna não tenha sofrido preconceito dos participantes (que sequer sabem de sua trajetória trans), muita gente torceu o nariz por ela NÃO DIZER que é uma mulher transexual, por não corresponder ao estereótipo da barraqueira ou fofoqueira e por saber antecipadamente de seu passado (sofrido, mas visto como de vida fácil por muita gente).
 
Antes de manifestarmos opinião sobre ela, sugiro rápidas indagações para uma auto-reflexão sobre a pessoa trans e o armário: Por que alguém que lutou a vida inteira para conquistar uma identidade de mulher (e conseguiu de todas as maneiras; com cirurgia, documentação, saída de casa precoce, preconceito) deva falar de um passado masculino que, talvez, a assombre? Será que todos os participantes abrem seu coração de imediato para pessoas que até então são desconhecidas? Ariadna já provou extrema sinceridade e humildade ao revelar aos participantes que trabalhou com programas sexuais (o que certamente outras sisters já fizeram, mas negariam até a morte), será justo que ela seja obrigada a revelar todas as suas dores e alegrias em APENAS uma semana?

Para aqueles que insistem que ela deveria estampar no peito a palavra "viado" (porque para muitos ela não passa de um; confundindo gênero com sexualidade), digo que suas declarações intimistas estavam sendo proclamadas em doses homeopáticas (como todos os participantes da casa), sempre com pessoas mais próximas, como Rodrigo, Talula e Jaqueline. Talvez ela precisasse de mais tempo para se soltar e dizer (ou não) que é uma mulher transexual. Nos últimos dias vivia dizendo: "tenho um segredo", "vocês ainda vão ficar sabendo"," tenho medo de sair porque existem coisas lá fora que vocês não sabem". E no final, fez uma revelação emocionada: "Tenho orgulho de ser a primeira transexual do Brasil a participar do BBB".
 
O que coloco em questão (e esse talvez seja o motivo de sua rápida rejeição do público) é a necessidade de desqualificar a autenticidade de mulher de Ariadna. E isso está estampado na mídia, em dizeres como "ela/ele", "que é homem", "engana", "gay". O preconceito contra trans tem muitas faces, mas uma explicação – apontada pela cientista social Larissa Pelucio – é que a sociedade tende a ver uma trans como alguém que quer enganar, aquela pessoa que quer se passar por quem não é, como figura ilegítima, enganosa. Querem, portanto, que Ariadna diga que não é mulher, que é "ele", que é menos mulher que as outras mulheres. E como não disse, argumentam que não dariam o prêmio a uma farsa.

É por esse motivo que as pessoas se sentem muito tranquilas em procurar sinais de onde ela vai se trair, se entregar. "É na mão? É no pé? É o gogó? E nem se preocupam se isso vai ofender ou machucar" E automaticamente, quando constatam ser "alguém que engana", recriminam de peito estufado, cheios de razão. Diego Alemão fez isso em seu programa no canal pago: disse que Ariadna não iria ENGANAR ninguém porque tem gogó.
 
Pergunto: Alguma mulher genética (que nasceu com sexo biológico feminino) gostaria de ter sua identidade feminina colocada em xeque? Imagine então como isso é para alguém que lutou muito por tal identidade. Vi uma blogueira de BBB (ex-atriz, ex-bem sucedida) dizer que, caso ela ficasse com alguém e não revelasse o seu passado, poderia ser processada por assédio moral. Como se beijar com uma transexual fosse motivo de chacota, algo vergonhoso, pegadinha.

Ariadna incomoda. E não é pelo seu jeito. Ariadna incomoda principalmente porque existe. Porque a sociedade ainda não sabe lidar com as diferentes formas de persona que aparentam até contemporâneas (mas são antigas), com as identidades conquistadas, com a felicidade alheia, com o rompimento de questões que estão fixadas em pênis e vagina, pelo machismo e transfobia.

E como incomoda, é marginalizada, eliminada, deve ficar longe. É por isso que muitas travestis trabalham à margem da sociedade, como garotas de programa. Lá, estão dentro de um mundo que as aceita melhor porque é escondido, também marginalizado, onde encontram outras iguais discriminadas, onde "ninguém" quer ver, mas muitos pais de família sentir. O problema é que temos a tendência de ver e comentar apenas o resultado de todo o processo, esquecendo os meandros do meio e o preconceito que nós mesmos carregamos.

Para quem se assustou, a eliminação de Ariadna não é novidade na televisão. Basta lembrar da primeira travesti a participar de um reality show – a Bianca Soares da Casa dos Artistas 4, Protagonistas de Novela, em 2004: foi a primeira eliminada na primeira semana com mais de 70% dos votos. E até da participação da drag-transexual Nany People em A Fazenda: em sua primeira roça na quinta semana… tchau!

Ou seja, enquanto não começarmos a observar uma travesti, uma transexual, uma transgênero, como figura legítima, como mais uma manifestação do comportamento humano e de suas identidades – com características femininas e masculinas naturais, e não como uma pegadinha do Sérgio Mallandro – dificilmente teremos uma evolução no pensamento sobre quem está a frente das convenções sexuais, nos direitos básicos e universais de todos e até nas reais chances de uma participante transexual vencer um reality show da Globo.

"Se alguém pergunta, falo: sou mulher. Porque eu sou uma mulher. Porque sempre foi meu sonho, sabe. Se alguém fala que duvida… Eu mostro: Toma aqui meu RG" (Ariadna, madrugada de segunda-feira, dia 17 de janeiro). Afinal, ser transexual é mais que uma escolha, é característica intrínseca. Ela é mulher (mulher transexual, que seja), e sempre foi. O que teve por alguns momentos entre as pernas nunca foi maior do que teve entre as orelhas, em seu pensamento, em sua verdade.

* Neto Lucon é jornalista e autor do livro "Por um lugar ao Sol", sobre travestis e transexuais inseridas no mercado formal de trabalho, que será lançado este ano.

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