A delegada Margarette Barreto, responsável pela Decradi – a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância – declarou ontem que para ela o dia em que acontece a Parada Gay é tenso. "Enquanto vocês comemoram, a gente fica preocupado. É um dia em que a comunidade LGBT está na rua e pode ser encontrada mais facilmente. A chance de ser atacado no trajeto para a Parada é muito grande", afirmou a delegada.
A declaração de Margarette aconteceu durante a mesa que deu início ao 7º Ciclo de Debate do Mês do Orgulho, organizado pela Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo. Os convidados da mesa discutiram Segurança Pública e os mecanismos estaduais de enfrentamento da homofobia.
A delegada deu início à sua participação comentando a fala de uma funcionária da Delegacia. "Fiquei muito feliz porque uma funcionária na delegacia, que está perto de se aposentar, disse para mim que de todos os lugares onde trabalhou a Decradi é a que lembrará com mais carinho. Ela comentou: é o lugar que eu mais me divirto, que conheço mais gente interessante e onde faço um trabalho que vai ficar para o futuro."
Margarette citou também uma Parada em que trabalhou na segurança. "Vi muitas manifestações na Parada e não só protesto contra homofobia. No ano em que ocorreram os ataques do PCC, muitas pessoas vieram se solidarizar", afirmou. A delegada rebateu ainda críticas à manifestação. "É muito mais fácil criticar quando se está de fora. Quando está com com a mão na massa fazendo o pão é dificil. Tem que se preocupar com todos os detalhes, com a medida do fermento".
A delegada falou sobre a importância de a comunidade LGBT registrar B.O. e de como a questão da discriminação era considerada menor dentro da polícia. "Eu costumo dizer que delegacia é como pronto socorro. Chega um com a cabeça aberta, um tendo um filho, quando chegava um dizendo sofri discriminação o delegado fechava a cara. Não que não seja importante. Comparo a discriminação com uma diabetes. Ela está lá e se você não cuidar pode ficar cego, ter de fazer uma amputação".
O debate também serviu para Margarette apontar o desfecho de alguns crimes, como o do francês que foi morto após a Parada Gay. Os agressores foram condenados a 26 anos de prisão. Outro caso citado foi o do professor Alessandro Faria, o Ali, que levou à prisão de 8 anos um dos autores do espancamento. Neste momento a delegada explicou a diferença de um criminoso comum, que afere lucro e costuma mudar para outra "atividade" quando sofre reprimenda da polícia, para um de origem intolerante, que comete o crime por questões culturais e ideológicas.
Para a policial, a falta de leis específicas prejudica a atuação policial na luta contra a homofobia e "é o Judiciário quem está escrevendo a nova legislação". Margarette comentou ainda a crescente onda neonazista. "O movimento de intolerância tem crescido não só no Brasil mas no mundo. Somos um país miscigenado. É quase inexplicável achar que tem raça pura aqui. A quem interessa isso?", questionou.
O coronel Luiz de Castro Junior, da Diretoria de Policia Comunitária e Direitos Humanos, falou em seguida. Primeiro, o PM fez questão de frisar que "sofre discriminação pois muitos não entendem que debaixo da farda há um cidadão". Para ele, a luta do movimento LGBT é justa e ele espere que os homossexuais conquistem leis.
O policial reconheceu que às vezes a polícia se coloca de antipática no cumprimento das leis e falou que não podemos falar em questão de minorias. "Estamos debatendo sobre uma Parada de 3 milhões de pessoas. Como podemos falar em minoria? E quando falamos nos negros é a mesma coisa. A única minoria que temos aqui é a rica e privilegiada". O coronel lamentou que direitos humanos básicos tenham que ser colocados em lei "como é o caso do todos têm direito à vida. Isso deveria ser natural e não estar escrito".
Em seguida quem falou foi Maíra Coraci Diniz, do Núcleo de Combate à Discriminação da Defensoria Pública Estadual. Ela relembrou a história do órgão e citou-o como o único que em seu decreto-lei de criação tem como missão garantir e promover a os direitos da população homossexual. Como atua na aplicação da lei 10.948/01 – que pune atos discriminatórios no Estado de São Paulo -, chamou atenção para o fato de que não deve ser a vítima, e sim o Estado a arrolar testemunhas nas audiências.
O advogado Paulo Mariante, do grupo Identidade, de Campinas, representando o Fórum Paulista, avaliou a atual situação parlamentar do país e do Estado. "Nós retrocedemos nas últimas eleições". O ativista chamou atenção para a necessidade de divulgar a lei nas cidades do interior. "Sei que a Coordenação ainda está sem orçamento, mas não dá mais para divulgar a lei no boca-a-boca da militância".
Mariante apontou também que urge acontecer um maior "empoderamento político" da Decradi na Secretaria de Segurança Pública. "Demorou, por exemplo, para a delegacia entrar no caso de Carapicuíba. As delegacias regionais, ao menor indício de crime homofóbico, têm que se reportar e acionar à Decradi, já que é ela que concentra a inteligência desses tipos de casos".
O militante cobrou também a implementação das propostas tiradas na Conferência Estadual LGBT, que aconteceu no ano passado. O coordenador de políticas para a diversidade sexual, Dimitri Sales, afirmou que este é o norte do órgão criado há dois meses por decreto do governador José Serra. "Neste momento estamos mapeando nas secretarias todas as políticas de inclusão. É por isso que não chamamos ainda o Fórum Paulista. Não dá para chamar para conversar sem algo de concreto, só para tomar um chá", finalizou Sales.