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País das Maravilhas

Há duas semanas, fui tomado assistindo à televisão por uma grata surpresa: “Alice”, série original da HBO, produzida por Sérgio machado (diretor do filme “Cidade Baixa”) e Karim Aïnouz (diretor de “Madame Satã” e “O Céu de Suely”). De imediato, me arrependi de ter desistido da série depois de assistir ao primeiro episódio. E agora vou ter de esperar as sagazes reprises da televisão segmentada…

A série se propõe a contar a história de Alice vinda de Palmas para São Paulo para o velório do pai, e também para comprar um edredom, já que vai se casar com o noivo Henrique, logo que voltar para sua casa. E além de Alice, o enredo é recheado de outros interessantes personagens, como a de outros jovens de vinte e poucos anos que estão remando seus caminhos na cidade grande, o complicado casal de lésbicas na meia-idade, Luli e Dora, e a esperta pré-adolescente Regina Célia, irmã de Alice.

Uma semana depois do meu primeiro encantamento, o sétimo episódio veio ao ar para me arrebatar. E a inteligência por trás da sua construção vai muito além da ironia que os criadores utilizaram para batizá-lo de “Wonderland”. Trata-se da conhecida guerra do jovem adulto querendo se libertar da máquina, para deixar de ser somente uma peça e botar para rodar o seu próprio moinho. E o interessante é que os criadores da série conseguem mostrar este conflito de uma maneira diferente das já conhecidas.

Alice precisa pagar onze mil reais do IPTU atrasado de um dos bens que seu pai lhe deixou, para assim poder vender o galpão na Barra Funda e ficar com o dinheiro. Para arrecadar dinheiro para o pagamento do tributo, ela resolve organizar uma festa no galpão, ainda que esteja sem “um puto”, como ela mesma diria.

Nasce a festa “Wonderland”, cometa em que Alice vai sentar para buscar seus objetivos! E com ela chegam vários problemas na cabeça de Alice. Encanamentos quebrados, fiscais à procura de alvará de funcionamento para o local, é preciso molhar a mão dos moradores locais para deixar o carro dos festeiros em paz, tinta, bebidas, aparelhagem de luz, som…

E então chega a boa frase dita por Alice, que me colocou para chorar no travesseiro: “De vez em quando, parece que esta cidade só quer me dar porrada, me mandar embora a pontapé…” Não nos sentimos todos assim, em algum momento da nossa vida? Esta é a beleza da série, você não precisa ser Alice para perceber que São Paulo sabe ser bastante cruel com quem acaba de chegar ou com quem vive aqui há mais de trinta anos.

O mais importante de tudo o que é mostrado, me parece ser a obstinação de Alice. Ela segue em frente derrubando cada muro que se ergue à sua frente. Não há aborto, assalto ou crise de bronquite que a faça parar de lixar as paredes do judiado galpão que no episódio seguinte ela vai chamar de casa. A cidade ainda não abriu os braços para lhe dar um aconchegado abraço. Mas ela segue!

Particularmente, sou um apaixonado pela cidade de São Paulo, com seus defeitos e trânsitos e noites sem estrelas. O retrato do caos da cidade nesta ficção é necessário para servir de contraponto com a origem da sua protagonista. Mas seria este retrato uma verdade? No mesmo episódio, “Wonderland”, da semana passada, duas amigas faziam sexo com o ex-namorado de uma delas. Esta liberdade sexual seria também uma verdade em São Paulo? Fiquei pensando se sou o único que não está fazendo sexo muy caliente a três…

Ficção e realidade são coisas opostas. Cada uma com a sua dimensão, as duas possuem sua beleza. O impossível mesmo é não conseguir se emocionar e relacionar com a história de Alice, ainda que você não concorde com o retrato do “seu país das maravilhas”. Ligue na HBO, domingos, às 22 horas e acompanhe a saga de Alice! Tudo bem que ela já está no meio da sua trajetória na megalópole. Porque todos nós já conhecemos o começo…

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