Famoso por criar papeis polêmicos na teledramaturgia brasileira, o autor Aguinaldo Silva conta em entrevista ao G1 o que pensa dos atuais personagens gays na TV, todos "pasteurizados demais" e que acabam, no fim, "virando héteros!".
Em "Cinquentinha", Aguinaldo tenta mudar esse cenário com a entrada de Carlo (Pierre Baitelli), um vilão gay manipulador "inspirado em Joan Crawford". Já na ala feminina da minissérie temos a bissexual Leila (Ângela Vieira), uma jornalista de meia-idade bem sucedida.
"Os gays na dramaturgia televisiva estavam ficando pasteurizados demais. Estavam ficando héteros! Tinham comportamento absolutamente dentro dos padrões da classe média mais careta. Aí eu pensei: tudo bem, existem gays assim. Mas os gays, como os não-gays, não estão submetidos a nenhum padrão de comportamento. Acima de tudo, eles são criaturas, pessoas, e cada pessoa é uma pessoa. Existem as boas, as mais ou menos, as más, as perversas, as psicopatas… Então, pra quebrar essa corrente positiva de gays bonzinhos na televisão, resolvi fazer um deles mauzinho. Aliás, não apenas mauzinho: péssimo!".
Para Aguinaldo, o expectador brasileiro "apesar de usar as roupas que veste e suas atitudes públicas de absoluto exibicionismo comportamental […] é conservador, sim!". O autor afirma que desta vez tratou de se cercar de cuidados para compor a personagem Leila. "Ela tinha que ser bonita, segura de si, não lembrar em nenhum momento o estereótipo do que se conhece como "sapatão". E tinha que ser uma atriz de grande personalidade, como é o caso da Ângela Vieira. Acho que isso ajudou os telespectadores a aceitá-la, sem maiores contestações. Quanto ao conservadorismo do brasileiro, espero que algum dia Deus o tenha".
Sobre a falta de ousadia dos personagens gays, Aguinaldo acredita que isso seja proposital de alguns autores. "Há uma preocupação em dizer ao telespectador: vejam como eles são normais! O problema é que, como já disse aquele famoso filósofo baiano, ‘de perto ninguém é normal’… Inclusive os gays".
Tanta "normalidade" chega a deixar a suspeita de que os próprios autores sofrem uma espécie de censura por parte das emissoras. No caso de Aguinaldo, da Rede Globo. "A Rede Globo é inteiramente aberta a qualquer temática e não cria a menor restrição ao trabalho dos seus autores (…). Nunca tive uma única cena que fosse cortada por parecer ousada demais aos olhos da emissora. A não ser nas vezes em que tentei escrever o tal beijo gay, sobre o qual paira uma espécie de maldição, que eu não entendo, mas aceito". Aceita tanto que o novelista desistiu da ideia. Ele revela que agora só da "beijo gay em casa". "Desisti de dar beijo gay na televisão".
Por fim, ele afirma que é contra o casamento gay, mas é a favor da união civil entre pessoas do mesmo sexo. "O que os gays querem não é casar. Querem a segurança que a união civil proporciona aos dois parceiros. A confusão entre a união civil e o ‘casamento’ como instituição é proposital: é assim que a oposição aos direitos dos gays consegue paralisar o andamento dos projetos neste sentido. Quando se fala em ‘casamento gay’ já se imagina um cara barbudo, vestido de noiva, entrando numa igreja de braço com outro… E aí todo mundo é contra, sem se dar conta de que o que os gays estão pleiteando não é isso".